João Severiano da Câmara (Taipu 08/03/1895-
Natal 12/12/1948)
João Câmara é uma grande figura da história recente do Rio Grande do Norte, natural de Taipu foi industrial e político.Transcrevemos a seguir a biografia desse ilustre taipuense feita por Aldo Torquato, vereador e ex prefeito de João Câmara-RN .
João
Severiano da Câmara nasceu na localidade de Boa Vista, município de Taipu,
em 8 de março de 1895 , sendo filho de Vicente Rodrigues da Câmara e Maria
Rodrigues da Câmara. A pequena Boa Vista, no dizer de Câmara Cascudo, foi
confundida com outra localidade que lhe ficava próxima, Passagem Funda, daí
constar oficialmente o nome desta última como o lugar onde João Câmara
nasceu.
Seu pai, Vicente
Rodrigues da Câmara era filho de João Severiano da
Câmara e Tereza Rodrigues da Silveira. Portanto, ao filho, que foi o segundo da
sua prole, foi dado o nome do avô paterno. O destino de João
Câmara parecia estar irremediavelmente ligado a Baixa-Verde. Tanto é
que, ainda menino, por diversas vezes esteve em Cauassu, hoje
distrito de João Câmara, passando dias de férias na casa de uma tia (irmã de seu
pai), dona Joaquina Possidônio da Câmara, apelidada de dona Quininha,
casada com Felipe Cândido Monteiro, cujos descendentes (família Monteiro)
ainda hoje residem naquela pequena comunidade interiorana.
Ainda
moço, aos 18 anos de idade, já
apelidado de Vanvão, trabalhou no I.F.O.C.S (Inspetoria Federal de
Obras Contra as Secas), órgão que antecedeu o DNOCS, e como tal tinha
a missão precípua de construir barragens para amainar o secular
problema da escassez de chuva no nordeste brasileiro, missão que até os
dias de hoje, já em pleno século vinte e um, se arrasta a passos de tartaruga.
Não satisfeito com o
emprego, que pouco lhe rendia, a não ser um mísero salário,
suficiente apenas para cobrir os custos de manutenção, João Câmara retornou à
casa paterna no início do ano de 1914. Estabelecida a
discussão sobre o que estaria reservado ao jovem ávido por melhores dias,
veio à baila a possibilidade do mesmo instalar-se num lugar chamado
Baixa-Verde, situado a vinte e sete quilômetros da sede do município de Taipu,
onde desde 1910 os trilhos da rede ferroviária já haviam chegado. Corria de
boca em boca que o lugar prosperava com uma rapidez impressionante, visto
situar-se estrategicamente na porta de entrada de uma vasta região ainda
inexplorada, mas de grande potencial agrícola.
Em 6 de junho de 1914
João Câmara chegou a Baixa-Verde, acompanhado do seu
irmão, Jerônimo, conhecido com Loló. Inicialmente, estabelece-se com uma
pequena casa de comércio, depois fundou plantações de algodão, trouxe
outro irmão de nome Alexandre (Xandu), para ajudar nos serviços, e com ele
fundou a firma João Câmara e Irmãos, que pouco tempo depois seria uma das
maiores do estado, destacando-se no beneficiamento de algodão produzido
nos milhares de hectares de terras próprias ou adquiridos de
terceiros.
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João Câmara |
Em 1928 João Câmara
tornou-se o primeiro prefeito do recém criado município de
Baixa-Verde, que se tornara autônomo, em grande parte, graças ao seu empenho,
tomando posse às 13 horas do dia 1° de janeiro de 1929, no salão principal do
grupo escolar Capitão José da Penha. Antes, porém, havia sido Intendente em
Taipu, empossado em 1° de fevereiro de 1926. Com o advento da Revolução
de 1930, João Câmara foi demitido, sendo nomeado para o seu lugar o
cidadão Ariamiro de Almeida. Usando da força
política dos amigos, foi novamente nomeado Prefeito
em 06 de dezembro de 1930, exercendo o cargo até 28 de novembro de
1932.
Depois de prefeito de Baixa-Verde, João Câmara
exerceu o mandato de deputado estadual por duas vezes,
ambas na década de trinta e, finalmente, senador da república
por ocasião da redemocratização ocorrida após a segunda guerra
mundial e a derrubada da ditadura de Getúlio Vargas, em 1945. Inusitado é o
fato de que não há registro de sua posse no Senado Federal, sendo certo que não
compareceu a nenhuma sessão por todo o tempo em que teve o mandato.
Foi um dos fundadores do Partido Social Democrático, o legendário PSD,
chegando a exercer a sua presidência regional. A morte alcançou-o às seis
horas e trinta minutos do dia 12 de dezembro de 1948, quando já havia sido
escolhido governador, por consenso das maiores lideranças políticas
do estado.
Constitui, porém,
ledo engano imaginar-se que o consenso em torno do político, João
Câmara, refletia a mesma opinião sobre o homem. Poucas pessoas, no seu
tempo, despertaram tantas paixões dos admiradores e tantos ódios dos que lhe
eram adversários.
Político de sucesso e
empresário vitorioso, João Câmara foi alvo de admiração e respeito
dos seus amigos e correligionários, e de ódios dos seus inimigos e
adversários. Ninguém com ele conviveu ou foi seu contemporâneo, sem filiar-se a uma
destas duas correntes. Há registros de ambos os casos, conforme depoimentos
insuspeitos de alguns historiadores potiguares.
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Estátua de João Câmara na praça e cidade homônima. |
Na primeira vertente,
ou seja, dos seus admiradores, estão historiadores do porte de um Paulo
Pereira dos Santos, ilustre conterrâneo, que o descreve em sua obra Um Homem
Admirável como “um paladino do trabalho e da honestidade, exemplo
e modelo de dignidade humana”, embora registre, como competente
historiador, as opiniões dos que lhe faziam restrições.
Para Luís da Câmara
Cascudo, que fora seu colega na assembleia legislativa, João
Câmara “era uma das maiores fortunas pessoais do Rio Grande do Norte”... “falava
fluentemente e agradavelmente. Era um conversador esplêndido,
companheiro magnífico, acolhedor, simples, compreensivo”, opinião comungada e
externada pela grande maioria dos políticos e empresários da época,
por ocasião do seu falecimento em inúmeros depoimentos publicados
na imprensa local.
A segunda corrente,
ou seja, aquela formada pelos seus adversários e inimigos,
devotava-lhe verdadeiro ódio. Dentre estes, destacava-se o Dr. João Maria Furtado, que o
acusara de mandar prendê-lo arbitrária e injustamente por ocasião da
Intentona Comunista de 1935. Segundo relata em suas memórias
(Vertentes) o Dr. João Maria, à época juiz de direito da
comarca de Baixa-Verde, quando eclodiu o movimento comunista,
encontrava-se ele veraneando com sua família na praia de Cajueiro, município de Touros,
quando chegou um caminhão, dirigido por um motorista de confiança de João
Câmara, com soldados do exército, que o levaram preso com seu cunhado e
demais familiares com destino a Baixa-Verde. Em ali chegando, foi
apresentado a João Câmara, que se encontrava “ em frente à prefeitura, fardado
de capitão do exército, comandando, do local, a repressão”.
Adversários e
inimigos de João Câmara punham também em dúvida a lisura de sua
fortuna, chegando muitos a afirmar que a sua riqueza havia sido adquirida, em grande
parte, de forma desonesta. De acordo com esta versão, agricultores que
haviam sido beneficiados por ele com financiamentos ao longo do ano, para
pagar com a safra de algodão, como era de costume, não tendo como saldar seus
débitos em tempos difíceis, como nas grandes secas, eram instados a pagar
tudo em vinte e quatro horas, e como não tinham como levantar as
importâncias em tão curto espaço de tempo, suas terras eram tomadas pelo
valor da conta, muito embora o valor do patrimônio superasse em muito o
débito.Num tempo em que
campeavam as historias de sacipererê, mula-semcabeça, caiporas,
fogo-do-batatão, e almas penadas, corria à boca pequena entre as pessoas de
menor instrução, que João Câmara havia feito um pacto com o demônio, a quem
entregara a alma em troca da iluminação para adquirir riqueza. Pura
imaginação.No entanto, o depoimento mais contundente, entre tantos, sobre a personalidade do
ex-senador, foi dado ao extinto jornal Dois Pontos, na década de oitenta,
por um dos seus filhos. Numa longa entrevista, Wilson Câmara relata que
estava na cidade de Maceió, estudando, quando poucos dias antes do final
do mês acabou o dinheiro de sua mesada. Necessitado, disse Wilson,
telegrafou para o pai pedindo um reforço financeiro.
Dias depois recebeu um
outro telegrama com a resposta, onde João Câmara dizia secamente: não
mando. Aflito, Wilson, deixou passar mais alguns dias e como não tivesse
chegado nenhuma ajuda, telegrafou novamente, desta vez carregando na
súplica: pai, não sei nem como vou voltar para Natal. O que faço? Passados alguns dias,
veio a resposta fulminante: venha a pé. Continuando com sua
catilinária contra o próprio pai, Wilson Câmara demonstra na
entrevista concedida ao semanário Dois Pontos, que João Câmara era temido não
só pelos eleitores e empregados da sua fazenda e empresa, que a ele se
referiam simplesmente como o homem, mas que esse temor passava pelos
próprios irmãos, seus sócios minoritários, que, diante da sua simples
presença, ficavam de tal forma nervosos, que tinham dificuldade de
executar as mais simples tarefas. Quando João Câmara chegava, diz Wilson,
perguntava logo pelo seu irmão Loló, gerente financeiro, e com ele dirigia-se ao
escritório onde estavam os livros com os registros da movimentação. A esta
altura, temendo que o irmão encontrasse alguma coisa que não estivesse ao
seu gosto, Loló começava a tremer, o que poderia ser visto a olho nu por
ocasião do simples manuseio dos livros e do passar das páginas. João Câmara então
perguntava: que é isso, homem, você está tremendo! Está me
escondendo alguma coisa? A intervenção provocava um descontrole emocional
maior ainda no pobre homem, ao ponto de quase levá-lo ao pânico.
Para se prevenir de
eventuais surpresas desagradáveis, os irmãos Xandu e Loló combinaram com o
motorista particular de João Câmara, Luís Pinto, que, quando estivesse
conduzindo o patrão, ao chegar nas proximidades da loja ou da usina, deveria dar
três buzinadas de aviso. Era a senha salvadora e necessária, em tempo ainda para
que todos se prevenissem, arrumassem as gavetas, assumissem postura
condizentes com o ambiente de trabalho. Lamentavelmente o combinado não durou
muito tempo, porque, esperto, o homem desconfiou e perguntou ao
motorista: ô Luis Pinto me diga por que toda vez que a gente se aproxima do
escritório você dá três buzinadas? O motorista deu como resposta uma desculpa
esfarrapada e nunca mais repetiu o gesto.Por não ter que se submeter a tais
constrangimentos, o irmão Antonio Severiano (Tonho) não
pretendeu fazer parte dos negócios de João Câmara, preferindo fundar
propriedades rurais nos grotões do mato grande, limites do município de
Parazinho e Touros, município do qual chegou a ser prefeito.
O apego excessivo aos
negócios, quase uma obsessão, levou João Câmara a não tomar
posse no cargo de senador da república, para o qual fora eleito em 19 de
janeiro de 1947, -com mandato de apenas quatro anos -, ficando a
representação federal do Rio Grade do Norte desfalcada ate o final de 1948, quando João
Câmara faleceu, assumindo a vaga o suplente Kerginaldo Cavalcante
de Albuquerque.
De nada valeu a luta
insana por bens materiais. Poucos anos depois da sua morte, dizem que
por despreparo dos seus sucessores, o imenso patrimônio da firma
João Câmara & Irmãos foi adjudicado ao Banco do Brasil em pagamentos de
débitos contraídos e não pagos. Conta o monsenhor Luis Lucena, vigário
de Baixa-Verde desde os idos de 1958, que, por ocasião do
sepultamento de João Câmara, quando o féretro se aproximava do
cemitério do Alecrim, já subindo a ladeira do Baldo, João Urbano de Araújo,
comerciante em Baixa-Verde e extremamente ligado à Igreja Católica,
devoto de Nossa Senhora de Fátima, perguntou preocupado ao monsenhor Vicente
Freitas, então pároco daquela freguesia: e agora, monsenhor Freitas, o
que será de Baixa-Verde? Ao que o monsenhor respondeu: João,
Baixa-Verde nasceu hoje, porque infeliz é a terra em que só um homem manda! João Câmara era
casado com dona Maria Rodrigues da Câmara, uma santa senhora, que
lhe deu vinte filhos (segundo informa o escritor Câmara Cascudo), dos quais
apenas cinco sobreviveram (Edson, Wilson, Elza, Teresinha e Joãozinho).
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Cortejo fúnebre de João Câmara em direção ao cemitério do Alecrim em Natal. |
Esta senhora tida e
havida por todos que a conheceram, inclusive pelos mais ferrenhos
adversários do seu marido, como uma alma generosa, humilde, afável,
conheceu os píncaros da gloria e as profundezas do ostracismo e da
pobreza. Depois de ter sido esposa de um dos homens mais ricos do estado,
prefeito, deputado e senador da república, residindo em uma mansão no bairro do
Tirol, à avenida Hermes da Fonseca, em frente a Escola Domestica de Natal,
cercada de empregados e amigos, viveu seus últimos dias na humilde rua
Meira e Sá, bairro Vermelho, em Natal, morando em uma casinha simples,
de poucos cômodos e sobrevivendo graças a uma pensão
especial que lhe foi concedida pelo governo do estado.
Constituiu a maior empresa do Estado, de produção,
compra de produtos, beneficiamento e exportação de algodão, com usinas
instaladas em várias regiões potiguares, inclusive em Assu. A sua empresa
adquiriu os armazéns e maquinários da SAMBRA, instalando-se e dando centenas de
novos empregos aos assuenses, num período de grande expansão da cultura do
algodão, tendo marcado este período áureo na Terra dos Carnaubais.
Como político foi eleito Senador da República, no exercício de cuja função representativa faleceu. Senador João Câmara foi o mais importante homem público da antiga Baixa Verde, sendo inclusive indicado por Georgino Avelino para ser o candidato a governador com chances reais de vitória, pois teria também o apoio do então governador José Varela e dos partidos PSD e UDN unindo oposição e governo ao seu nome, fato este que não aconteceu, pois viera a falecer próximo à convenção partidária que culminou com a indicação do mossoroense Dix-Sept Rosado.
Em Taipu denomina a uma rua da cidade. Denomina ainda a município, a Praça em Natal, a estádio de futebol no bairro das Rocas, em Natal e escola em Bento Fernandes e Passa e Fica.
Como político foi eleito Senador da República, no exercício de cuja função representativa faleceu. Senador João Câmara foi o mais importante homem público da antiga Baixa Verde, sendo inclusive indicado por Georgino Avelino para ser o candidato a governador com chances reais de vitória, pois teria também o apoio do então governador José Varela e dos partidos PSD e UDN unindo oposição e governo ao seu nome, fato este que não aconteceu, pois viera a falecer próximo à convenção partidária que culminou com a indicação do mossoroense Dix-Sept Rosado.
Em Taipu denomina a uma rua da cidade. Denomina ainda a município, a Praça em Natal, a estádio de futebol no bairro das Rocas, em Natal e escola em Bento Fernandes e Passa e Fica.
Fontes: TORQUATO, Aldo. Baixa-Verde. Raízes da
nossa história. Coleção Baixaverdense - Vol. I, 2009. Disponível em PDF. http://blogdofernandocaldas.blogspot.com.br/2015/04/ruas-e-avenidas-senador-joao-camara.html.Acesso
em 14abr. 2016.
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