segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A HISTÓRIA DA ESTRADA DE FERRO EM BAIXA VERDE


A chegada da ferrovia ao território do distrito de Baixa Verde foi inegavelmente o divisor de águas de sua existência. Há Baixa Verde antes e depois da estrada de ferro. Sendo assim, vamos a ela nos dedica a partir de agora.
A ferrovia em questão é a Estrada de Ferro Central do rio Grande do Norte, inaugurada em 13/06/1906 cujo  projeto pretendia ligar o porto de Natal ao sertão potiguar estendendo seus trilhos da capital até a cidade de Caicó.
Em 15/11/1907 a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte chegava ao território do município de Taipu com a inauguração da estação da Vila do Taipu e da parada da Pitombeira.
Até 20/08/1908 a EFCRN esteve sob administração federal.O processo da concorrência foi aberto pelo edital de 14 /05/1908 cuja finalidade pretendia atrair empresas interessadas em continuar a construção da ferrovia.
Por meio do Decreto Nº 7.074, de 20 de Agosto de 1908 foi autorizado o contrato da construção do trecho da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte compreendido entre Taipu e Caicó.
O artigo único do referido decreto dizia que “fica o Ministro da Indústria, Viação e Obras Publicas autorizado a contratar com Luiz Soares de Gouvêa a construção do trecho da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, compreendido entre Taipu e Caicó”. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2018).
Já o Decreto Nº 7.164, de 5 de Novembro de 1908 transferia para a razão social Proença & Gouvêa o contrato de construção do trecho da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, compreendido entre Taipu e Caicó.
O Presidente da República havia assim atendido ao que requereu Luiz Soares de Gouvêa, contratante da construção desse trecho da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte.
Foi então baixado o Decreto Nº 7.186, de 19 de NOVEMBRO de 1908 pelo qual o Governo Federal contratava com a razão social Proença & Gouvêa o arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte.
Ficava assim contratado com a razão social Proença & Gouvêa o arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, desde o seu ponto inicial, na cidade de Natal, até o terminal do trecho compreendido entre Taipu e Caicó.
Dentre as Cláusulas a que se referia o decreto n. 7186, estava o arrendamento feito pelo prazo de 60 anos, a contar da data da assinatura do contrato e teria por objeto:
     a) a estrada de ferro atualmente em trafego entre Natal e Taipu, com os seus respectivos 56 km;
     b) as respectivas estações, escritórios, armazéns, depósitos e mais edifícios e dependências da estrada;
     c) os novos trechos constituídos á medida que forem sendo entregues ao trafego, compreendidos entre Taipu e Caicó, do qual  tratava o decreto n. 7074, de 20 de agosto de 1908.
O DECRETO nº 9.172, de 4 de dezembro de 1911 autorizava a revisão dos contratos de 15 de outubro de 1908 e 20 de março de 1909 para a construção e o arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte segundo o projeto de 1905, de modo a estabelecer a ligação com a rede de Viação Férrea do Ceará,

Dentre as cláusulas a que se referia o decreto n. 9.172, estava    o arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, até aquela data em trafego entre Natal e Baixa Verde, com o desenvolvimento de 84 km, com as respectivas estações, escritórios, armazéns, depósitos e demais edifícios e dependências da estrada.
Constava também o arrendamento dos novos trechos construídos á medida que forem sendo entregues ao trafego, compreendidos entre a estação de Baixa Verde e a cidade de Milagres, no Estado do Ceará, passando por Lajes e Caicó e o ramal de Lajes a Macau.
A revisão do traçado no trecho compreendido entre Lajes e Caicó, adotando a diretriz mais conveniente, subordinada ás condições técnicas.  
Previa ainda a conclusão da construção das obras já aprovadas para a estação inicial e mais dependências em Natal; do trecho de Natal a Igapó, compreendendo a ponte sobre o rio Potengi, dos trechos de Baixa Verde a Lajes e de Lajes a Caicó; assim como das obras novas necessárias ao melhoramento das condições técnicas e completo acabamento do trecho em trafego entre Natal e Taipu e substituição do material fixo nesse trecho.A construção do prolongamento de Caicó a Milagres e do ramal de Lajes a Macau.
O Decreto nº 8.765, de 31 de Maio de 1911 transferia para a Companhia de Viação e Construções os contratos de 15 de outubro de 1908 e 20 de março de 1909, para construção e arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, conjuntamente a caução de 50:000$000.
Atendendo ao que requereu João Proença, cessionário de Proença & Couvêa, contratante da construção e arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, ficando deste modo a mencionada companhia subrogada em todos os direitos e obrigações decorrentes dos referidos contratos.
Já o Decreto nº 14.136, de 10 de Abril de 1920 declarava rescindido o contrato de construção e arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, a que se refere o decreto n. 9.172, de 4 de dezembro de 1911.
Tendo em vista a exposição de motivos que lhe foi apresentada pelo ministro da, Viação e Obras Publicas, relativamente á execução do contracio firmado em 18 de dezembro de 1911 com a Companhia de Viação e Construções, para a construção c arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, decretava resolvida a rescisão do contrato de arrendamento e construção da Estrado de Ferro Central do Rio Grande do Norte firmado em 18 de dezembro de 1911 com a Companhia do Viação e Construções, e a que se referia o decreto n. 9.172, de 4 do mesmo mês.
Feita a rescisão, o Governo pagaria á Companhia de Viação e Construções a indemnização de 4.248:855$300 (quatro mil duzentos e, quarenta e oito contos oitocentos e cinquenta e cinco mil e trezentos réis) por lucros cessantes das construções: a importância das medições dos trabalhos executados e ainda não incluídos em medição; a importância relativa ao valor dos materiais, ferramentas, instalações utilizaveis, quer do trafego, quer da construção, pertencentes á, companhia: bem assim restituirá, não só a importância de 2.828:361$139 (dois mil oitocentos e vinte e oito contos trezentos e sessenta e um mil cento e trinta a nove réis) correspondente á parte do capital reconhecido pelo Governo e ainda não amortizada, como a caução que se achar em deposito no Tesouro para garantia da execução do contrato.
     Pelo decreto a Companhia de Viação e Construções suspenderia desde já os serviços de construção e desistiria de, quaisquer reclamações passadas, presentes ou futuras, concernentes aos contratos vigentes, declarando-se plenamente quite e satisfeita com os recebimentos dado pelo Governo.
A Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte passaria á administração do Governo, ficando subordinada á Inspetoria Federal das Estradas a partir de então.
O projeto de atingir a cidade de Caicó nunca foi realizado, ficando a ponta dos trilhos até a cidade de São Rafael.
A mudança do traçado, as secas periódicas, a falta de pessoal para trabalhar na construção, foram alguns do fatores alegados pela Companhia para não avançar na construção da ferrovia.
Em 1939 ocorreu a fusão da Estrada de Ferro com a Estrada de Ferro Natal a Nova Cruz, encampada pelo Governo terminado o contrato de arrendamento com GWBR. Em 1950 a EFCRN passa a se chamar Estrada de Ferro Sampaio Correia.
A ferrovia chegou a ter 380 km de extensão divididos em 3 grandes seções. O tronco principal entre Natal e Lajes, o ramal de Lajes a Macau e o ramal de Lajes a São Rafael, suprimido este na década de 1960, terminando assim na cidade de Angicos.
A EFCRN percorria 13 cidades e inúmeras localidades ao longo da via, partindo de Natal atingia Extremoz, Ceará-Mirim, Taipu, Baixa Verde, Pedra Preta, Lajes, Fernando Pedroza 9ex São Romão), Angicos, São Rafael, Pedro Avelino (ex Epitácio Pessoa e Demétrios Lemos), Afonso Bezerra e Macau.Foi responsável pelo crescimento e desenvolvimento econômico dessas cidades.
De construção longa cuja o final só ocorreu em 1962 com a inauguração da estação de Macau, ao longo de sua existência alternou sua administração entre a iniciativa priva e o Governo Federal.
Além do transporte de passageiros, a EFCRN transportava as riquezas cultivadas ao longo do seu traçado, como a produção canavieira no vale do Ceára-Mirim, minerais como cimento, argila, mármores, granito, gado, algodão, cereais, madeiras entre outras nas demais zonas sertão adentro e o sal extraído na região salineira, sobretudo de Macau.
Exercendo a função social de socorrer em tempos de calamidade pública, a EFCRN transportava água retirada da lagoa de Extremoz conduzindo as cidades atingidas pelas secas prolongadas como Baixa Verde, Pedra Preta, Pedro Avelino, Lajes, Angicos.
O transporte de passageiros foi oferecido até 1979, já o transporte de cargas durou até 1997 quando o ramal Natal-Macau foi desativado, desde então não trafega mais trens pela ferrovia.

A inauguração da estação de Baixa Verde
         O distrito de Baixa Verde pertencia ao município Taipu a época da chegada da ferrovia.O município de Taipu tinha em 1910 cerca de 12.000 habitantes, a maioria vivendo em sítios e fazendas, a vila e sede municipal pouco mais de 1.200 moradores.Eram os maiores núcleos populacionais o distrito de Baixa Verde, Poço Branco, Gameleira, Boa Vista, Contador.
       O traçado da ferrovia que pretendia atingir o sertão potiguar até a cidade de Caicó passava além de Taipu pelo distrito de Baixa Verde.
       Eis como se deu a inauguração da estação ferroviária do distrito de Baixa Verde.
Na edição do dia 22/09/1910 do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro se lia que tinha sido autorizada a abertura da estação de Baixa Verde (JORNAL DO COMÉRCIO, 22/09/1910, p.1)
         Sobre a inauguração da estação do distrito de Baixa Verde assim o jornal A República descreveu a solenidade (A REPÚBLICA, 13/10/1910, P.1):
         As 07h30 da manhã partia desta cidade [Natal] o trem inaugural conduzindo alem do Dr. Alberto Maranhão, governador do Estado, Drs. Costa Junior e Décio Fonseca, engenheiro-chefe e subchefe da firma construtora e comissão fiscal do Governo, composta pelos Drs. Veras, Benevides, Cartaxo, grande número de convidados, representando esta folha o nosso companheiro Dr. Salomão Filgueira.
         No Ceará-mirim o trem recebeu ainda muitos excusionistas, chegando a Baixa Verde, a estação a ser inaugurada as 11h15 ao espocar de uma grande girândola de foguetes.
         No trecho inaugurado o trem se deteve várias vezes, a fim de serem admirados os trabalhos realizados ao longo da linha que são numerosos.
         A obra de arte mais importante do trecho é a ponte sobre o rio Ceará-Mirim com cinco vãos de 30 metros cada um, formando um vão total de 150 metros.Os encontros e o pilares são construídos de alvenaria ordinária rejuntada,sendo de cantaria os capeamentos e pedras de viga.Na altura de 6 metros está assentada a superestrutura metelica.
         Existe ainda no trecho inaugural uma ponte de 8 metros sobre o rio Bravo, 2 pontilhões sobre os riachos Carrapicho e Samambaia e 37 bueiros todos construídos de pedras e dois açudes que foram construídos ao longo da linha,sendo que o situado em Melancias tem bastante água.
         Cerca do meio-dia, num galpão rústico, armado a beira da estrada foi servido um opíparo banquete aos convidados.
         Au champagne[1], ergueu-se o dr Sá e Benevides, da comissão fiscal e declarou inaugurada a estação de Baixa Verde.
         O discurso do Dr. Benevides foi entusiástico, salientando o esforço da firma construtora em prol do progresso riograndense e a sábia orientação dos políticos de nossa terra Drs. Alberto Maranhão e Tavares de Lyra, aos quais saudou.
         O Dr. Alberto Maranhão pronunciou em seguida eloquente palavras de aplausos aos engenheiros da Estrada  de Ferro Central.
         Foram erguidos vários brindes, do Dr. Virgilio Bandeira aos Drs. Alberto Maranhão e Tavares de Lyra, do Dr. Décio Fonseca agradecendo em nome da empresa, Dr. Alfredo Arduini, ao Dr. João Proença, etc.
         O trem, terminado o almoço, regressou a estação da Coroa onde chegou as 17h30.
         Era grande a concorrência do povo em Baixa Verde,, notando-se geral contentamento pela inauguração.
         O trem inaugural achava-se festivamente ornamentado, sendo puxado pela grande locomotiva com velocidade de 15 quilometros por hora.
         A empresa pretendia inaugurar em dezembro, mas um grande trecho da ferrovia.
         Estava, pois, inaugurado o trecho entre Taipu e Baixa Verde elevando-se a 83,554 km a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, sendo 56 km entre Natal e Taipu e 27 km entre Taipu e Baixa e Verde.

Provisória ou definitiva?
         Os relatos históricos dizem que a estação de Baixa Verde foi inaugurada de forma provisória como no relatório do Ministério Da Viação e Obras Públicas que dizia em 1911 que “foi, provisoriamente inaugurada em 12 de outubro de 1910 a estação de Baixa Verde, ainda não concluída, situada no quilometro 83.554 de Natal e na cota 62 metros”. (BRASIL, 1911, p.58).
Há quem diga ainda que a estação funcionava em uma vagão, no entanto, é estranho o relatório contradizer o relato do jornal A República, quando houve uma solenidade na qual esteve presente altas autoridades, inclusive o governador do estado, com um trem especial sendo destinado ao evento para se inaugurar um vagão que serviria de estação provisória.

Repercussão da inauguração
Além do jornal local A República a inauguração da estação ferroviária de Baixa Verde também ecoou em outros jornais, com ocorreu na pequena nota do Jornal do Comércio (RJ) que assim noticiou a inauguração da estação de Baixa Verde: “presente o engenheiro fiscal da Estrada de Ferro e altos funcionários, foi inaugurada hoje a estação de Baixa Verde, cerca de 50 quilômetros da linha. Foram muito aclamados os nomes dos Sr. Presidente da República, Ministro da Viação e  Governador do Estado.A população está satisfeitíssima” (JORNAL DO COMÉRCIO, 13/10/1910, p.2).
Já a nota do jornal o Paiz foi a seguinte: “Natal, 13, Foi ontem inaugurado um trecho  de 50 quilômetros da ferrovia Central do Rio Grande do Norte, até Baixa Verde, compreendendo uma grande ponte sobre o rio Ceará-Mirim.Estiveram presente o governador e grande número de convidados” (O PAIZ, 14/10/1910, p.4). Na verdade foram 28,600 km inaugurados e não os 50 km relatados no jornal.
Em 1912 haviam sido construídos mais 17,300 km entre Baixa Verde e Cardoso construindo-se ali uma parada.

Ainda sobre a estação
A estação de Baixa Verde mede 14m de largura por 18m de comprimento. A plataforma tem uma extensão de 34 metros. Construída em estilo chalé, com telhado duas águas com caimento em alpendre sobre o vão da plataforma de embarque e desembarque. As portas e janelas apresentam-se em estilo arqueado.
Em suas dependências físicas ficavam a agência, bilheteria, telegrafo, escritório administrativo, alojamento de funcionários, armazéns. Separado do corpo da estação foi construído mais outro armazém na década de 1940.
Havia o transporte de passageiros e de cargas, sendo Baixa Verde um entreposto regional de mercadorias, sobretudo do algodão nas décadas de 1930/1940.
Os trens de passageiros faziam o percurso Baixa Verde-Natal as segundas, quartas e sextas e o percurso inverso as terças, quintas e sábados. Havia ainda o trem que transportava passageiros para Lajes e São Rafael, estação terminal da ferrovia até 1964 quando foi desativado o ramal São Rafael-Angicos. Com a abertura do ramal Lajes-Macau em 1962 havia também transporte de passageiros para aquela cidade terminal do ramal.
O trafego de transporte de passageiros foi aberto logo após a inauguração da estação e durou até 1979 quando o serviço foi desativado.
         O transporte de cargas durou até 1997 quando o ramal foi desativado, desde então não circulam mais trens pelo trecho ferroviário.
         A estação ferroviária de Baixa Verde é um símbolo histórico da atual cidade de João Câmara.
                                 Estação Ferroviária de João Câmara (ex Baixa Verde)


Estação de João Câmara, 2015.Fonte: João Batista dos Santos.

Estação de João Câmara, 2015.Fonte: Google Earth.

Estação de João Câmara, 1953.Fonte: acervo IAPHAAC.

Estação de João Câmara, 1986.Fonte: jornal o Poti.
Estação de João Câmara,2015.Fonte: Google Earth.


Fachada da Estação de João Câmara, 2015.Fonte: João Batista dos Santos.

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Referências
CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2018
JORNAL DO COMÉRCIO, Rio de Janeiro, 1910.
A REPÚBLICA, Natal, 1910.
BRASIL, Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas, Rio de Janeiro, 1911
O PAIZ, 14/10/1910




[1] A palavra champagne de origem francesa ainda não havia sido aportuguesada.

REESCREVENDO A HISTÓRIA DE BAIXA VERDE (JOÃO CÂMARA-RN)


Prolegômenos
A história não é estática, ao contrário, ela é dinâmica, ela muda com o aparecimento de novos fatos, por isso não se pode dizer que haja uma história completa, engessada, determinada e definitiva. Aplicando isso a historiografia dos municípios temos que os registros históricos, principalmente os jornais e relatórios dos governadores, se constituem de fontes relevantes para esmiuçar os meandros da história e ao examinar tais registros, a medida do possível, reescrever ou comprovar a história desses ou daquele município.
É o caso de João Câmara, outrora Baixa Verde, que neste trabalho apresentaremos e cujos retalhos históricos consignados nos jornais antigos e em arquivos do governo pretendem servir para analisar melhor a gênese do município (reescrever a história do município seria muita ousadia, tanto mais por não ser nativo do município, me perdoem os camarenses).
Sem mais delongas vamos aos nossos estudos.
Baixa Verde mencionada em mapa do século XIX
A menção a região de Baixa Verde aparece pelo final do século XIX, sendo uma das menções mais antigas, se não a mais antiga, salvo engano, ocorrendo em um esboço de um mapa da província do Rio Grande do Norte, apresentado ao presidente da província Dr. Antônio Francisco Pereira de Carvalho em 1887.
O mapa foi elaborado pelo engenheiro inglês Jonh Morant, que viria a ser o diretor da Estrada de Ferro Natal a Nova a Cruz. Segundo a legenda apresentada no referido mapa aparecem Baixa Verde e Pororocas. Vejam a figura 1.

                  Figura 1.Mapa de Johh Morant, 1887
Mapa de John Morant, 1887.Fonte: Arquivo Nacional.


         Ampliação do mapa a cima com destaque para a região de Baixa Verde
Mapa de John Morant, 1887.Fonte: Arquivo Nacional.

A segunda imagem é a ampliação da área que cita Baixa Verde e Pororocas extraída da primeira. A região de Baixa Verde apresentada neste mapa de 1887 coincide com a atual localização do município de João Câmara (ex Baixa Verde) e segundo a legenda do mapa era a época uma povoação.

A comissão do açude de Baixa Verde
O jornal Gazeta de Natal na edição do dia 01/06/1889 registrou a nomeação de uma comissão formada em Ceará-Mirim pelo padre Frederico Augusto Raposa da Câmara, presidente, o juiz municipal Francisco de Sales Meira e Sá e o major Elpidio Furtado de Mendonça. Sendo esta comissão encarregada da construção de um açude na povoação de Baixa Verde onde seriam empregados as vitimas da calamidade da seca, sendo destinando um salário de r$ 500 para os homens e r$300 para as mulheres  e r$ 200 para as crianças (GAZETA DO NATAL, 01/06/1889, p.2).Dessa forma, a povoação de Baixa Verde seria aquela época pertencente ao município de Ceará-Mirim.
As obras do referido açude continuaram no ano seguinte como se vê no expediente do dia 07/02/1890 onde o governador Adolfo Afonso da Silva Gordo assinou decreto autorizando a comarca de Ceará-Mirim “a designar pessoas idôneas e de confiança para se encarregar da direção das obras de construção do açude no lugar Baixa Verde dessa freguesia [...]” (A REPÚBLICA, 26/03/1890, p.3).

A criação e existência do distrito de Baixa Verde
         Desmembrado de Ceará-Mirim o distrito de Taipu e elevado a categoria de município em 10/03/1891 a região de Baixa Verde passa ao território deste novo município. Em 22/12/1892 por meio da lei municipal nº 2 foi criado o distrito com a denominação de Baixa Verde subordinado ao município de Taipu. 
          Outros atos administrativos asseguram a existência do distrito de Baixa Verde ainda no final do século XIX, como os que se seguem.
       Em 04/01/1892 foram demitidos Avelino Antônio dos Santos e Manoel Avelino dos Santos, 2º e 3º suplentes do subdelegado, do subdistrito policial de Baixa Verde e nomeados para substituí-los Norberto Nunes Ferreira e Luís Inácio de Melo (in: A REPÚBLICA, 06/02/1892, p.1).
         Em 11/09/1892 seria realizada a primeira eleição municipal para a Intendência de Taipu [1]. A lei eleitoral vigente para essas eleições estabeleceu duas seções eleitorais no município. Uma instalada na casa da Intendência de Taipu e a outra no Distrito de Baixa Verde que foi instalada na casa do cidadão Afonso Teixeira de Oliveira onde votariam os eleitores inscritos no 5º quarteirão compreendidos entre os números 1322 e 1348 (A REPÚBLICA, 27/08/1892, p.4).
         Outro mapa do estado do Rio de Grande do Norte elaborado pela Comissão de Estudos e Construções de Obras no Rio Grande do Norte datado de 1900 também cita os mesmo locais anteriormente citados, ou seja, Baixa Verde e Pororoca.

Mapa organizado pela Comissão de Estudos e Construções de Obras no Rio Grande do Norte de 1900
Mapa organizado pela Comissão de Estudos e Construções de Obras no Rio Grande do Norte de 1900.Fonte: Arquivo Nacional.

Ampliação do mapa a cima com destaque para a região de Baixa Verde

Mapa organizado pela Comissão de Estudos e Construções de Obras no Rio Grande do Norte de 1900.Fonte: Arquivo Nacional.

       Conforme a legenda do mapa vê-se o traçado da ferrovia que seria inaugurada uma década depois em Baixa Verde.
O relatório de 1900 cita Ernesto Otoni Nunes como professor em Baixa Verde na escola mista daquela localidade do município de Taipu, tendo sido ele nomeado a 01/02/1900 (MENSAGEM DO GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PARA O ANO DE 1900, p.65)[2]. Naquele ano haviam 26 alunos matriculados em Baixa Verde.
Esta é a última menção a cerca de Baixa Verde no século XIX. Já no século XX seguem-se referências ao distrito de Baixa Verde.
Na divisão policial do Estado do Rio Grande do Norte Baixa Verde aparece como subdistrito policial do município de Taipu em 1893 (MENSAGEM...,1893, p.20). Tendo naquela subdelegacia um destacamento de policia.
         Em 1896 o relatório do governo apontava Luís Inácio de Melo como subdelegado no distrito de Baixa Verde, sendo seus suplentes José Ferreira da Câmara, Norberto Nunes Ferreira e Cirilo José Tavares (MENSAGEM..., 1896, p.199).
No jornal O Estado de 02/12/1894 se dizia sobre a seção eleitoral de Baixa Verde na eleição estadual: “A seção da Baixa Verde, porém, ficou envolvida em grande mistério, e por maiores que fossem os esforços, não houve quem soubesse o resultado” (O ESTADO, 02/12/1894, p.2).Não se sabe exato o que ocorreu nessas eleições em Baixa Verde visto que o referido jornal não fornece maiores informações sobre o ocorrido naquela seção.
No tocante ao município de Taipu no relatório do governador se dizia entre outras coisas que tinha por serras a Serra Pelada, Serra da Cruz e a Serra do Torreão, este por vezes também chamado de serrote.
 As povoações existentes além da Vila eram Baixa Verde, Contador, Poço Branco e Gameleira. Haviam dois açudes públicos, um na vila de Taipu e  outro na povoação de Baixa Verde, este em bom estado, aquele bastante estragado devido as consequências das inundações ocorridas em 1895.
 No tocante  a escola o relatório de 1905 diz que a de Baixa Verde era apenas para o sexo masculino com frequência de 18 alunos (MENSAGEM.., 1905, p.76).
O relatório de 1905 dizia ainda que o Estado possuía terras de excelente salubridade que eram apropriadas a fundação de núcleos de trabalhadores, na qual o Governo teria vantajosos resultados. Entre estas terras estava a Baixa Verde: “planalto extensíssimo e de reconhecida fertilidade, com proporções para vir a constituir um grande centro agrícola, desde que sejam ali perfurados poço tubulares” (MENSAGEM..., 1905, p.20).O relatório assegurava que na região viviam considerável número de pessoas que viviam da agricultura e que tinham que viver 6 meses do ano transportando a água necessária ao consumo de distâncias superiores a 4 léguas [3], por isso solicitava o governo a construção de poço tubulares na região.
Pela menção a construção de poços tubulares e a luta pela aquisição de água potável para consumo humano e agricultura, não há dúvidas que o relatório se refira a Baixa Verde que é a atual João Câmara, cuja história comprova sua épica busca pelo liquido precioso ao longo de sua existência.
Por ato de 01/09/1906 foram nomeados Alfredo Edeltrudes de Souza, João Batista Furtado e Ismael Mauricio da Silveira, respectivamente subdelegado e suplentes do distrito policial de Baixa Verde (MENSAGEM..., 1906, p.194).
         Tanto Alfredo Edeltrudes como João Batista Furtado são citados nas crônicas sociais dos jornais no inicio do século XX como comerciantes em Baixa Verde conforme registrado no jornal A República em 10/01/1907: “os nossos dedicados amigos cap. Joaquim da Luz e Alfredo Edeltrudes, honrados comerciantes de Vila Nova e Baixa Verde” (A REPÚBLICA, 10/01/1907, p.02) [4] e na edição de 26/09/1907 o mesmo jornal também registrou a visita de Alfredo Edeltrudes e João Batista Furtado “honrados negociantes na povoação de Baixa Verde” ( A REPÚBLICA, 26/09/1907, p.1).
Alfredo Edeltrudes e João Batista Furtado são figuras lembradas pelos mais antigos da cidade de João Câmara.

Crescimento urbano e econômico
       Foi a chegada da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte em 1910 que proporcionou o crescimento urbano e econômico do então distrito de Baixa Verde. Sobre a ferrovia trataremos em capitulo a parte dada sua magna importância para a história do município de João Câmara.
        Por hora basta dizer que a ferrovia fez permanecer no local uma grande massa de trabalhadores que encontraram ali um bom lugar para fixar residência, assim como houve o deslocamento da população para a crescente Baixa Verde, notadamente o distrito de Assunção, localizado cerca de 3 km de Baixa Verde, cujos trilhos por ali não foram atingidos, cabendo a Baixa Verde suplantar aquela localidade mais antiga da região.
        Das primeiras casas surgiram os arruamentos, alinhadas ordenadamente graças aos engenheiros da EFCRGN, que também construíram a capela em 1915 dedicada a Nossa Senhora Mãe dos Homens, devoção da esposa do funcionário da EFCRGN Antônio Proença e cuja invocação é desde aquela data a padroeira da cidade da cidade e paróquia de João Câmara [5].
No mesmo ano de 1915 foi criado o campo de demonstração em Baixa Verde apresentando dois ou mais tipos de solos apropriados ao cultivo de algodão de fibra longa (JORNAL DO COMÉRCIO, 27/09/1915, p.3). Vê-se que por esse período o distrito já se destacava pelo plantio do algodão que seria para Baixa Verde o elemento essencial para seu desenvolvimento econômico.
         Ainda em 1915 aparecia como subdelegado João Batista Furtado, o suplente Ismael Mauricio da Silveira e Pedro Gonçalves de Oliveira como inspetor no distrito policial de Baixa Verde (ALMANAQUE ADMINSITRATIVO, COMERCIAL E INDUSTRIAL DO RIO DE JANEIRO, 1915, p.1368).
Em 1921 a União comprou a fazenda Torreão em Baixa Verde da Companhia de Viação e Construções. A parte confinante com a estrada de ferro era a mais útil, pois tinha um açude e uma pedreira, já o restante da propriedade que tinha algumas benfeitorias seria destinado ao plantio de eucalipto para a produção de dormentes da EFCRGN (RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DE VIAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS, 1921, p.258).

Teria sido o inicio dos abalos?
         A região do Mato Grande onde se situa atualmente o município de João Câmara é uma região propensa a atividade sísmicas cuja origem é atribuída ao movimento das placas tectônicas no interior da terra. Os mais antigos habitantes de João Câmara afirmam ser de longínquas datas o fenômeno dos abalos, como dizem ali sobre os sismos, sem, contudo precisar uma data certa.
Em 1923 o Dr. Pacheco Dantas, potiguar que se achava no Rio de Janeiro, a capital federal, naquele ano concedeu entrevista ao Jornal do Brasil, tradicional e respeitado jornal de circulação nacional. Dentre as perguntas que lhe foram dirigidas estava esta:
 - Constou aqui que a terra tremeu no seu Estado, é verdade?
 Eis a resposta do referido entrevistado:
-Ouvi dizer que no povoado de Baixa Verde foram ouvidos vários estrondos seguidos de abalos da terra, causando isto grande impressão nos habitantes e que no lugar Boa Cica a terra fendeu-se, fazendo um grande sulco de onde saiu uma fumaça constante. Nada, entretanto, posso afirmar sobre a veracidade do fato, porque não me foi possível visitar o local (JORNAL DO BRASIL, 05/12/1923, p.7)[6].
Até o presente momento este é o relato mais antigo sobre os abalos em Baixa Verde.

Sobre a safra de 1925
         Eis como um correspondente escreveu no periódico O Jornal sobre safra em Baixa Verde no ano de 1925.
         Como era esperado, a safra passada foi aqui, a melhor possível. As grandes plantações de algodão, milho e feijão provaram [ser] excelentes.
         Os resultados compensaram sobejamente o capital e o trabalho empregados. Basta notar que a nossa produção atingiu a 8.000 fardos de lã o que vem dar a Baixa Verde a primazia da cultura algodoeira do nordeste.
         Além disso a extensão da terra cultivada, é, em conjunto, a maior do Estado. A produção deste ano, segundo está calculada aumentará de um terço, crescendo 12.000 fardos. E assim, num crescendo animador e progressista, os modestos habitantes deste longínquo e quase desconhecido pedaço do Brasil, vão por seu esforço próprio, sem outro auxilio que a sua própria atividade, desenvolvendo, criando e impelido para adiante a cultura do algodão, uma das bases do esteio da nossa economia.
         Deve se notar que não temos o capital necessário ou conseguimos muito dificilmente para mover essa engrenagem complicada que é a agricultura em nosso país. Não temos Banco Agrícola, não temos estimulo do governo. Tudo que fazemos é por nossa deliberação e responsabilidade (O JORNAL, 23/05/1925, p.12).
         Mesmo com uma prospera colheita, o correspondente se ressente da falta de incentivos para o desenvolvimento da atividade agrícola, sobretudo a algodoeira na região de Baixa Verde. No entanto, o mesmo correspondente apresentava algumas soluções tecnológicas para o beneficiamento do algodão.
Nas palavras do referido jornal: “Para o beneficiamento do ouro branco uma firma desta localidade, João Câmara & Irmãos, pôs em funcionamento um motor com a força de cavalos-vapor o que nos traz a esperança de em breve, termos luz elétrica para o melhoramento nosso” (O JORNAL, 23/05/1925, p.12).
         Parece ser incontestável que o gênio empreendedor de João Câmara que junto com seus irmãos impulsionaram a atividade algodoeira de Baixa Verde contribuindo deveras para seu crescimento econômico e social.
         O citado correspondente continuava dizendo que o inverno daquele ano de 1925 “como se está desenvolvendo é o mais propicio a lavoura e a criação” (O JORNAL, 23/05/1925, p.12) e finalizava registrando que há poucos dias estivera em visita aos campos de agricultura de Baixa Verde, o governador do Estado José Augusto, “que ficou encantado com o lindo panorama das extensas planícies cobertas, a perder de vista, de algodoeiros floridos e verdejantes como uma promessa risonha de prosperidade e grandeza” (O JORNAL, 23/05/1925, p.12). Tal era a repercussão que vinha tendo em todo Estado, as grandes plantações de algodão na região de Baixa Verde.

A  Caixa Rural de Baixa Verde
         Seguindo o impulso criado pela cultura do algodão em 15/06/1926 foi instalada a Caixa Rural de Baixa Verde (MENSAGEM..., 1926, p.51). Sobre a inauguração da Caixa Rural de Baixa Verde assim escreveu Heráclito Vilar, responsável por estas instituições no Rio Grande do Norte a Plácido de Melo: “Baixa Verde, 17 de maio de 1926. Caro Dr. Plácido de Melo, há dias escrevi sobre as Caixas Rurais de Baixa Verde e de Ceará-Mirim [...] Baixa Verde pertence ao município do Taipu, do qual abrange a faixa mais importante, a maior parte da zona agrícola” (A UNIÃO, 10/06/1926, p.4).

Escolas
         Em 1926 havia uma escola as expensas do município de Taipu em Assunção e outra em Baixa Verde. O decreto 350 de 15 de outubro de 1927 criou o grupo escolar capitão José da Penha na povoação de Baixa Verde (MENSAGEM, 1928, p.560), fixando em 3 as cadeiras a serem agrupadas no referido grupo escolar[7], tendo sido inaugurado pelo governador José Augusto em 26/12/1927.

O mercado
      Em 15/09/1927 foi inaugurado novo mercado de Baixa Verde, obra do governo do estado.
O Grupo Escolar
      Em 1927 foi criado  O Grupo Escolar Capitão José da Penha em Baixa Verde. Os grupos escolares eram prédios construídos para abrigar duas ou mais escolas primárias existentes, geralmente a masculina e a feminina, que funcionavam em lugares distintos.
     Com a inauguração do Grupo Escolar Capitão José da Penha o município de Taipu era um dos municípios que possuíam dois grupos escolares, sendo o outro o Grupo Escolar Joaquim Nabuco, inaugurado em 19/02/1919, sendo este uma dos mais antigos da região do Mato Grande, cujo prédio fora inaugurado antes mesmo dos de Touros e Macau, cidades mais importantes e maiores que Taipu.
   Um dos últimos atos ocorrido em Baixa Verde antes de sua emancipação política foi a inauguração do serviço de transporte rodoviário por ônibus na qual se lia no jornal O Paiz que em 22/06/1928 “foi inaugurado o serviço de auto-onmnibus para passageiros entre esta capital, Macaíba, Baixa Verde e Ceará-Mirim (O PAIZ, 22/06/1928, p.8) [8].

A emancipação seria inevitável
Em 07/01/10/1928 se lia no jornal O imparcial que “o presidente Lamartine visitou a região de Baixa Verde, de onde trouxe ótima impressão do progresso agrícola que ali verificou” (O IMPARCIAL, 07/10/1928, p.5), que depois seria criado por ele o município de Baixa Verde em 29/10/1928. No dia 07/10/1928 o periódico O Jornal escrevera que havia partido no dia anterior para Baixa Verde o presidente do Estado, Juvenal Lamartine, onde ali seria criado um novo município (O JORNAL, 07/10/1928, p.8).
A emancipação do distrito de Baixa Verde ocorreu pela lei estadual nº 697, de 29/10/1928. Seu território foi estabelecido pelo  desmembramento de parte dos territórios dos municípios de Taipu, Touros e Lages.
A Sede no antigo distrito de Baixa Verde foi elevada a categoria de vila. O novo município foi instalado em 01/01/1929 com a posse do primeiro prefeito que foi o industrial e agropecuarista João Câmara, que fora igualmente 3 anos antes prefeito em Taipu.
         O território do novo município de Baixa Verde teria cerca de 700 km², indo do agreste ao litoral (São Bento do Norte). A demografia inicial de Baixa Verde é difícil precisar.
No Recenseamento de 1920 o município de Taipu apresentou-se com 12.651 habitantes.
Anfilóquio Câmara afirma que Taipu perdeu em 1928 uma boa porção do seu território, inclusive, o povoado que hoje é a cidade sede daquele município (CÂMARA, 1943, p.391), porém, não disse a quantidade habitantes que foi perdida com a criação de Baixa Verde.
         Em 1930 não foi realizado o Censo Demográfico do Brasil, que seria este o primeiro a registrar a população de Baixa Verde após sua emancipação. A sinopse estática do Rio Grande do Norte relativa ao ano de 1937 acusou uma estimativa de 25.200 habitantes no município de Baixa Verde (SINOPSE, 1938, p.30).Só no Censo de 1940 é que temos uma noção exata e oficial da demografia de Baixa Verde cujo Censo registrou uma população de 20.375 habitantes (IBGE, 1940, p.51).

A localidade de Matas realmente existiu?
       Um enigma geográfico ronda a história de Baixa Verde, pois se diz que o lugar onde hoje está a cidade de João Câmara (ex Baixa Verde), se chamava Matas. Ocorre que mesmo aparecendo na oralidade e em alguns documentos, como diários de pessoas antigas de João Câmara, o topônimo não aparece em documentos oficiais e muito menos em jornais por nós consultado. Qual o motivo?
         Vejamos a origem dessa controvérsia.
        Câmara Cascudo diz em Nomes da Terra que o território do município de João Câmara foi desmembrado de Touros, Taipu e Lajes, principalmente do primeiro. Prossegue Câmara Cascudo que “o local da cidade pertencia ao Taipu e era deserto nos primeiros anos antes de 1900.Denominava-se MATAS” (CASCUDO, 2002, p.196, destaque do original).
Qual a razão para Câmara Cascudo destacar o topônimo Matas em letras maiúsculas? Queria ele ressaltar a existência do lugar?
Mais estranho ainda é Câmara Cascudo dizer que o lugar era deserto antes de 1900. Ora, como visto anteriormente Baixa Verde era distrito desde 1892, com escola, distrito policial e uma pequena feira. Não se justifica construir uma escola onde não haja ninguém habitando tal lugar, tão pouco se concebe um distrito policial para policiar e por ordem em ninguém. Se tais equipamentos existiam em Baixa Verde já em 1892 como poderia o distrito ser deserto em 1900?
Para Cascudo foi o trabalho de construção da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte “que fez permanecer em “Matas” uma turma de ‘cassacos’ e a ‘parada’, inaugurada em 1910, dentro de um simples vagão, consagrou a estabilidade da povoação iniciada” CASCUDO, 2002, p.196, aspas internas do original).
É inegável que a inauguração da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte no território de Baixa Verde trouxe impulso econômico e social para o lugar, contribuindo para seu crescimento urbano, como ocorreu nas demais cidades e lugares por onde os trilhos da mesma ferrovia atingiram. Porém, não consigo crer que não havia nada em Baixa Verde quando da chegada dos trilhos.
É praticamente impossível pensar que uma empresa privada despenderia capitais e empregados para construir uma estação ferroviária num lugar onde não teria pessoas e produtos para o trem transportar apenas com a firme esperança de que em breve o local estaria densamente povoado.
Outro detalhe é o nome da estação. A estação foi inaugurada com o nome de Baixa Verde, ora se o local chamava-se Matas por qual razão a estação foi inaugurada como Baixa Verde? Não há razão para crer numa mudança toponímica em tão breve tempo, sendo que para mudança oficial de nome teria que ser feito por lei municipal, coisa que nunca se verificou.
O fato de não haver casas próximo a estação ou a linha não indica a ausência de habitantes do lugar. Por questão de segurança o traçado da linha sempre procurava passar por fora da zona urbana, quando isso era possível. Veja a estação precedente a Baixa Verde que foi Taipu em 1907, construída fora da zona urbana, cerca de 1 km da Vila, a estação foi aos poucos sendo ‘absorvida’ pelas construções no seu entorno.
Era assim em todos os outros lugares por onde passaram ferrovias. Naturalmente as construções iriam sendo erguidas mais próximas da estação e as margens da linha até se tornar zona urbana onde antes não era.
       Ainda para Câmara Cascudo foi o delegado da empresa construtora da EFCRGN que fixando residência ali lançou os fundamentos da futura vila, dando-lhe alinhamento residencial [ordem no traçado urbano], “construindo a capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens em 1915, policiamento, transformando o tumultuoso acampamento de trabalhadores ferroviários num esboço de povoação clara, limpa, relativamente confortável” (CASCUDO, 2002, p.197, grifo nosso). Tal delegado da empresa era segundo Câmara Cascudo o engenheiro Antônio Proença. Entretanto não há registros de que Antônio Proença era de fato engenheiro, já seu irmão João Proença, um dos diretores da empresa encarregada da construção do trecho Taipu-Caicó da EFCRGN, sim era engenheiro.
Sabe-se que foi Antônio Proença que permaneceu em Baixa Verde coordenando os trabalho de construção e não João Proença. Teria Cascudo se confundido com os nomes e profissões dos referidos irmãos Proença?
         Outro possível equivoco de Cascudo é dizer que o policiamento teria chegado a Baixa Verde após a inauguração da ferrovia ali, ora como visto anteriormente o subdistrito policial de Baixa Verde já era citado desde 1893 na divisão policial do Rio Grande do Norte, sendo nomeados para tal subdistrito um subdelegado e dois suplentes.
         Segue Câmara Cascudo dizendo a respeito de gênese do município de João Câmara que “havia em Taipu uma BAIXA VERDE cujo nome foi transportado para Matas, substituindo-o. ‘Baixa Verde’ de Taipu praticamente desapareceu pela mudança de seus moradores para a outra que estava nascendo” (CASCUDO, 2002, p.197, aspas internas do original).
         Outra confusão geográfica. Consultando moradores antigos  de Taipu (alguns com mais de 80 anos) estes nunca conseguiram mencionar uma Baixa Verde em Taipu que não fosse onde hoje é a cidade de João Câmara. Não há nenhum indicio de tal localidade em território de Taipu ou Poço Branco.
O distrito de Baixa Verde fora criado em 1892 e era o mais distante do município junto com o de Barreto (atualmente município de Bento Fernandes), estes dois distritos eram a parte do território de Taipu que mais sofriam pelas consequências das secas periódicas, posto estarem já em região semiárida a oeste da sede municipal, ou seja, da Vila de Taipu.
A região de Baixa Verde e Barreto sempre lutou pelo acesso a água potável para sua subsistência que como visto anteriormente em 1889 fora construído um açude em Baixa Verde por uma comissão formada no município de Ceará-Mirim, que este açude era um dos dois açudes existentes no município de Taipu em 1895 sendo o de Baixa Verde o que em bom estado se apresentava visto que o da Vila de Taipu havia sido parcialmente destruído pela enchente daquele ano. Não há razões para crer que houvesse uma Baixa Verde em Taipu que fora transportada pelo êxodo de seus habitantes para “Matas” cuja localização nunca se teve noticia ou registro em documento oficial.
Vê-se que houve uma confusão geográfica. Se o distrito de Baixa Verde foi criado em 1892 por lei municipal da Intendência de Taipu, sendo a este município integrado, por qual motivo teria a mesma Intendência criado outro distrito como nome idêntico? Ficando assim dois distritos homônimos e surgindo um terceiro pela transmigração de uma Baixa Verde para Matas.
Há no município de Taipu vários distritos com o topônimo Arisco, o qual para distinguir uns dos outros foram colocados acréscimos, assim tem-se Arisco dos Barbosas, Arisco dos Cassianos e Arisco da Gameleira. Outrora no próprio no nome do município foram feitos acréscimos para facilitar a distinção. Taipu Grande, Taipu do Meio, Taipu de Fora, todas três localidades distintas.
Se houvesse dois distritos com o nome de Baixa Verde, a razão lógica pediria para se distinguir uma da outra (Baixa Verde Grande, Baixa Pequena, Baixa Verde de Dentro, Baixa Verde de Fora, etc), no entanto isso nunca ocorreu.
A Enciclopédia dos Municípios, publicada pelo IBGE em 1958 assim define a origem do município de João Câmara (ex Baixa Verde):
         Com o prolongamento dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, que atingiu o território do município em 1910, começaram a surgir as primeiras casas no local onde hoje está situada a cidade de João Câmara (ENCICLOPÉDIA..., 1958, p.79).Sem menção a Matas.
Entre 1920 e 1925 diz Câmara Cascudo que Baixa Verde “ ficara uma Vila moderna,citada com orgulho pela população que se adensava ao derredor” (CASCUDO, 2002, p.197). A “César o que é de Cesar”, diz o adágio bíblico, denotando justiça.Sobre essa afirmação de Cascudo citada a cima, não há o que contestar, somente admitir a verdade do dito.
Adiante trataremos especificamente da estrada de ferro em Baixa Verde.
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Referências

A REPÚBLICA, Natal, 1890, 1892.
A UNIÃO, Rio de Janeiro, 1926.
ALMANAQUE ADMINISTRATIVO, COMERCIAL E INDUSTRIAL DO RIO DE JANEIRO, 1915.
Arquivo Nacional.
BRASIL. RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DE VIAÇÃO E OBRAS PÚBLICAS, 1921.
CÂMARA, Anfilóquio. Cenários municipais, Natal, 1943.
CASCUDO, Luis da Câmara. Nomes da Terra, Sebo Vermelho, Natal: 2002.
GAZETA DO NATAL, Natal, 1889
IBGE, Censo Demográfico, Rio de Janeiro, 1940. Disponível em PDF.
______, Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, vol. 17 municípios do Rio Grande Norte e Paraíba. Verbete João Câmara. Rio de Janeiro: 1958
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 1923.
JORNAL DO COMÉRCIO, Rio de Janeiro, 1915.
MENSAGEM DO GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PARA O ANO DE, 1893, 1896, 1900,1905, 1906, 1907, 1926, 1928,
O ESTADO, Natal, 1894.
O IMPARCIAL, Rio de Janeiro, 1928.
O JORNAL, Rio de Janeiro, 1925, 1928.
O PAIZ, Rio de Janeiro, 1928.
Sinopse Estatística do Estado do Rio Grande do Norte. Departamento Estadual de Estatística do Rio Grande do Norte. Volume 1937. Recife: Oficinas Gráficas da Empresa Jornal do Comércio, 1938.


[1] A época a Intendência municipal correspondia a uma única instituição administrativa, assim, não havia distinção entre Prefeitura e Câmara de vereadores como o é atualmente. Nas eleições o mais votado geralmente assumia o cargo de Intendente, com função administrativa, os demais eram igualmente intendentes, só que com função legislativa. A intendência funcionava num mesmo prédio, o cargo era de 2 anos para todos, sem remuneração. Em 1892 o município de Taipu tinha 325 eleitores dos quais elegiam 7 membros para a Intendência.

[2] Doravante sempre que nos referir a estes documentos o faremos com a abreviação MENSAGEM... seguida do ano corresponde ao referido documento.

[3] Cada légua corresponde a 6 km, assim, eram percorridos cerca de 16,8 km por essas pessoas citadas no relatório em busca de água para o consumo.

[4] Vila Nova é atualmente a cidade e município de Pedro Velho.

[5] Ao ser construída a capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens pertencia ao território da paróquia de Nossa Senhora do Livramento de Taipu criada pelo decreto diocesano de 18/04/1913 de Dom Antônio Joaquim de Almeida, permanecido nessa condição até 13/11/1929 quando foi criada a paróquia de Nossa Senhora Mãe dos Homens com território desmembrado da paróquia de Taipu por meio de decreto diocesano de dom Marcolino Esmeraldo de Souza Dantas. As proporções da primeira capela de Baixa Verde era de 11 metros de comprimento, 3 metros a menos que a matriz de Taipu a época. Na década de 1930 começa a construção da nova igreja matriz de Baixa Verde, a capela que fora elevada a condição de matriz é novamente revertida em capela, sendo atualmente a capela de Nossa Senhora de Fátima, preservando sua configuração arquitetônica original, sendo inclusive, um dos monumentos históricos da cidade de João Câmara.

[6] Boa Cica é atualmente distrito de Touros.

[7] Cada cadeira equivalia a um ano letivo escolar como atualmente.

[8] Derivada do latim a palavra ônibus (onminibus = para todos) ainda não havia sido aportuguesada em 1928 como se viu na grafia do referido jornal da qual deixamos como tal a vimos por mera curiosidade linguística.