domingo, 26 de outubro de 2025

SOBRE A ESCOLA PRIMÁRIA DA POVOAÇÃO DE TAIPU

 


  A escola primária de Taipu foi criada por meio de lei provincial nº 566, de 21 de dezembro de 1864.

No ano de 1864, quando o Rio Grande do Norte ainda era um território rural marcado por engenhos, pequenas vilas e longos caminhos de terra, o povoado de Taipu dava seus primeiros passos como comunidade organizada.

A província era jovem e rareavam os espaços de instrução. Nesse cenário, a criação da escola primária de Taipu tornou-se um marco civilizatório. Não era apenas um prédio simples de paredes caiadas à beira da estrada. Era o símbolo de uma nova promessa: a da alfabetização, da cidadania e da esperança.

A iniciativa de fundar a escola surgiu do esforço combinado entre lideranças locais, proprietários rurais e representantes da Província.

A instrução pública, naquele período, ganhava força após leis educacionais do Império que buscavam ampliar a rede de escolas de primeiras letras.

Em Taipu, considerada um ponto estratégico de passagem entre povoados do agreste e do litoral, o projeto ganhou apoio imediato dos moradores, que enxergaram na sala de aula um meio de tirar seus filhos do destino repetido das lavouras e do analfabetismo.

O primeiro professor nomeado assumiu a missão de ensinar leitura, escrita, cálculo e princípios morais. A classe era modesta: carteiras rústicas feitas por carpinteiros da região, uma lousa escurecida com tinta de carvão e janelas largas para entrada de luz, pois não havia lampiões suficientes para iluminar o ambiente.

Mesmo assim, todos os dias as crianças chegavam cedo, muitas caminhando léguas com o caderno de papel grosso debaixo do braço, ansiosas pelo universo desconhecido das letras.

Os métodos de ensino seguiam o padrão do Império: silabação, cópias e leitura em voz alta. A disciplina era rígida, e o respeito à figura do professor era inquestionável. Contudo, entre regras e silêncios, nascia ali o pensamento crítico, ainda que em forma de semente.

Assim nasceu a escola primária de Taipu: simples, mas grandiosa em propósito. Foi o início de uma nova era, em que o conhecimento se tornou ferramenta de liberdade.

 E embora o mundo tenha mudado desde então, a memória daquela sala inaugural permanece como o primeiro farol de letras a iluminar o caminho educacional do município.


Imagem meramente ilustrativa gerada por IA.

A Escola de Primeiras Letras de Taipu no contexto das políticas educacionais do Império

A criação da escola de primeiras letras no povoado de Taipu insere-se no processo mais amplo de institucionalização do ensino público no Brasil Imperial.

Durante o século XIX, a educação passou por um lento e desigual processo de estruturação, condicionado por interesses políticos, limitações econômicas e pela realidade social de um país majoritariamente rural e marcado pelo analfabetismo. A iniciativa de fundar uma escola em Taipu evidencia tanto o alcance das políticas legislativas do período quanto a agência das comunidades locais, que frequentemente dependiam de esforços próprios para viabilizar a instrução básica.

O marco legal mais importante da instrução primária no Império foi a Lei de 15 de outubro de 1827, que determinou a criação de escolas de primeiras letras nas cidades, vilas e lugares mais populosos.

Embora pioneira, a lei apresentava lacunas, e sua execução ficou a cargo das províncias a partir do Ato Adicional de 1834, que descentralizou a administração da instrução pública. A consequência foi uma grande variação regional na oferta educacional.

 No Rio Grande do Norte, as primeiras décadas do período provincial registraram esforços intermitentes para ampliar o número de escolas, com forte dependência de recursos locais e da iniciativa das câmaras e lideranças paroquiais.

Em meados do século, a reorganização da instrução pública recebeu novo impulso com a Reforma Couto Ferraz (1854), aplicada inicialmente ao Município da Corte, mas influente para o restante do Império.

Entre os pontos centrais da reforma estavam o reforço na fiscalização do trabalho docente, a padronização de métodos e a valorização da instrução primária como política civilizadora.

No Rio Grande do Norte, diversas regulamentações provinciais inspiraram-se no discurso pedagógico do período, que associava educação à ordem social, ao progresso econômico e à formação de cidadãos moralmente disciplinados.

É neste contexto que Taipu recebe sua escola. Apesar das limitações orçamentárias e da carência material, o estabelecimento de uma aula pública no povoado representava simbolicamente a chegada do Estado Imperial ao cotidiano local. A instrução primária destinava-se a ensinar leitura, escrita, aritmética e princípios religiosos e morais, conforme era exigido em todo o país. O professor era figura central e submetido à vigilância do inspetor paroquial, responsável por visitar as aulas, inspecionar a frequência, avaliar o rendimento e zelar pela conduta moral dos alunos e do mestre.

Fontes da segunda metade do século XIX apontam que a província potiguar convivia com problemas comuns a outras regiões: escassez de professores qualificados, longas distâncias entre escolas e moradias, ausência de prédios apropriados e baixa frequência escolar.

Não obstante, a instalação da aula de Taipu se articulava com outras experiências de municípios próximos, como Ceará-Mirim, São José de Mipibu e Macau, formando uma rede incipiente de instrução que buscava alcançar áreas rurais, ainda que de maneira irregular.

Assim, a fundação da escola de primeiras letras de Taipu, em 1861, deve ser compreendida como parte de um projeto maior, mas também como iniciativa de forte caráter local.

Ela representou, ao mesmo tempo, o avanço das políticas do Império, o desejo das elites provinciais de modernização e o anseio da população por instrumentos de mobilidade social.

Mesmo modesta, a escola inaugurou novas possibilidades de leitura do mundo e contribuiu para inserir Taipu no mapa da cultura letrada do Rio Grande do Norte.

        Em 1866 a cadeira de ensino primário de Taipu foi posta em concurso.[1]

        Por carta do governo provincial de 18 de junho de 1866 foi nomeado o professor Juvencio Tassino Xavier de Menezes para a cadeira de ensino primário de Taipu.[2]

Constava naquele ano 21 alunos matriculados.[3]

Em 1872 havia se elevado a 47 o número de alunos matriculados na escola primária de Taipu.[4]



[1] Rio Grande do Norte (Provincia). Presidente José Meira.Exposição 21 de ago 1866. Natal, 1866,p.9

[2] Rio Grande do Norte. Relatório em que o Exm.Sr. Dr. Luiz Barbosa da Silva entregou a administração da Provincia do Rio Grande do Norte ao Exm. Sr. Coronel Antonio Basilio Ribeiro Dantas 2º Vice-Presidente da mesma.Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1867,p.31.

[3] Op. Cit, p.30.

[4] Rio Grande do Norte. Relatório com que instalou a Assembleia Legislativa Provincial do Rio Grande do Norte no dia 11 de junho de 1873 o 2º Vice-Presidente Exm. Sr. Dr. Coronel Bonifácio Francisco Pixueiro da Câmara e passou a administração da mesma província ao Exm. Sr. Dr. João Capistrano Bandeira de Melo Filho no dia 17 do mesmo mês.Rio de Janeiro: Tipografia Americana dos Ourives, 1873,p.57.

domingo, 21 de setembro de 2025

OS POÇOS DA IFOCS EM JANDAIRA

 

         Jandaira também foi uma das localidades situadas na chapada da Serra Verde beneficiadas pela perfuração e instalação de poço tubulares na década de 1930, tanto no núcleo urbano que deu origem a atual cidade como nas localidades rurais que integram o atual municipio.

O povoado de Jandaíra teria nascido como fazenda de criação e posteriormente se transformado em área de produção algodoeira, ao redor da serra  do Lombo ou serra Verde, à margem esquerda do rio Ceará Mirim. O poço do local, com o nome de Jandaíra, evidencia a influência das chamadas aguadas permanentes na formação de núcleos comunitários.

         O Campo de Sementes de Serra Verde foi criado em 1935 pelo governo federal por meio da transferência legal de terras do governo do estado situadas na chapada da Serra Verde entre os municípios de Baixa Verde e Angicos, cujo governo da União construiu ali um estabelecimento de sementes de plantas têxteis, posteriormente, em 1938 esse campo de sementes foi transformado na Estação Experimental Valbert Pereira.

         Tanto o Campo de Sementes como a Estação Experimental foram essenciais para o surgimento urbano e demográfico do que viria a ser mais tarde o distrito de Jandaíra.

         Anfilóquio Câmara foi o diretor do IBGE no Rio Grande do Norte estando ativamente empenhado na elaboração do Censo de 1940 donde das informações recolhidas nos municípios resultou em sua obra Aspectos Norteriograndense publicado em 1943.

         É dele que vem o primeiro (ou o mais antigo) registro oficial a respeito de Jandaíra, que em 1941, já dava por certo a existência de um lugar com um distrito policial e um certo nível econômico conhecido por Poço Jandaíra.

Antes disso, Nestor Lima teria feito um balanço da região, pelo qual foram encontrados 103 pontos de concentração populacional: povoados, arruados, fazendas e vilas, sem, contudo citar Jandaíra.

A perfuração de poços tubulares tornou-se uma das principais estratégias de sobrevivência, especialmente a partir da atuação da IFOCS.

Os primeiros poços tubulares em Jandaíra surgiram como parte das ações federais contra a seca, em um período em que o governo buscava fixar as populações rurais em suas terras, evitando deslocamentos em massa em busca de água. Essas obras chegaram a comunidades rurais estratégicas, próximas a vilarejos, fazendas e áreas de criação de gado, funcionando como pontos de abastecimento coletivo.

A técnica utilizada na perfuração permitia alcançar lençóis freáticos mais profundos, onde a água apresentava maior volume e qualidade. Em muitos casos, a água subterrânea revelava-se menos vulnerável à contaminação e à evaporação, em comparação com os barreiros e cacimbas tradicionais.

Assim como em outros municípios do Mato Grande, em Jandaíra os poços tubulares foram frequentemente equipados com cataventos metálicos, que utilizavam a força dos ventos — abundantes na região — para bombear água até chafarizes ou pequenos reservatórios.

Esses cataventos se tornaram marcos visuais na paisagem jandairense, pontos de referência para viajantes e locais de sociabilidade para a população. Ao redor deles, formavam-se filas diárias de famílias carregando potes, barris e carroças para garantir o abastecimento.

Os poços tubulares perfurados em Jandaíra ao longo do século XX permaneceram em funcionamento por décadas, alguns ainda hoje servindo a populações rurais. Representam não apenas um marco de modernização hídrica, mas também um testemunho das estratégias de convivência com o semiárido.

Assim, a história dos poços tubulares em Jandaíra não pode ser dissociada da luta cotidiana da população pela água, nem da presença marcante do Estado, através da IFOCS e depois do DNOCS, no processo de construção de uma infraestrutura mínima de sobrevivência no sertão potiguar.

Em 11/10/1961 o governador do Estado em aviso dirigido ao Secretário das Finanças determinou a entrega de um milhão e duzentos mil cruzeiros à disposição da Secrertaria de Agricultura para o serviço dos poços tubulares de Jandaira, Tibau, Trincheiras e Olho d’Água do Capim.

As localidades faziam parte a época do municipio de Lajes, atualmente do municipio de Jandaíra.

Em 1974 Havia em funcionamento dois poços tubulares que mantinham abastecida a população da cidade.

Os poços construídos pela IFOCS em Jandaira constitui-se de marcos históricos e sociais daquele municipio, pois foi por meio deles que a então povoação pode se desenvolver.


Um dos poços tubulares que abastecia a cidade de Jandaíra.
Foto: Diário de Natal, 31/01/1974, p.19.


Poço tubular de Aroeira em Jandaira









OS POÇOS DA IFOCS EM PEDRA GRANDE

 

         A zona agrícola e pastoril de Pedra Grande foi aos poucos sendo valorizada pelo surto do algodão na Serra Verde.

         Segundo o Diário de Pernambuco em 08/06/1938 foi inaugurado o poço público Pedra Grande, no municipio de Baixa Verde.

         A princípio a região pertenceu ao município de Touros, passando ao município de Baixa Verde  com a criação deste em 1928, onde Pedra Grande figurou como distrito até  1954 quando passou a jurisdição de São Bento do Norte com a criação deste, do qual fora desmembrado em 04/04/1963.

         Tradicionalmente, o abastecimento dependia de cacimbas, barreiros e pequenas fontes sazonais. Contudo, essas soluções eram frágeis diante das secas prolongadas que marcavam a vida no semiárido. Foi nesse contexto que, a partir da década de 1930, a IFOCS.

         Em Pedra Grande e demais localidades que atualmente integram o território desse municipio alguns poços foram perfurados na década de 1930 e ali contirbuiram para a fixação da população e o desenvolvimento da cultura algodoeira.

         Os primeiros poços tubulares em Pedra Grande surgiram como parte de uma política federal de combate à seca que buscava levar água potável às comunidades rurais e vilarejos mais isolados

         Ao tomar posse o novo prefeito de São Bento do Norte declarou que providenciaria, na medida do possível, a instalação de bombas compressoras para abastecimento d’água no interior do municipio, especialmente nas povoações de Pedra Grande e São Miguel.[1]

         Assim como nos demais locais um elemento marcante dos poços tubulares de Pedra Grande foi a instalação de cataventos metálicos para bombear a água. A escolha era lógica: a região, conhecida por seus ventos fortes e regulares, oferecia as condições ideais para esse tipo de tecnologia.

         As torres altas dos cataventos passaram a fazer parte da paisagem pedragrandense, funcionando como marcos visíveis a longas distâncias. O movimento constante das hélices simbolizava não apenas a modernização tecnológica, mas também a esperança de sobrevivência em meio às adversidades do clima.

         Os poços tornaram-se pontos de apoio para viajantes e tropeiros que circulavam entre Pedra Grande, São Miguel do Gostoso, Jandaíra e João Câmara, consolidando o município como parte de uma rede de abastecimento regional.

 



[1] O Poti, 03/02/1955, p.4.

OS POÇOS TUBULARES DA IFOCS NO MUNICIPIO DE TOUROS


Na década de 1930, o município de Touros, localizado no litoral norte do Rio Grande do Norte, enfrentava os desafios seculares da escassez de água. Apesar de estar banhado pelo Atlântico e marcado pela abundância dos coqueirais, a vida cotidiana da população era profundamente dependente das águas subterrâneas, pois as chuvas, concentradas em poucos meses do ano, não eram suficientes para garantir a sobrevivência das famílias, do gado e da pequena agricultura de subsistência.

Foi nesse contexto que a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas -IFOCS — criada em 1909, predecessora do atual DNOCS — iniciou uma série de ações estratégicas para enfrentar a estiagem que castigava o sertão nordestino e suas áreas limítrofes.

Entre elas, destacou-se a construção de poços tubulares, uma tecnologia moderna para a época, capaz de alcançar lençóis freáticos mais profundos e oferecer água de qualidade, muitas vezes potável, em regiões onde os cacimbões e barreiros não eram suficientes.

De acordo com O Jornal a IFOCS em 1935 iria dar maior desenvolvimento aos serviços de perfuração de poços nas zonas mais próximas ao litoral, notadamente as do vale do rio Maxaranguape, se dirigindo para o norte até Macau, isto é, na chapada da Serra Verde, a qual abrangia os municipios de Touros, Baixa Verde e Macau.[1]

         Com esse intuito já havia mandado construir a estrada que ligava Baixa Verde a Macau, e no ponto extremo desse último, nos limites entre Macau e Angicos, mandou perfurar o poço Fagundes, onde a Inspetoria de Plantas Texteis, em cooperação com o Estado, estava construindo um campo de experimentação para algodão verdão, e mais três em direção a Macau, sendo que já se encontrava concluído e o segundo em trabalhos.

         No municipio de Baixa Verde outros poços seriam perfurados, estando em construção um outro em Touros.

         No ano de 1935 haviam seis turmas da IFOCS de perfuração de poços em atividade no interior do Estado, distribuídas da seguinte forma: duas em Mossoró, duas em Macau, uma em Assu e uma em Touros.

A chegada da IFOCS a Touros

O município de Touros, ainda em processo de consolidação administrativa e econômica, foi contemplado com a perfuração de alguns desses poços na década de 1930.

O objetivo era duplo: garantir abastecimento regular para a população urbana e rural e, ao mesmo tempo, estruturar pontos de apoio para tropeiros e viajantes que circulavam entre Touros, Pureza, São Miguel do Gostoso e a região do Mato Grande.

A presença das equipes da IFOCS mobilizava a comunidade. O maquinário pesado, movido a vapor ou tração animal, chamava a atenção dos moradores, que viam na perfuração dos poços uma promessa de transformação. O som metálico das perfuratrizes, o trabalho incessante dos operários e o surgimento repentino de água em locais antes áridos alimentavam o imaginário coletivo.

Da perfuração de poços no municipio de Touro na década de 1930 tem-se o que se segue.

         Em julho de 1934 foi iniciada a perfuração do poço público de Baixinha, no municipio de Touros.

De acordo com o Diário de Notícias: “No municipio de Touros, também está sendo perfurado um poço, no lugar ‘Baixinha’ de grande utilidade para os moradores dessa região”.[2]

Este poço foi instalado em cooperação do governo do Estado com a IFOCS.

         Já segundo o jornal A Ordem em 13/07/1935 o engenheiro Francisco Ramalho, fiscal do Serviço de Poços no Estado, comunicou a instalação do poço publico da Baixinha, no municipio de Touros, tendo sido os serviços feitos em cooperação com o governo do Estado.[3]

De acordo com as cláusulas do contrato de cooperação entre o governo do Estado e a IFOCS, foi requerida a perfuração de um poço no lugar Curral Preto, no municipio de Touros, distante duas léguas do povoado de Pureza.[4]

O poço Tubiba foi concluído em 1937, tendo esse poço as seguintes características:

Profundidaade

118m

Revestimento de 6”

16m

Nível esférico

75m

Novel dinâmico

96m

Vazão horário (litros)

1.680l

 

Os poços tubulares de Touros tornaram-se verdadeiros marcos na paisagem e na vida social do municipio.

Em torno deles, organizavam-se filas de moradores com potes, barris e carroças. Homens, mulheres e crianças conviviam diariamente nesses espaços de abastecimento, que funcionavam também como pontos de encontro e de troca de notícias.

Além disso, muitos desses poços foram equipados com cataventos metálicos — estruturas altas que utilizavam a força dos ventos constantes da região para bombear a água até os reservatórios. Essa solução simples, porém eficiente, garantia fluxo contínuo e aliviava o esforço humano.

A disponibilidade de água em maior quantidade e regularidade favoreceu não apenas a sobrevivência das famílias, mas também a expansão de atividades econômicas. Pequenos roçados de mandioca, milho e feijão ganharam novo fôlego, e a criação de gado leiteiro, de cabras e de carneiros tornou-se mais estável.

A água dos poços permitia ainda o abastecimento dos coqueirais, que se consolidavam como uma das bases da economia local, ligada à extração de óleo e à produção de carvão vegetal.

Os poços tubulares perfurados em Touros seguiam o modelo técnico da época. Eram abertos com equipamentos robustos, movidos a vapor ou por tração animal, capazes de alcançar profundidades superiores às cavadas manualmente pela população. Essa tecnologia permitia atingir o lençol freático profundo, onde a água era menos vulnerável à evaporação e geralmente apresentava melhor qualidade.

Muitos desses poços foram equipados com cataventos metálicos, aproveitando os ventos constantes da região litorânea para bombear a água até reservatórios e chafarizes. Essa solução simples e duradoura permitia que a água fosse retirada com maior regularidade e em maior quantidade, reduzindo a dependência do esforço manual.

Os poços tubulares da IFOCS transformaram-se rapidamente em centros de sociabilidade. Famílias inteiras organizavam rotinas em torno do abastecimento, utilizando carroças, barris e potes de barro para transportar a água até suas casas e propriedades.

Os chafarizes construídos junto aos poços tornaram-se pontos de encontro, de trocas comerciais e de informações.

Em Touros, assim como em outras localidades beneficiadas, a água retirada dos poços não atendia apenas às necessidades domésticas, mas também ao sustento da agricultura de subsistência e da criação de animais de pequeno e médio porte.

Com o acesso mais estável à água, a população de Touros pôde ampliar pequenas lavouras de mandioca, milho e feijão, garantindo maior segurança alimentar. Além disso, a produção de coco e derivados — uma atividade já presente na região — ganhou regularidade, pois o abastecimento hídrico possibilitava maior aproveitamento dos coqueirais.

No campo da pecuária, a água dos poços favoreceu a manutenção do rebanho bovino, caprino e ovino, reduzindo as perdas que eram comuns durante as estiagens. A criação leiteira, embora ainda incipiente, também se beneficiou desse recurso, oferecendo excedentes para o pequeno comércio local.

Do ponto de vista ambiental, a utilização dos poços tubulares contribuiu para a diminuição da pressão sobre as cacimbas e barreiros superficiais, que frequentemente secavam e se tornavam impróprios para consumo. Assim, os poços representaram uma alternativa mais estável e duradoura para o uso das águas subterrâneas.

A década de 1940 trouxe consigo profundas transformações para o Brasil e, de forma particular, para o Nordeste.

O país vivia os efeitos da Segunda Guerra Mundial e do processo de industrialização acelerada promovido pelo governo Vargas.

Nesse contexto, a política de combate à seca no semiárido e nas zonas limítrofes se intensificou, e a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) desempenhou papel ainda mais relevante.

Em Touros, os poços tubulares perfurados nos anos 1930 ganharam manutenção e novos exemplares foram construídos, ampliando a rede de abastecimento e consolidando a presença do Estado na região.

O município, marcado por sua posição estratégica no litoral e pelo peso das atividades agroextrativistas, passou a contar com infraestrutura hídrica mais estável e permanente.

         Já em 19/05/1945 o interventor federal recebeu comunicação do encarregado do Serviço de Poços em Natal, de haver sido concluída a obra de desobstrução do poço denominado Cavacos, localizado no municipio de Touros, com 90 metros de profundidade, cabendo ao Departamento Nacional das Secas providenciar o seu aparelhamento antes do verão.[5]

Durante os anos 1940, a IFOCS avançou no uso de cataventos metálicos, tecnologia já introduzida na década anterior, mas que agora foi sistematizada como padrão de abastecimento.

Em Touros, os cataventos tornaram-se elementos marcantes da paisagem rural: torres de ferro recortando o céu azul, movidas pelos ventos constantes da costa potiguar, puxando água dos lençóis subterrâneos para chafarizes e reservatórios.

Essas estruturas garantiam autonomia às comunidades, permitindo que a água fosse retirada mesmo sem o esforço humano direto. Os chafarizes abastecidos pelos poços tornaram-se pontos de fluxo contínuo de moradores, tropeiros e criadores de gado.

A década de 1940 também consolidou o caráter comunitário dos poços tubulares em Touros. A IFOCS buscava, sempre que possível, instalar os equipamentos em locais de fácil acesso, próximos a estradas carroçáveis, vilarejos ou áreas de maior concentração populacional.

No municipio de Touros encontravam-se perfurados pela IFOCS em 1943 os seguintes poços tubulares:

Poço

Ano de perfuração

Escadilha

1922

Baixinha

1935

Cruzamento

1936

Tubibas

1936

Cavacos

1938

Baixio

1938

Umburana Grande

1939

Baixinha dos Vieiras

1940

Angico Velho

1940

Fonte: Câmara, Anfilóquio, 1943, p.408.

Com exceção do poço Escadilha, exclusivamente perfurado as expensas da IFOCS , os demais foram perfurados em regime de cooperação com o governo do Estado.

Todos esses poços eram de serventia pública, e o aparelhamento de cada um deles constava de catavento, reservatório de alvenaria com capacidade de 15 a 20 mil litros, chafariz com 3 torneiras, bebedouro para animais e cercado de arame[6]

Esses pontos se transformaram em centros de convivência rural, onde se organizavam filas para retirada da água e onde as relações sociais se fortaleciam. Além disso, muitos poços eram administrados com a colaboração das próprias comunidades, que se responsabilizavam pela manutenção básica e pelo controle do uso coletivo.

Com a expansão da rede de poços e a segurança hídrica proporcionada, o município de Touros pôde ampliar suas atividades econômicas tradicionais. A cultura do coco, que já era importante desde o final do século XIX, ganhou novo impulso, pois a água dos poços favorecia tanto o consumo humano quanto a manutenção da mão de obra fixa no campo.

A agricultura de subsistência — milho, feijão, mandioca — passou a ter maior estabilidade, reduzindo a vulnerabilidade das famílias à irregularidade climática. Do mesmo modo, a pecuária leiteira e de corte fortaleceu-se, garantindo produção regular mesmo nos períodos de estiagem.

Ao longo dos anos 1940, a atuação da IFOCS em Touros foi parte de um processo mais amplo de modernização hídrica no litoral do Rio Grande do Norte. Os poços tubulares, somados à construção de açudes de médio porte em municípios próximos, criaram uma rede de segurança contra a seca, que dava maior previsibilidade à vida rural.

Em Touros, essa política reforçou a permanência das populações em suas terras, evitando deslocamentos forçados e fortalecendo a identidade das comunidades rurais. Ao mesmo tempo, projetou a cidade como um dos polos de experimentação das tecnologias de combate à seca.

Os poços tubulares da IFOCS instalados em Touros nos anos 1940 consolidaram o legado iniciado na década anterior. A presença das torres de catavento, dos chafarizes e dos pontos de abastecimento não apenas garantiu água para milhares de pessoas, mas também se fixou na memória local como símbolos de progresso e de intervenção estatal em benefício da população.

Essa década marcou a transição entre a fase inicial da perfuração experimental de poços e o estágio de consolidação tecnológica e organizacional da política hídrica no município. Os resultados obtidos em Touros contribuíram para que a experiência fosse replicada em outras áreas do Rio Grande do Norte, fortalecendo a atuação da IFOCS como agente transformador da paisagem social e econômica do Nordeste.

Legado e Memória

A Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas em seu plano de cooperação com o governo do Estado ia assim pouco a pouco desenvolvendo a perfuração de poços no Rio Grande do Norte.

Grandes extensões de terras, na Serra Verde entre Baixa Verde e Touros, antes despovoadas, apresentavam-se no inicio da década de 1940 um índice de densidade populacional, graças a esses poços e moinhos.

Mesmo com o passar das décadas, muitos dos poços perfurados nos anos 1930 ainda são lembrados por moradores antigos como “poços do governo” ou “poços da seca”.

Alguns desses poços foram reformados, mecanizados ou substituídos por sistemas modernos, mas seu papel histórico permanece vivo na memória coletiva do município.

Além do valor funcional, os poços tubulares carregam uma dimensão simbólica. Representam a chegada do Estado, a vitória sobre a seca e a dignidade resgatada. Em algumas comunidades, a memória da chegada da máquina perfuratriz é contada como um momento épico, quase mítico.

As estruturas remanescentes — caixas d’água, bases de concreto, bombas manuais — constituem hoje elementos do patrimônio histórico e técnico da região, testemunhos de um esforço coletivo por sobrevivência e dignidade.

Os poços tubulares não foram apenas obras técnicas — foram estruturas de resistência, dignidade e transformação.

No Mato Grande, seu legado ultrapassa o fornecimento de água: está inscrito na paisagem, na memória coletiva e no direito à vida. Preservar essa história é reconhecer a inteligência do povo sertanejo e a necessidade contínua de garantir acesso justo e sustentável à água.

         Em municipios como Parazinho, Jandaíra, Pedra Grande, Baixa do Meio, ainda é possível vê algumas dessas estruturas de poços tubulares construídos pela IFOCS.



[1] O Jornal,07/02/1935,p.7.

 

[2] Diário de Noticias, 04/07/1934, p.11.

[3] A Ordem, 18/07/1935, p.1.

[4] A Ordem, 03/09/1937,p.4.

 

[5] A Ordem, 19/05/1947, p.3.

 

[6] Câmara, Anfilóquio, 1943, p.408.