Na década de 1930, o município de Touros, localizado no litoral norte do
Rio Grande do Norte, enfrentava os desafios seculares da escassez de água.
Apesar de estar banhado pelo Atlântico e marcado pela abundância dos
coqueirais, a vida cotidiana da população era profundamente dependente das
águas subterrâneas, pois as chuvas, concentradas em poucos meses do ano, não
eram suficientes para garantir a sobrevivência das famílias, do gado e da
pequena agricultura de subsistência.
Foi nesse contexto que a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
-IFOCS — criada em 1909, predecessora do atual DNOCS — iniciou uma série de
ações estratégicas para enfrentar a estiagem que castigava o sertão nordestino
e suas áreas limítrofes.
Entre elas, destacou-se a construção de poços tubulares, uma tecnologia
moderna para a época, capaz de alcançar lençóis freáticos mais profundos e
oferecer água de qualidade, muitas vezes potável, em regiões onde os cacimbões
e barreiros não eram suficientes.
De
acordo com O Jornal a IFOCS em 1935 iria dar maior desenvolvimento aos serviços
de perfuração de poços nas zonas mais próximas ao litoral, notadamente as do
vale do rio Maxaranguape, se dirigindo para o norte até Macau, isto é, na
chapada da Serra Verde, a qual abrangia os municipios de Touros, Baixa Verde e
Macau.[1]
Com esse intuito já havia mandado
construir a estrada que ligava Baixa Verde a Macau, e no ponto extremo desse último,
nos limites entre Macau e Angicos, mandou perfurar o poço Fagundes, onde a
Inspetoria de Plantas Texteis, em cooperação com o Estado, estava construindo
um campo de experimentação para algodão verdão, e mais três em direção a Macau,
sendo que já se encontrava concluído e o segundo em trabalhos.
No
municipio de Baixa Verde outros poços seriam perfurados, estando em construção
um outro em Touros.
No ano de 1935 haviam seis turmas da
IFOCS de perfuração de poços em atividade no interior do Estado, distribuídas
da seguinte forma: duas em Mossoró, duas em Macau, uma em Assu e uma em Touros.
A chegada da IFOCS a Touros
O município de Touros, ainda em processo de consolidação administrativa
e econômica, foi contemplado com a perfuração de alguns desses poços na década
de 1930.
O objetivo era duplo: garantir abastecimento regular para a população
urbana e rural e, ao mesmo tempo, estruturar pontos de apoio para tropeiros e
viajantes que circulavam entre Touros, Pureza, São Miguel do Gostoso e a região
do Mato Grande.
A presença das equipes da IFOCS mobilizava a comunidade. O maquinário
pesado, movido a vapor ou tração animal, chamava a atenção dos moradores, que
viam na perfuração dos poços uma promessa de transformação. O som metálico das
perfuratrizes, o trabalho incessante dos operários e o surgimento repentino de
água em locais antes áridos alimentavam o imaginário coletivo.
Da perfuração de poços no municipio de Touro na década de 1930 tem-se o
que se segue.
Em julho de 1934 foi iniciada a
perfuração do poço público de Baixinha, no municipio de Touros.
De acordo com o Diário de Notícias: “No municipio de Touros, também
está sendo perfurado um poço, no lugar ‘Baixinha’ de grande utilidade para os
moradores dessa região”.[2]
Este poço foi instalado em cooperação do governo do Estado com a IFOCS.
Já segundo o jornal A Ordem em
13/07/1935 o engenheiro Francisco Ramalho, fiscal do Serviço de Poços no
Estado, comunicou a instalação do poço publico da Baixinha, no municipio de
Touros, tendo sido os serviços feitos em cooperação com o governo do Estado.[3]
De acordo com as cláusulas do contrato de cooperação entre o governo do
Estado e a IFOCS, foi requerida a perfuração de um poço no lugar Curral Preto,
no municipio de Touros, distante duas léguas do povoado de Pureza.[4]
O poço Tubiba foi concluído em 1937, tendo esse poço as seguintes características:
Profundidaade
|
118m |
Revestimento
de 6” |
16m |
Nível
esférico |
75m |
Novel
dinâmico |
96m |
Vazão
horário (litros) |
1.680l |
Os poços tubulares de Touros tornaram-se verdadeiros marcos na paisagem
e na vida social do municipio.
Em torno deles, organizavam-se filas de moradores com potes, barris e
carroças. Homens, mulheres e crianças conviviam diariamente nesses espaços de
abastecimento, que funcionavam também como pontos de encontro e de troca de
notícias.
Além disso, muitos desses poços foram equipados com cataventos
metálicos — estruturas altas que utilizavam a força dos ventos constantes da
região para bombear a água até os reservatórios. Essa solução simples, porém
eficiente, garantia fluxo contínuo e aliviava o esforço humano.
A disponibilidade de água em maior quantidade e regularidade favoreceu
não apenas a sobrevivência das famílias, mas também a expansão de atividades
econômicas. Pequenos roçados de mandioca, milho e feijão ganharam novo fôlego,
e a criação de gado leiteiro, de cabras e de carneiros tornou-se mais estável.
A água dos poços permitia ainda o abastecimento dos coqueirais, que se
consolidavam como uma das bases da economia local, ligada à extração de óleo e
à produção de carvão vegetal.
Os poços tubulares perfurados em Touros seguiam o modelo técnico da
época. Eram abertos com equipamentos robustos, movidos a vapor ou por tração
animal, capazes de alcançar profundidades superiores às cavadas manualmente
pela população. Essa tecnologia permitia atingir o lençol freático profundo,
onde a água era menos vulnerável à evaporação e geralmente apresentava melhor
qualidade.
Muitos desses poços foram equipados com cataventos metálicos,
aproveitando os ventos constantes da região litorânea para bombear a água até
reservatórios e chafarizes. Essa solução simples e duradoura permitia que a
água fosse retirada com maior regularidade e em maior quantidade, reduzindo a
dependência do esforço manual.
Os poços tubulares da IFOCS transformaram-se rapidamente em centros de
sociabilidade. Famílias inteiras organizavam rotinas em torno do abastecimento,
utilizando carroças, barris e potes de barro para transportar a água até suas
casas e propriedades.
Os chafarizes construídos junto aos poços tornaram-se pontos de
encontro, de trocas comerciais e de informações.
Em Touros, assim como em outras localidades beneficiadas, a água
retirada dos poços não atendia apenas às necessidades domésticas, mas também ao
sustento da agricultura de subsistência e da criação de animais de pequeno e
médio porte.
Com o acesso mais estável à água, a população de Touros pôde ampliar
pequenas lavouras de mandioca, milho e feijão, garantindo maior segurança
alimentar. Além disso, a produção de coco e derivados — uma atividade já
presente na região — ganhou regularidade, pois o abastecimento hídrico
possibilitava maior aproveitamento dos coqueirais.
No campo da pecuária, a água dos poços favoreceu a manutenção do
rebanho bovino, caprino e ovino, reduzindo as perdas que eram comuns durante as
estiagens. A criação leiteira, embora ainda incipiente, também se beneficiou
desse recurso, oferecendo excedentes para o pequeno comércio local.
Do ponto de vista ambiental, a utilização dos poços tubulares
contribuiu para a diminuição da pressão sobre as cacimbas e barreiros
superficiais, que frequentemente secavam e se tornavam impróprios para consumo.
Assim, os poços representaram uma alternativa mais estável e duradoura para o
uso das águas subterrâneas.
A década de 1940 trouxe consigo profundas transformações para o Brasil
e, de forma particular, para o Nordeste.
O país vivia os efeitos da Segunda Guerra Mundial e do processo de
industrialização acelerada promovido pelo governo Vargas.
Nesse contexto, a política de combate à seca no semiárido e nas zonas
limítrofes se intensificou, e a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
(IFOCS) desempenhou papel ainda mais relevante.
Em Touros, os poços tubulares perfurados nos anos 1930 ganharam
manutenção e novos exemplares foram construídos, ampliando a rede de
abastecimento e consolidando a presença do Estado na região.
O município, marcado por sua posição estratégica no litoral e pelo peso
das atividades agroextrativistas, passou a contar com infraestrutura hídrica
mais estável e permanente.
Já em 19/05/1945 o interventor federal
recebeu comunicação do encarregado do Serviço de Poços em Natal, de haver sido concluída
a obra de desobstrução do poço denominado Cavacos, localizado no municipio de
Touros, com 90 metros de profundidade, cabendo ao Departamento Nacional das
Secas providenciar o seu aparelhamento antes do verão.[5]
Durante os anos 1940, a IFOCS avançou no uso de cataventos metálicos,
tecnologia já introduzida na década anterior, mas que agora foi sistematizada
como padrão de abastecimento.
Em Touros, os cataventos tornaram-se elementos marcantes da paisagem
rural: torres de ferro recortando o céu azul, movidas pelos ventos constantes
da costa potiguar, puxando água dos lençóis subterrâneos para chafarizes e
reservatórios.
Essas estruturas garantiam autonomia às comunidades, permitindo que a
água fosse retirada mesmo sem o esforço humano direto. Os chafarizes
abastecidos pelos poços tornaram-se pontos de fluxo contínuo de moradores,
tropeiros e criadores de gado.
A década de 1940 também consolidou o caráter comunitário dos poços
tubulares em Touros. A IFOCS buscava, sempre que possível, instalar os equipamentos
em locais de fácil acesso, próximos a estradas carroçáveis, vilarejos ou áreas
de maior concentração populacional.
No municipio de Touros encontravam-se perfurados pela IFOCS em 1943 os
seguintes poços tubulares:
Poço |
Ano de perfuração |
Escadilha |
1922 |
Baixinha |
1935 |
Cruzamento |
1936 |
Tubibas |
1936 |
Cavacos |
1938 |
Baixio |
1938 |
Umburana Grande |
1939 |
Baixinha dos Vieiras |
1940 |
Angico Velho |
1940 |
Fonte: Câmara, Anfilóquio, 1943, p.408.
Com exceção do poço Escadilha, exclusivamente perfurado as expensas da
IFOCS , os demais foram perfurados em regime de cooperação com o governo do
Estado.
Todos esses poços eram de serventia pública, e o aparelhamento de cada
um deles constava de catavento, reservatório de alvenaria com capacidade de 15
a 20 mil litros, chafariz com 3 torneiras, bebedouro para animais e cercado de
arame[6]
Esses pontos se transformaram em centros de convivência rural, onde se
organizavam filas para retirada da água e onde as relações sociais se
fortaleciam. Além disso, muitos poços eram administrados com a colaboração das
próprias comunidades, que se responsabilizavam pela manutenção básica e pelo
controle do uso coletivo.
Com a expansão da rede de poços e a segurança hídrica proporcionada, o
município de Touros pôde ampliar suas atividades econômicas tradicionais. A
cultura do coco, que já era importante desde o final do século XIX, ganhou novo
impulso, pois a água dos poços favorecia tanto o consumo humano quanto a
manutenção da mão de obra fixa no campo.
A agricultura de subsistência — milho, feijão, mandioca — passou a ter
maior estabilidade, reduzindo a vulnerabilidade das famílias à irregularidade
climática. Do mesmo modo, a pecuária leiteira e de corte fortaleceu-se,
garantindo produção regular mesmo nos períodos de estiagem.
Ao longo dos anos 1940, a atuação da IFOCS em Touros foi parte de um
processo mais amplo de modernização hídrica no litoral do Rio Grande do Norte.
Os poços tubulares, somados à construção de açudes de médio porte em municípios
próximos, criaram uma rede de segurança contra a seca, que dava maior
previsibilidade à vida rural.
Em Touros, essa política reforçou a permanência das populações em suas
terras, evitando deslocamentos forçados e fortalecendo a identidade das
comunidades rurais. Ao mesmo tempo, projetou a cidade como um dos polos de
experimentação das tecnologias de combate à seca.
Os poços tubulares da IFOCS instalados em Touros nos anos 1940
consolidaram o legado iniciado na década anterior. A presença das torres de
catavento, dos chafarizes e dos pontos de abastecimento não apenas garantiu
água para milhares de pessoas, mas também se fixou na memória local como
símbolos de progresso e de intervenção estatal em benefício da população.
Essa década marcou a transição entre a fase inicial da perfuração
experimental de poços e o estágio de consolidação tecnológica e organizacional
da política hídrica no município. Os resultados obtidos em Touros contribuíram
para que a experiência fosse replicada em outras áreas do Rio Grande do Norte,
fortalecendo a atuação da IFOCS como agente transformador da paisagem social e
econômica do Nordeste.
Legado
e Memória
A Inspetoria Federal de
Obras Contra as Secas em seu plano de cooperação com o governo do Estado ia
assim pouco a pouco desenvolvendo a perfuração de poços no Rio Grande do Norte.
Grandes extensões de
terras, na Serra Verde entre Baixa Verde e Touros, antes despovoadas,
apresentavam-se no inicio da década de 1940 um índice de densidade
populacional, graças a esses poços e moinhos.
Mesmo com o passar das
décadas, muitos dos poços perfurados nos anos 1930 ainda são lembrados por
moradores antigos como “poços do governo” ou “poços da seca”.
Alguns desses poços foram
reformados, mecanizados ou substituídos por sistemas modernos, mas seu papel
histórico permanece vivo na memória coletiva do município.
Além do valor funcional, os
poços tubulares carregam uma dimensão simbólica. Representam a chegada do
Estado, a vitória sobre a seca e a dignidade resgatada. Em algumas comunidades,
a memória da chegada da máquina perfuratriz é contada como um momento épico,
quase mítico.
As estruturas remanescentes
— caixas d’água, bases de concreto, bombas manuais — constituem hoje elementos
do patrimônio histórico e técnico da região, testemunhos de um esforço coletivo
por sobrevivência e dignidade.
Os poços tubulares não
foram apenas obras técnicas — foram estruturas de resistência, dignidade e
transformação.
No Mato Grande, seu legado
ultrapassa o fornecimento de água: está inscrito na paisagem, na memória
coletiva e no direito à vida. Preservar essa história é reconhecer a
inteligência do povo sertanejo e a necessidade contínua de garantir acesso
justo e sustentável à água.
Em
municipios como Parazinho, Jandaíra, Pedra Grande, Baixa do Meio, ainda é
possível vê algumas dessas estruturas de poços tubulares construídos pela
IFOCS.
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