Prolegômenos
A
história não é estática, ao contrário, ela é dinâmica, ela muda com o aparecimento
de novos fatos, por isso não se pode dizer que haja uma história completa,
engessada, determinada e definitiva. Aplicando isso a historiografia dos municípios temos
que os registros históricos, principalmente os jornais e relatórios dos
governadores, se constituem de fontes relevantes para esmiuçar os meandros da
história e ao examinar tais registros, a medida do possível, reescrever ou
comprovar a história desses ou daquele município.
É
o caso de João Câmara, outrora Baixa Verde, que neste trabalho apresentaremos e
cujos retalhos históricos consignados nos jornais antigos e em arquivos do governo pretendem
servir para analisar melhor a gênese do município (reescrever a história do
município seria muita ousadia, tanto mais por não ser nativo do município, me
perdoem os camarenses).
Sem
mais delongas vamos aos nossos estudos.
Baixa Verde mencionada em mapa do
século XIX
A
menção a região de Baixa Verde aparece pelo final do século XIX, sendo uma das
menções mais antigas, se não a mais antiga, salvo engano, ocorrendo em um
esboço de um mapa da província do Rio Grande do Norte, apresentado ao
presidente da província Dr. Antônio Francisco Pereira de Carvalho em 1887.
O
mapa foi elaborado pelo engenheiro inglês Jonh Morant, que viria a ser o diretor da
Estrada de Ferro Natal a Nova a Cruz. Segundo a legenda apresentada no referido
mapa aparecem Baixa Verde e Pororocas. Vejam a figura 1.
Ampliação do mapa a cima com destaque para a região de Baixa Verde
Mapa de John Morant, 1887.Fonte: Arquivo Nacional. |
A
segunda imagem é a ampliação da área que cita Baixa Verde e Pororocas extraída
da primeira. A região de Baixa Verde apresentada neste mapa de 1887 coincide com a atual localização do
município de João Câmara (ex Baixa Verde) e segundo a legenda do mapa era a época uma
povoação.
A comissão do açude de Baixa
Verde
O
jornal Gazeta de Natal na edição do dia 01/06/1889 registrou a nomeação de uma
comissão formada em Ceará-Mirim pelo padre Frederico Augusto Raposa da Câmara,
presidente, o juiz municipal Francisco de Sales Meira e Sá e o major Elpidio
Furtado de Mendonça. Sendo esta comissão encarregada da construção de um açude na
povoação de Baixa Verde onde seriam empregados as vitimas da calamidade da
seca, sendo destinando um salário de r$ 500 para os homens e r$300 para as
mulheres e r$ 200 para as crianças (GAZETA
DO NATAL, 01/06/1889, p.2).Dessa forma, a povoação de Baixa Verde seria aquela época pertencente
ao município de Ceará-Mirim.
As
obras do referido açude continuaram no ano seguinte como se vê no expediente do
dia 07/02/1890 onde o governador Adolfo Afonso da Silva Gordo assinou decreto
autorizando a comarca de Ceará-Mirim “a designar pessoas idôneas e de confiança
para se encarregar da direção das obras de construção do açude no lugar Baixa
Verde dessa freguesia [...]” (A REPÚBLICA, 26/03/1890, p.3).
A criação e existência do
distrito de Baixa Verde
Desmembrado de Ceará-Mirim o distrito
de Taipu e elevado a categoria de município em 10/03/1891 a região de Baixa Verde passa ao
território deste novo município. Em 22/12/1892 por meio da lei municipal nº 2 foi
criado o distrito com a denominação de Baixa Verde subordinado ao município de Taipu.
Outros atos administrativos asseguram a existência do distrito de Baixa Verde
ainda no final do século XIX, como os que se seguem.
Em 04/01/1892 foram demitidos Avelino
Antônio dos Santos e Manoel Avelino dos Santos, 2º e 3º suplentes do subdelegado,
do subdistrito policial de Baixa Verde e nomeados para substituí-los Norberto
Nunes Ferreira e Luís Inácio de Melo (in: A REPÚBLICA, 06/02/1892, p.1).
Em 11/09/1892 seria realizada a
primeira eleição municipal para a Intendência de Taipu [1]. A
lei eleitoral vigente para essas eleições estabeleceu duas seções eleitorais no
município. Uma instalada na casa da Intendência de Taipu e a outra no Distrito
de Baixa Verde que foi instalada na casa do cidadão Afonso Teixeira de Oliveira
onde votariam os eleitores inscritos no 5º quarteirão compreendidos entre os
números 1322 e 1348 (A REPÚBLICA, 27/08/1892, p.4).
Outro mapa do estado do Rio de Grande
do Norte elaborado pela Comissão de Estudos e Construções de Obras no Rio
Grande do Norte datado de 1900 também cita os mesmo locais anteriormente
citados, ou seja, Baixa Verde e Pororoca.
Mapa organizado pela Comissão de Estudos e Construções de Obras no Rio Grande do Norte de 1900
Mapa organizado pela Comissão de Estudos e Construções de Obras no Rio Grande do Norte de 1900.Fonte: Arquivo Nacional. Ampliação do mapa a cima com destaque para a região de Baixa Verde |
Mapa organizado pela Comissão de Estudos e Construções de Obras no Rio Grande do Norte de 1900.Fonte: Arquivo Nacional. |
Conforme a legenda do mapa vê-se o traçado da ferrovia que seria inaugurada uma década depois em Baixa Verde.
O relatório de 1900 cita Ernesto Otoni Nunes como professor
em Baixa Verde na escola mista daquela localidade do município de Taipu, tendo
sido ele nomeado a 01/02/1900 (MENSAGEM DO GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO NORTE PARA O ANO DE 1900, p.65)[2].
Naquele ano haviam 26 alunos matriculados em Baixa Verde.
Esta é a última menção a cerca de Baixa Verde no século XIX. Já no século
XX seguem-se referências ao distrito de Baixa Verde.
Na divisão policial do Estado do Rio Grande do Norte Baixa Verde aparece
como subdistrito policial do município de Taipu em 1893 (MENSAGEM...,1893, p.20). Tendo naquela subdelegacia um
destacamento de policia.
Em 1896 o relatório do
governo apontava Luís Inácio de Melo como subdelegado no distrito de Baixa
Verde, sendo seus suplentes José Ferreira da Câmara, Norberto Nunes Ferreira e Cirilo
José Tavares (MENSAGEM..., 1896, p.199).
No
jornal O Estado de 02/12/1894 se dizia sobre a seção eleitoral de Baixa Verde na
eleição estadual: “A seção da Baixa Verde, porém, ficou envolvida em grande
mistério, e por maiores que fossem os esforços, não houve quem soubesse o
resultado” (O ESTADO, 02/12/1894, p.2).Não se sabe exato o que ocorreu nessas
eleições em Baixa Verde visto que o referido jornal não fornece maiores
informações sobre o ocorrido naquela seção.
No
tocante ao município de Taipu no relatório do governador se dizia entre outras
coisas que tinha por serras a Serra Pelada, Serra da Cruz e a Serra do Torreão, este por vezes também chamado de serrote.
As
povoações existentes além da Vila eram Baixa Verde, Contador, Poço Branco e
Gameleira. Haviam dois açudes públicos, um na vila de Taipu e outro na
povoação de Baixa Verde, este em bom estado, aquele bastante estragado devido
as consequências das inundações ocorridas em 1895.
No tocante a escola o relatório de 1905 diz que a de Baixa Verde
era apenas para o sexo masculino com frequência de 18 alunos (MENSAGEM.., 1905,
p.76).
O relatório de 1905 dizia ainda que o Estado possuía terras de excelente
salubridade que eram apropriadas a fundação de núcleos de trabalhadores, na
qual o Governo teria vantajosos resultados. Entre estas terras estava a Baixa Verde: “planalto extensíssimo e de
reconhecida fertilidade, com proporções para vir a constituir um grande centro
agrícola, desde que sejam ali perfurados poço tubulares” (MENSAGEM..., 1905,
p.20).O relatório assegurava que na região viviam considerável número de
pessoas que viviam da agricultura e que tinham que viver 6 meses do ano
transportando a água necessária ao consumo de distâncias superiores a 4 léguas [3],
por isso solicitava o governo a construção de poço tubulares na região.
Pela menção a construção de poços tubulares e a luta pela aquisição de
água potável para consumo humano e agricultura, não há dúvidas que o relatório
se refira a Baixa Verde que é a atual João Câmara, cuja história comprova sua
épica busca pelo liquido precioso ao longo de sua existência.
Por
ato de 01/09/1906 foram nomeados Alfredo Edeltrudes de
Souza, João Batista Furtado e Ismael Mauricio da Silveira, respectivamente
subdelegado e suplentes do distrito policial de Baixa Verde (MENSAGEM..., 1906,
p.194).
Tanto Alfredo Edeltrudes como João
Batista Furtado são citados nas crônicas sociais dos jornais no inicio do
século XX como comerciantes em Baixa Verde conforme registrado no jornal A
República em 10/01/1907: “os nossos dedicados amigos cap. Joaquim da Luz e
Alfredo Edeltrudes, honrados comerciantes de Vila Nova e Baixa Verde” (A
REPÚBLICA, 10/01/1907, p.02) [4] e
na edição de 26/09/1907 o mesmo jornal também registrou a visita de Alfredo
Edeltrudes e João Batista Furtado “honrados negociantes na povoação de Baixa
Verde” ( A REPÚBLICA, 26/09/1907, p.1).
Alfredo
Edeltrudes e João Batista Furtado são figuras lembradas pelos mais antigos da
cidade de João Câmara.
Crescimento urbano e
econômico
Foi a chegada
da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte em 1910 que proporcionou o
crescimento urbano e econômico do então distrito de Baixa Verde. Sobre a
ferrovia trataremos em capitulo a parte dada sua magna importância para a
história do município de João Câmara.
Por hora basta dizer que a
ferrovia fez permanecer no local uma grande massa de trabalhadores que
encontraram ali um bom lugar para fixar residência, assim como houve o
deslocamento da população para a crescente Baixa Verde, notadamente o distrito
de Assunção, localizado cerca de 3 km de Baixa Verde, cujos trilhos por ali não
foram atingidos, cabendo a Baixa Verde suplantar aquela localidade mais antiga
da região.
Das primeiras casas
surgiram os arruamentos, alinhadas ordenadamente graças aos engenheiros da
EFCRGN, que também construíram a capela em 1915 dedicada a Nossa Senhora Mãe dos
Homens, devoção da esposa do funcionário da EFCRGN Antônio Proença e cuja
invocação é desde aquela data a padroeira da cidade da cidade e paróquia de
João Câmara [5].
No mesmo ano de 1915 foi criado o campo de demonstração em Baixa Verde
apresentando dois ou mais tipos de solos apropriados ao cultivo de algodão de
fibra longa (JORNAL DO COMÉRCIO, 27/09/1915, p.3). Vê-se que por esse período o
distrito já se destacava pelo plantio do algodão que seria para Baixa Verde o
elemento essencial para seu desenvolvimento econômico.
Ainda em 1915 aparecia como
subdelegado João Batista Furtado, o suplente Ismael Mauricio da Silveira e
Pedro Gonçalves de Oliveira como inspetor no distrito policial de Baixa Verde (ALMANAQUE
ADMINSITRATIVO, COMERCIAL E INDUSTRIAL DO RIO DE JANEIRO, 1915, p.1368).
Em 1921 a União comprou a fazenda Torreão em Baixa Verde da Companhia de
Viação e Construções. A parte confinante com a estrada de ferro era a mais
útil, pois tinha um açude e uma pedreira, já o restante da propriedade que
tinha algumas benfeitorias seria destinado ao plantio de eucalipto para a
produção de dormentes da EFCRGN (RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DE VIAÇÃO E OBRAS
PÚBLICAS, 1921, p.258).
Teria sido o inicio
dos abalos?
A região do
Mato Grande onde se situa atualmente o município de João Câmara é uma região
propensa a atividade sísmicas cuja origem é atribuída ao movimento das placas
tectônicas no interior da terra. Os mais antigos habitantes de João Câmara
afirmam ser de longínquas datas o fenômeno dos abalos, como dizem ali sobre os
sismos, sem, contudo precisar uma data certa.
Em 1923 o Dr. Pacheco Dantas, potiguar que se achava no Rio de Janeiro, a capital federal, naquele ano concedeu entrevista ao Jornal do Brasil,
tradicional e respeitado jornal de circulação nacional. Dentre as perguntas que lhe foram dirigidas estava esta:
- Constou aqui que a terra tremeu
no seu Estado, é verdade?
Eis a resposta do referido
entrevistado:
-Ouvi dizer que no povoado de Baixa Verde foram ouvidos vários estrondos
seguidos de abalos da terra, causando isto grande impressão nos habitantes e
que no lugar Boa Cica a terra fendeu-se, fazendo um grande sulco de onde saiu
uma fumaça constante. Nada, entretanto, posso afirmar sobre a veracidade do
fato, porque não me foi possível visitar o local (JORNAL DO BRASIL,
05/12/1923, p.7)[6].
Até o presente momento este é o relato mais antigo sobre os abalos em Baixa Verde.
Sobre a safra de
1925
Eis como um correspondente
escreveu no periódico O Jornal sobre safra em Baixa Verde no ano de 1925.
Como era esperado, a safra
passada foi aqui, a melhor possível. As grandes plantações de algodão, milho e
feijão provaram [ser] excelentes.
Os resultados compensaram
sobejamente o capital e o trabalho empregados. Basta notar que a nossa produção
atingiu a 8.000 fardos de lã o que vem dar a Baixa Verde a primazia da cultura
algodoeira do nordeste.
Além disso a extensão da
terra cultivada, é, em conjunto, a maior do Estado. A produção deste
ano, segundo está calculada aumentará de um terço, crescendo 12.000 fardos. E
assim, num crescendo animador e progressista, os modestos habitantes deste
longínquo e quase desconhecido pedaço do Brasil, vão por seu esforço próprio,
sem outro auxilio que a sua própria atividade, desenvolvendo, criando e
impelido para adiante a cultura do algodão, uma das bases do esteio da nossa
economia.
Deve se notar que não temos
o capital necessário ou conseguimos muito dificilmente para mover essa
engrenagem complicada que é a agricultura em nosso país. Não temos Banco Agrícola,
não temos estimulo do governo. Tudo que fazemos é por nossa deliberação e
responsabilidade (O JORNAL, 23/05/1925, p.12).
Mesmo com uma prospera
colheita, o correspondente se ressente da falta de incentivos para o
desenvolvimento da atividade agrícola, sobretudo a algodoeira na região de
Baixa Verde. No entanto, o mesmo correspondente apresentava algumas soluções
tecnológicas para o beneficiamento do algodão.
Nas palavras do referido jornal: “Para o beneficiamento do ouro branco
uma firma desta localidade, João Câmara & Irmãos, pôs em funcionamento um
motor com a força de cavalos-vapor o que nos traz a esperança de em breve, termos
luz elétrica para o melhoramento nosso” (O JORNAL, 23/05/1925, p.12).
Parece ser incontestável
que o gênio empreendedor de João Câmara que junto com seus irmãos impulsionaram
a atividade algodoeira de Baixa Verde contribuindo deveras para seu crescimento
econômico e social.
O citado correspondente
continuava dizendo que o inverno daquele ano de 1925 “como se está
desenvolvendo é o mais propicio a lavoura e a criação” (O JORNAL, 23/05/1925,
p.12) e finalizava registrando que há poucos dias estivera em visita aos campos
de agricultura de Baixa Verde, o governador do Estado José Augusto, “que ficou
encantado com o lindo panorama das extensas planícies cobertas, a perder de
vista, de algodoeiros floridos e verdejantes como uma promessa risonha de prosperidade
e grandeza” (O JORNAL, 23/05/1925, p.12). Tal era a repercussão que vinha tendo
em todo Estado, as grandes plantações de algodão na região de Baixa Verde.
A Caixa Rural de Baixa Verde
Seguindo o impulso criado
pela cultura do algodão em 15/06/1926 foi instalada a Caixa Rural de Baixa
Verde (MENSAGEM..., 1926, p.51). Sobre a inauguração da Caixa Rural de Baixa
Verde assim escreveu Heráclito Vilar, responsável por estas instituições no Rio
Grande do Norte a Plácido de Melo: “Baixa Verde, 17 de maio de 1926. Caro Dr.
Plácido de Melo, há dias escrevi sobre as Caixas Rurais de Baixa Verde e de
Ceará-Mirim [...] Baixa Verde pertence ao município do Taipu, do qual abrange a
faixa mais importante, a maior parte da zona agrícola” (A UNIÃO, 10/06/1926, p.4).
Escolas
Em 1926 havia uma escola as
expensas do município de Taipu em Assunção e outra em Baixa Verde. O decreto
350 de 15 de outubro de 1927 criou o grupo escolar capitão José da Penha na
povoação de Baixa Verde (MENSAGEM, 1928, p.560), fixando em 3 as cadeiras a
serem agrupadas no referido grupo escolar[7],
tendo sido inaugurado pelo governador José Augusto em 26/12/1927.
O mercado
Em 15/09/1927 foi inaugurado novo mercado de Baixa Verde, obra do governo do estado.
O Grupo Escolar
Em 1927 foi criado O Grupo Escolar Capitão José da Penha em Baixa Verde. Os grupos escolares eram prédios construídos para abrigar duas ou mais escolas primárias existentes, geralmente a masculina e a feminina, que funcionavam em lugares distintos.
Com a inauguração do Grupo Escolar Capitão José da Penha o município de
Taipu era um dos municípios que possuíam dois grupos escolares, sendo o outro o
Grupo Escolar Joaquim Nabuco, inaugurado em 19/02/1919, sendo este uma dos mais
antigos da região do Mato Grande, cujo prédio fora inaugurado antes mesmo dos
de Touros e Macau, cidades mais importantes e maiores que Taipu.
Um dos últimos atos ocorrido em Baixa Verde antes de sua emancipação
política foi a inauguração do serviço de transporte rodoviário por ônibus na
qual se lia no jornal O Paiz que em 22/06/1928 “foi inaugurado o serviço de auto-onmnibus para passageiros entre
esta capital, Macaíba, Baixa Verde e Ceará-Mirim (O PAIZ, 22/06/1928, p.8) [8].
A emancipação seria
inevitável
Em 07/01/10/1928 se lia no jornal O imparcial que “o presidente Lamartine
visitou a região de Baixa Verde, de onde trouxe ótima impressão do progresso
agrícola que ali verificou” (O IMPARCIAL, 07/10/1928, p.5), que depois seria
criado por ele o município de Baixa Verde em 29/10/1928. No dia 07/10/1928 o periódico
O Jornal escrevera que havia partido no dia anterior para Baixa Verde o
presidente do Estado, Juvenal Lamartine, onde ali seria criado um novo
município (O JORNAL, 07/10/1928, p.8).
A emancipação do distrito de Baixa Verde ocorreu pela lei estadual nº
697, de 29/10/1928. Seu território foi estabelecido pelo desmembramento de parte dos territórios dos
municípios de Taipu, Touros e Lages.
A Sede no antigo distrito de Baixa Verde foi elevada a categoria de vila.
O novo município foi instalado em 01/01/1929 com a posse do primeiro prefeito
que foi o industrial e agropecuarista João Câmara, que fora igualmente 3 anos
antes prefeito em Taipu.
O território do novo
município de Baixa Verde teria cerca de 700 km², indo do agreste ao litoral (São
Bento do Norte). A demografia inicial de Baixa Verde é difícil precisar.
No Recenseamento de 1920 o município de Taipu apresentou-se com 12.651
habitantes.
Anfilóquio Câmara afirma que Taipu perdeu em 1928 uma boa porção do seu
território, inclusive, o povoado que hoje é a cidade sede daquele município (CÂMARA, 1943, p.391), porém, não disse a quantidade habitantes que foi
perdida com a criação de Baixa Verde.
Em 1930 não foi realizado o
Censo Demográfico do Brasil, que seria este o primeiro a registrar a população
de Baixa Verde após sua emancipação. A sinopse estática do Rio Grande do Norte relativa ao ano de 1937 acusou uma estimativa de 25.200 habitantes no município de Baixa Verde (SINOPSE, 1938, p.30).Só no Censo de 1940 é que temos uma noção exata e oficial da demografia de Baixa Verde cujo Censo registrou uma população de 20.375
habitantes (IBGE, 1940, p.51).
A localidade de
Matas realmente existiu?
Um enigma
geográfico ronda a história de Baixa Verde, pois se diz que o lugar onde hoje
está a cidade de João Câmara (ex Baixa Verde), se chamava Matas. Ocorre que
mesmo aparecendo na oralidade e em alguns documentos, como diários de pessoas
antigas de João Câmara, o topônimo não aparece em documentos oficiais e muito
menos em jornais por nós consultado. Qual o motivo?
Vejamos a origem dessa
controvérsia.
Câmara Cascudo diz em Nomes
da Terra que o território do município de João Câmara foi desmembrado de
Touros, Taipu e Lajes, principalmente do primeiro. Prossegue Câmara Cascudo que
“o local da cidade pertencia ao Taipu e era deserto nos primeiros anos antes de
1900.Denominava-se MATAS” (CASCUDO, 2002, p.196, destaque do original).
Qual a razão para Câmara Cascudo destacar o topônimo Matas em letras
maiúsculas? Queria ele ressaltar a existência do lugar?
Mais estranho ainda é Câmara Cascudo dizer que o lugar era deserto antes
de 1900. Ora, como visto anteriormente Baixa Verde era distrito desde 1892, com
escola, distrito policial e uma pequena feira. Não se justifica construir uma
escola onde não haja ninguém habitando tal lugar, tão pouco se concebe um
distrito policial para policiar e por ordem em ninguém. Se tais equipamentos
existiam em Baixa Verde já em 1892 como poderia o distrito ser deserto em 1900?
Para Cascudo foi o trabalho de construção da Estrada de Ferro Central do
Rio Grande do Norte “que fez permanecer em “Matas” uma turma de ‘cassacos’ e a ‘parada’,
inaugurada em 1910, dentro de um simples vagão, consagrou a estabilidade da
povoação iniciada” CASCUDO, 2002, p.196, aspas internas do original).
É inegável que a inauguração da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do
Norte no território de Baixa Verde trouxe impulso econômico e social para o
lugar, contribuindo para seu crescimento urbano, como ocorreu nas demais
cidades e lugares por onde os trilhos da mesma ferrovia atingiram. Porém, não
consigo crer que não havia nada em Baixa Verde quando da chegada dos trilhos.
É praticamente impossível pensar que uma empresa privada despenderia
capitais e empregados para construir uma estação ferroviária num lugar onde não
teria pessoas e produtos para o trem transportar apenas com a firme esperança
de que em breve o local estaria densamente povoado.
Outro detalhe é o nome da estação. A estação foi inaugurada com o nome de
Baixa Verde, ora se o local chamava-se Matas por qual razão a estação foi
inaugurada como Baixa Verde? Não há razão para crer numa mudança toponímica em
tão breve tempo, sendo que para mudança oficial de nome teria que ser feito por
lei municipal, coisa que nunca se verificou.
O fato de não haver casas próximo a estação ou a linha não indica a
ausência de habitantes do lugar. Por questão de segurança o traçado da linha
sempre procurava passar por fora da zona urbana, quando isso era possível. Veja
a estação precedente a Baixa Verde que foi Taipu em 1907, construída fora da zona
urbana, cerca de 1 km da Vila, a estação foi aos poucos sendo ‘absorvida’ pelas
construções no seu entorno.
Era assim em todos os outros lugares por onde passaram ferrovias.
Naturalmente as construções iriam sendo erguidas mais próximas da estação e as
margens da linha até se tornar zona urbana onde antes não era.
Ainda para Câmara Cascudo
foi o delegado da empresa construtora da EFCRGN que fixando residência ali
lançou os fundamentos da futura vila, dando-lhe alinhamento residencial [ordem
no traçado urbano], “construindo a capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens em
1915, policiamento, transformando o tumultuoso acampamento de trabalhadores
ferroviários num esboço de povoação clara, limpa, relativamente confortável”
(CASCUDO, 2002, p.197, grifo nosso). Tal delegado da empresa era segundo Câmara
Cascudo o engenheiro Antônio Proença. Entretanto não há registros de que
Antônio Proença era de fato engenheiro, já seu irmão João Proença, um dos
diretores da empresa encarregada da construção do trecho Taipu-Caicó da EFCRGN,
sim era engenheiro.
Sabe-se que foi Antônio Proença que permaneceu em Baixa Verde coordenando
os trabalho de construção e não João Proença. Teria Cascudo se confundido com os
nomes e profissões dos referidos irmãos Proença?
Outro possível equivoco de Cascudo é
dizer que o policiamento teria chegado a Baixa Verde após a inauguração da
ferrovia ali, ora como visto anteriormente o subdistrito policial de Baixa
Verde já era citado desde 1893 na divisão policial do Rio Grande do Norte,
sendo nomeados para tal subdistrito um subdelegado e dois suplentes.
Segue Câmara Cascudo
dizendo a respeito de gênese do município de João Câmara que “havia em Taipu
uma BAIXA VERDE cujo nome foi transportado para Matas, substituindo-o. ‘Baixa
Verde’ de Taipu praticamente desapareceu pela mudança de seus moradores para a
outra que estava nascendo” (CASCUDO, 2002, p.197, aspas internas do original).
Outra confusão geográfica. Consultando
moradores antigos de Taipu (alguns com
mais de 80 anos) estes nunca conseguiram mencionar uma Baixa Verde em Taipu que
não fosse onde hoje é a cidade de João Câmara. Não há nenhum indicio de tal
localidade em território de Taipu ou Poço Branco.
O distrito de Baixa Verde fora criado em 1892 e era o mais distante do
município junto com o de Barreto (atualmente município de Bento Fernandes),
estes dois distritos eram a parte do território de Taipu que mais sofriam pelas
consequências das secas periódicas, posto estarem já em região semiárida a
oeste da sede municipal, ou seja, da Vila de Taipu.
A região de Baixa Verde e Barreto sempre lutou pelo acesso a água potável
para sua subsistência que como visto anteriormente em 1889 fora construído um
açude em Baixa Verde por uma comissão formada no município de Ceará-Mirim, que
este açude era um dos dois açudes existentes no município de Taipu em 1895
sendo o de Baixa Verde o que em bom estado se apresentava visto que o da Vila
de Taipu havia sido parcialmente destruído pela enchente daquele ano. Não há
razões para crer que houvesse uma Baixa Verde em Taipu que fora transportada
pelo êxodo de seus habitantes para “Matas” cuja localização nunca se teve
noticia ou registro em documento oficial.
Vê-se que houve uma confusão geográfica. Se o distrito de Baixa Verde foi
criado em 1892 por lei municipal da Intendência de Taipu, sendo a este
município integrado, por qual motivo teria a mesma Intendência criado outro
distrito como nome idêntico? Ficando assim dois distritos homônimos e surgindo
um terceiro pela transmigração de uma Baixa Verde para Matas.
Há no município de Taipu vários distritos com o topônimo Arisco, o qual
para distinguir uns dos outros foram colocados acréscimos, assim tem-se Arisco
dos Barbosas, Arisco dos Cassianos e Arisco da Gameleira. Outrora no próprio no
nome do município foram feitos acréscimos para facilitar a distinção. Taipu
Grande, Taipu do Meio, Taipu de Fora, todas três localidades distintas.
Se houvesse dois distritos com o nome de Baixa Verde, a razão lógica
pediria para se distinguir uma da outra (Baixa Verde Grande, Baixa Pequena,
Baixa Verde de Dentro, Baixa Verde de Fora, etc), no entanto isso nunca
ocorreu.
A Enciclopédia dos Municípios, publicada pelo IBGE em 1958 assim define a
origem do município de João Câmara (ex Baixa Verde):
Com o prolongamento dos
trilhos da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, que atingiu o
território do município em 1910, começaram a surgir as primeiras casas no local
onde hoje está situada a cidade de João Câmara (ENCICLOPÉDIA..., 1958, p.79).Sem
menção a Matas.
Entre 1920 e 1925 diz Câmara Cascudo que Baixa Verde “ ficara uma Vila
moderna,citada com orgulho pela população que se adensava ao derredor”
(CASCUDO, 2002, p.197). A “César o que é de Cesar”, diz o adágio bíblico,
denotando justiça.Sobre essa afirmação de Cascudo citada a cima, não há o que
contestar, somente admitir a verdade do dito.
Adiante trataremos especificamente da estrada de ferro em Baixa Verde.
________________
Referências
A REPÚBLICA, Natal, 1890, 1892.
A UNIÃO, Rio de Janeiro, 1926.
ALMANAQUE ADMINISTRATIVO, COMERCIAL E
INDUSTRIAL DO RIO DE JANEIRO, 1915.
Arquivo Nacional.
BRASIL. RELATÓRIO DO MINISTÉRIO DE VIAÇÃO E
OBRAS PÚBLICAS, 1921.
CÂMARA, Anfilóquio. Cenários municipais,
Natal, 1943.
CASCUDO, Luis da Câmara. Nomes da Terra, Sebo
Vermelho, Natal: 2002.
GAZETA DO NATAL, Natal, 1889
IBGE, Censo Demográfico, Rio de
Janeiro, 1940. Disponível em PDF.
______, Enciclopédia dos Municípios
Brasileiros, vol. 17 municípios do Rio Grande Norte e Paraíba. Verbete João
Câmara. Rio de Janeiro: 1958
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 1923.
JORNAL DO COMÉRCIO, Rio de Janeiro, 1915.
MENSAGEM DO GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO NORTE PARA O ANO DE, 1893, 1896, 1900,1905, 1906,
1907, 1926, 1928,
O ESTADO, Natal, 1894.
O IMPARCIAL, Rio de Janeiro, 1928.
O JORNAL, Rio de Janeiro, 1925, 1928.
O PAIZ, Rio de Janeiro, 1928.
Sinopse Estatística do Estado do Rio Grande do Norte. Departamento Estadual de Estatística do Rio Grande do Norte. Volume 1937. Recife: Oficinas Gráficas da Empresa Jornal do Comércio, 1938.
[1] A época a Intendência
municipal correspondia a uma única instituição administrativa, assim, não havia
distinção entre Prefeitura e Câmara de vereadores como o é atualmente. Nas
eleições o mais votado geralmente assumia o cargo de Intendente, com função administrativa,
os demais eram igualmente intendentes, só que com função legislativa. A
intendência funcionava num mesmo prédio, o cargo era de 2 anos para todos, sem
remuneração. Em 1892 o município de Taipu tinha 325 eleitores dos quais elegiam
7 membros para a Intendência.
[2] Doravante sempre que nos
referir a estes documentos o faremos com a abreviação MENSAGEM... seguida do
ano corresponde ao referido documento.
[3] Cada légua corresponde a 6 km,
assim, eram percorridos cerca de 16,8 km por essas pessoas citadas no relatório
em busca de água para o consumo.
[4] Vila Nova é atualmente a
cidade e município de Pedro Velho.
[5] Ao ser construída a capela de
Nossa Senhora Mãe dos Homens pertencia ao território da paróquia de Nossa
Senhora do Livramento de Taipu criada pelo decreto diocesano de 18/04/1913 de
Dom Antônio Joaquim de Almeida, permanecido nessa condição até 13/11/1929
quando foi criada a paróquia de Nossa Senhora Mãe dos Homens com território
desmembrado da paróquia de Taipu por meio de decreto diocesano de dom Marcolino
Esmeraldo de Souza Dantas. As proporções da primeira capela de Baixa Verde era
de 11 metros de comprimento, 3 metros a menos que a matriz de Taipu a época. Na
década de 1930 começa a construção da nova igreja matriz de Baixa Verde, a
capela que fora elevada a condição de matriz é novamente revertida em capela,
sendo atualmente a capela de Nossa Senhora de Fátima, preservando sua
configuração arquitetônica original, sendo inclusive, um dos monumentos
históricos da cidade de João Câmara.
[6] Boa Cica é atualmente distrito
de Touros.
[7] Cada cadeira equivalia a um
ano letivo escolar como atualmente.
[8] Derivada do latim a palavra
ônibus (onminibus = para todos) ainda
não havia sido aportuguesada em 1928 como se viu na grafia do referido jornal
da qual deixamos como tal a vimos por mera curiosidade linguística.
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