segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A HISTÓRIA DA ESTRADA DE FERRO EM BAIXA VERDE


A chegada da ferrovia ao território do distrito de Baixa Verde foi inegavelmente o divisor de águas de sua existência. Há Baixa Verde antes e depois da estrada de ferro. Sendo assim, vamos a ela nos dedica a partir de agora.
A ferrovia em questão é a Estrada de Ferro Central do rio Grande do Norte, inaugurada em 13/06/1906 cujo  projeto pretendia ligar o porto de Natal ao sertão potiguar estendendo seus trilhos da capital até a cidade de Caicó.
Em 15/11/1907 a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte chegava ao território do município de Taipu com a inauguração da estação da Vila do Taipu e da parada da Pitombeira.
Até 20/08/1908 a EFCRN esteve sob administração federal.O processo da concorrência foi aberto pelo edital de 14 /05/1908 cuja finalidade pretendia atrair empresas interessadas em continuar a construção da ferrovia.
Por meio do Decreto Nº 7.074, de 20 de Agosto de 1908 foi autorizado o contrato da construção do trecho da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte compreendido entre Taipu e Caicó.
O artigo único do referido decreto dizia que “fica o Ministro da Indústria, Viação e Obras Publicas autorizado a contratar com Luiz Soares de Gouvêa a construção do trecho da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, compreendido entre Taipu e Caicó”. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2018).
Já o Decreto Nº 7.164, de 5 de Novembro de 1908 transferia para a razão social Proença & Gouvêa o contrato de construção do trecho da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, compreendido entre Taipu e Caicó.
O Presidente da República havia assim atendido ao que requereu Luiz Soares de Gouvêa, contratante da construção desse trecho da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte.
Foi então baixado o Decreto Nº 7.186, de 19 de NOVEMBRO de 1908 pelo qual o Governo Federal contratava com a razão social Proença & Gouvêa o arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte.
Ficava assim contratado com a razão social Proença & Gouvêa o arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, desde o seu ponto inicial, na cidade de Natal, até o terminal do trecho compreendido entre Taipu e Caicó.
Dentre as Cláusulas a que se referia o decreto n. 7186, estava o arrendamento feito pelo prazo de 60 anos, a contar da data da assinatura do contrato e teria por objeto:
     a) a estrada de ferro atualmente em trafego entre Natal e Taipu, com os seus respectivos 56 km;
     b) as respectivas estações, escritórios, armazéns, depósitos e mais edifícios e dependências da estrada;
     c) os novos trechos constituídos á medida que forem sendo entregues ao trafego, compreendidos entre Taipu e Caicó, do qual  tratava o decreto n. 7074, de 20 de agosto de 1908.
O DECRETO nº 9.172, de 4 de dezembro de 1911 autorizava a revisão dos contratos de 15 de outubro de 1908 e 20 de março de 1909 para a construção e o arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte segundo o projeto de 1905, de modo a estabelecer a ligação com a rede de Viação Férrea do Ceará,

Dentre as cláusulas a que se referia o decreto n. 9.172, estava    o arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, até aquela data em trafego entre Natal e Baixa Verde, com o desenvolvimento de 84 km, com as respectivas estações, escritórios, armazéns, depósitos e demais edifícios e dependências da estrada.
Constava também o arrendamento dos novos trechos construídos á medida que forem sendo entregues ao trafego, compreendidos entre a estação de Baixa Verde e a cidade de Milagres, no Estado do Ceará, passando por Lajes e Caicó e o ramal de Lajes a Macau.
A revisão do traçado no trecho compreendido entre Lajes e Caicó, adotando a diretriz mais conveniente, subordinada ás condições técnicas.  
Previa ainda a conclusão da construção das obras já aprovadas para a estação inicial e mais dependências em Natal; do trecho de Natal a Igapó, compreendendo a ponte sobre o rio Potengi, dos trechos de Baixa Verde a Lajes e de Lajes a Caicó; assim como das obras novas necessárias ao melhoramento das condições técnicas e completo acabamento do trecho em trafego entre Natal e Taipu e substituição do material fixo nesse trecho.A construção do prolongamento de Caicó a Milagres e do ramal de Lajes a Macau.
O Decreto nº 8.765, de 31 de Maio de 1911 transferia para a Companhia de Viação e Construções os contratos de 15 de outubro de 1908 e 20 de março de 1909, para construção e arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, conjuntamente a caução de 50:000$000.
Atendendo ao que requereu João Proença, cessionário de Proença & Couvêa, contratante da construção e arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, ficando deste modo a mencionada companhia subrogada em todos os direitos e obrigações decorrentes dos referidos contratos.
Já o Decreto nº 14.136, de 10 de Abril de 1920 declarava rescindido o contrato de construção e arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, a que se refere o decreto n. 9.172, de 4 de dezembro de 1911.
Tendo em vista a exposição de motivos que lhe foi apresentada pelo ministro da, Viação e Obras Publicas, relativamente á execução do contracio firmado em 18 de dezembro de 1911 com a Companhia de Viação e Construções, para a construção c arrendamento da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, decretava resolvida a rescisão do contrato de arrendamento e construção da Estrado de Ferro Central do Rio Grande do Norte firmado em 18 de dezembro de 1911 com a Companhia do Viação e Construções, e a que se referia o decreto n. 9.172, de 4 do mesmo mês.
Feita a rescisão, o Governo pagaria á Companhia de Viação e Construções a indemnização de 4.248:855$300 (quatro mil duzentos e, quarenta e oito contos oitocentos e cinquenta e cinco mil e trezentos réis) por lucros cessantes das construções: a importância das medições dos trabalhos executados e ainda não incluídos em medição; a importância relativa ao valor dos materiais, ferramentas, instalações utilizaveis, quer do trafego, quer da construção, pertencentes á, companhia: bem assim restituirá, não só a importância de 2.828:361$139 (dois mil oitocentos e vinte e oito contos trezentos e sessenta e um mil cento e trinta a nove réis) correspondente á parte do capital reconhecido pelo Governo e ainda não amortizada, como a caução que se achar em deposito no Tesouro para garantia da execução do contrato.
     Pelo decreto a Companhia de Viação e Construções suspenderia desde já os serviços de construção e desistiria de, quaisquer reclamações passadas, presentes ou futuras, concernentes aos contratos vigentes, declarando-se plenamente quite e satisfeita com os recebimentos dado pelo Governo.
A Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte passaria á administração do Governo, ficando subordinada á Inspetoria Federal das Estradas a partir de então.
O projeto de atingir a cidade de Caicó nunca foi realizado, ficando a ponta dos trilhos até a cidade de São Rafael.
A mudança do traçado, as secas periódicas, a falta de pessoal para trabalhar na construção, foram alguns do fatores alegados pela Companhia para não avançar na construção da ferrovia.
Em 1939 ocorreu a fusão da Estrada de Ferro com a Estrada de Ferro Natal a Nova Cruz, encampada pelo Governo terminado o contrato de arrendamento com GWBR. Em 1950 a EFCRN passa a se chamar Estrada de Ferro Sampaio Correia.
A ferrovia chegou a ter 380 km de extensão divididos em 3 grandes seções. O tronco principal entre Natal e Lajes, o ramal de Lajes a Macau e o ramal de Lajes a São Rafael, suprimido este na década de 1960, terminando assim na cidade de Angicos.
A EFCRN percorria 13 cidades e inúmeras localidades ao longo da via, partindo de Natal atingia Extremoz, Ceará-Mirim, Taipu, Baixa Verde, Pedra Preta, Lajes, Fernando Pedroza 9ex São Romão), Angicos, São Rafael, Pedro Avelino (ex Epitácio Pessoa e Demétrios Lemos), Afonso Bezerra e Macau.Foi responsável pelo crescimento e desenvolvimento econômico dessas cidades.
De construção longa cuja o final só ocorreu em 1962 com a inauguração da estação de Macau, ao longo de sua existência alternou sua administração entre a iniciativa priva e o Governo Federal.
Além do transporte de passageiros, a EFCRN transportava as riquezas cultivadas ao longo do seu traçado, como a produção canavieira no vale do Ceára-Mirim, minerais como cimento, argila, mármores, granito, gado, algodão, cereais, madeiras entre outras nas demais zonas sertão adentro e o sal extraído na região salineira, sobretudo de Macau.
Exercendo a função social de socorrer em tempos de calamidade pública, a EFCRN transportava água retirada da lagoa de Extremoz conduzindo as cidades atingidas pelas secas prolongadas como Baixa Verde, Pedra Preta, Pedro Avelino, Lajes, Angicos.
O transporte de passageiros foi oferecido até 1979, já o transporte de cargas durou até 1997 quando o ramal Natal-Macau foi desativado, desde então não trafega mais trens pela ferrovia.

A inauguração da estação de Baixa Verde
         O distrito de Baixa Verde pertencia ao município Taipu a época da chegada da ferrovia.O município de Taipu tinha em 1910 cerca de 12.000 habitantes, a maioria vivendo em sítios e fazendas, a vila e sede municipal pouco mais de 1.200 moradores.Eram os maiores núcleos populacionais o distrito de Baixa Verde, Poço Branco, Gameleira, Boa Vista, Contador.
       O traçado da ferrovia que pretendia atingir o sertão potiguar até a cidade de Caicó passava além de Taipu pelo distrito de Baixa Verde.
       Eis como se deu a inauguração da estação ferroviária do distrito de Baixa Verde.
Na edição do dia 22/09/1910 do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro se lia que tinha sido autorizada a abertura da estação de Baixa Verde (JORNAL DO COMÉRCIO, 22/09/1910, p.1)
         Sobre a inauguração da estação do distrito de Baixa Verde assim o jornal A República descreveu a solenidade (A REPÚBLICA, 13/10/1910, P.1):
         As 07h30 da manhã partia desta cidade [Natal] o trem inaugural conduzindo alem do Dr. Alberto Maranhão, governador do Estado, Drs. Costa Junior e Décio Fonseca, engenheiro-chefe e subchefe da firma construtora e comissão fiscal do Governo, composta pelos Drs. Veras, Benevides, Cartaxo, grande número de convidados, representando esta folha o nosso companheiro Dr. Salomão Filgueira.
         No Ceará-mirim o trem recebeu ainda muitos excusionistas, chegando a Baixa Verde, a estação a ser inaugurada as 11h15 ao espocar de uma grande girândola de foguetes.
         No trecho inaugurado o trem se deteve várias vezes, a fim de serem admirados os trabalhos realizados ao longo da linha que são numerosos.
         A obra de arte mais importante do trecho é a ponte sobre o rio Ceará-Mirim com cinco vãos de 30 metros cada um, formando um vão total de 150 metros.Os encontros e o pilares são construídos de alvenaria ordinária rejuntada,sendo de cantaria os capeamentos e pedras de viga.Na altura de 6 metros está assentada a superestrutura metelica.
         Existe ainda no trecho inaugural uma ponte de 8 metros sobre o rio Bravo, 2 pontilhões sobre os riachos Carrapicho e Samambaia e 37 bueiros todos construídos de pedras e dois açudes que foram construídos ao longo da linha,sendo que o situado em Melancias tem bastante água.
         Cerca do meio-dia, num galpão rústico, armado a beira da estrada foi servido um opíparo banquete aos convidados.
         Au champagne[1], ergueu-se o dr Sá e Benevides, da comissão fiscal e declarou inaugurada a estação de Baixa Verde.
         O discurso do Dr. Benevides foi entusiástico, salientando o esforço da firma construtora em prol do progresso riograndense e a sábia orientação dos políticos de nossa terra Drs. Alberto Maranhão e Tavares de Lyra, aos quais saudou.
         O Dr. Alberto Maranhão pronunciou em seguida eloquente palavras de aplausos aos engenheiros da Estrada  de Ferro Central.
         Foram erguidos vários brindes, do Dr. Virgilio Bandeira aos Drs. Alberto Maranhão e Tavares de Lyra, do Dr. Décio Fonseca agradecendo em nome da empresa, Dr. Alfredo Arduini, ao Dr. João Proença, etc.
         O trem, terminado o almoço, regressou a estação da Coroa onde chegou as 17h30.
         Era grande a concorrência do povo em Baixa Verde,, notando-se geral contentamento pela inauguração.
         O trem inaugural achava-se festivamente ornamentado, sendo puxado pela grande locomotiva com velocidade de 15 quilometros por hora.
         A empresa pretendia inaugurar em dezembro, mas um grande trecho da ferrovia.
         Estava, pois, inaugurado o trecho entre Taipu e Baixa Verde elevando-se a 83,554 km a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, sendo 56 km entre Natal e Taipu e 27 km entre Taipu e Baixa e Verde.

Provisória ou definitiva?
         Os relatos históricos dizem que a estação de Baixa Verde foi inaugurada de forma provisória como no relatório do Ministério Da Viação e Obras Públicas que dizia em 1911 que “foi, provisoriamente inaugurada em 12 de outubro de 1910 a estação de Baixa Verde, ainda não concluída, situada no quilometro 83.554 de Natal e na cota 62 metros”. (BRASIL, 1911, p.58).
Há quem diga ainda que a estação funcionava em uma vagão, no entanto, é estranho o relatório contradizer o relato do jornal A República, quando houve uma solenidade na qual esteve presente altas autoridades, inclusive o governador do estado, com um trem especial sendo destinado ao evento para se inaugurar um vagão que serviria de estação provisória.

Repercussão da inauguração
Além do jornal local A República a inauguração da estação ferroviária de Baixa Verde também ecoou em outros jornais, com ocorreu na pequena nota do Jornal do Comércio (RJ) que assim noticiou a inauguração da estação de Baixa Verde: “presente o engenheiro fiscal da Estrada de Ferro e altos funcionários, foi inaugurada hoje a estação de Baixa Verde, cerca de 50 quilômetros da linha. Foram muito aclamados os nomes dos Sr. Presidente da República, Ministro da Viação e  Governador do Estado.A população está satisfeitíssima” (JORNAL DO COMÉRCIO, 13/10/1910, p.2).
Já a nota do jornal o Paiz foi a seguinte: “Natal, 13, Foi ontem inaugurado um trecho  de 50 quilômetros da ferrovia Central do Rio Grande do Norte, até Baixa Verde, compreendendo uma grande ponte sobre o rio Ceará-Mirim.Estiveram presente o governador e grande número de convidados” (O PAIZ, 14/10/1910, p.4). Na verdade foram 28,600 km inaugurados e não os 50 km relatados no jornal.
Em 1912 haviam sido construídos mais 17,300 km entre Baixa Verde e Cardoso construindo-se ali uma parada.

Ainda sobre a estação
A estação de Baixa Verde mede 14m de largura por 18m de comprimento. A plataforma tem uma extensão de 34 metros. Construída em estilo chalé, com telhado duas águas com caimento em alpendre sobre o vão da plataforma de embarque e desembarque. As portas e janelas apresentam-se em estilo arqueado.
Em suas dependências físicas ficavam a agência, bilheteria, telegrafo, escritório administrativo, alojamento de funcionários, armazéns. Separado do corpo da estação foi construído mais outro armazém na década de 1940.
Havia o transporte de passageiros e de cargas, sendo Baixa Verde um entreposto regional de mercadorias, sobretudo do algodão nas décadas de 1930/1940.
Os trens de passageiros faziam o percurso Baixa Verde-Natal as segundas, quartas e sextas e o percurso inverso as terças, quintas e sábados. Havia ainda o trem que transportava passageiros para Lajes e São Rafael, estação terminal da ferrovia até 1964 quando foi desativado o ramal São Rafael-Angicos. Com a abertura do ramal Lajes-Macau em 1962 havia também transporte de passageiros para aquela cidade terminal do ramal.
O trafego de transporte de passageiros foi aberto logo após a inauguração da estação e durou até 1979 quando o serviço foi desativado.
         O transporte de cargas durou até 1997 quando o ramal foi desativado, desde então não circulam mais trens pelo trecho ferroviário.
         A estação ferroviária de Baixa Verde é um símbolo histórico da atual cidade de João Câmara.
                                 Estação Ferroviária de João Câmara (ex Baixa Verde)


Estação de João Câmara, 2015.Fonte: João Batista dos Santos.

Estação de João Câmara, 2015.Fonte: Google Earth.

Estação de João Câmara, 1953.Fonte: acervo IAPHAAC.

Estação de João Câmara, 1986.Fonte: jornal o Poti.
Estação de João Câmara,2015.Fonte: Google Earth.


Fachada da Estação de João Câmara, 2015.Fonte: João Batista dos Santos.

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Referências
CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2018
JORNAL DO COMÉRCIO, Rio de Janeiro, 1910.
A REPÚBLICA, Natal, 1910.
BRASIL, Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas, Rio de Janeiro, 1911
O PAIZ, 14/10/1910




[1] A palavra champagne de origem francesa ainda não havia sido aportuguesada.

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