quinta-feira, 15 de novembro de 2018

TAIPU À ÉPOCA DA CHEGADA DA FERROVIA



   Quando ocorreu a emancipação política em 10/03/1891 Taipu tinha 2.709 habitantes e uma extensão territorial de 942 km². Em 1907 a estimativa da população era de 4.000 habitantes.

                 Mapa do município de Taipu em 1900 
Fonte: elaborado pelo autor com base cartográfica do IBGE.
     O mapa a cima mostra a configuração territorial do município de Taipu em 1900.
  Era um município grande em extensão, porém pouco povoado. A maioria da população vivia mais nos sítios e fazendas do que na zona urbana que era ainda uma pequena povoação.
   Com a emancipação a povoação foi elevada a categoria de vila com a denominação de Vila do Taipu, situada na margem sul do rio Ceará-Mirim. Faziam parte do município as povoações de Poço Branco (atual município), Barreto (atual Bento Fernandes-RN), Gameleira, Contador, Boa Vista, Pitombeira e Passagem Funda.
  Os dados estatísticos, históricos e geográficos e outras informações oficiais sobre o município de Taipu relativas ao ano de 1906 eram insuficientes pela falta de informações precisas e seguras.
    A economia estava baseada na agricultura onde a produção agrícola era transportava de Natal, Ceará-Mirim e Macaíba, tinha pouco movimento comercial, importando apenas pequenas quantidades de mercadorias necessárias ao consumo e aos hábitos modestos da sua população.As culturas cultivadas eram algodão, mandioca, milho e feijão.
    Segundo o relatório do governo do estado de 1906 havia no município de Taipu 20 casas comerciais todas de pequeno giro, tinha ainda 7 máquinas de descaroçar algodão sendo quatro movidas a vapor, onde nos anos favoráveis a safra podia ser calculada em 4 mil sacos de lã (RELATÓRIO, 1906, p. 39). O transporte das mercadorias era feito por animais.
    Sobre a população o citado relatório dizia que eram muito empobrecidos e quase abandonados em consequência da última seca (Op. Cit., 1906, p. 39).
    Não encontramos nos relatórios oficiais do governo do estado informações sobre a quantidade de habitantes do município de Taipu no período da chegada da ferrovia a Taipu, no entanto, o Almanaque Administrativo, Comercial e Industrial do Rio de Janeiro para o ano de 1906 apontou uma população estimada em 4.000 (ALMANAQUE..., 1906, p.2.123).Os mesmos números seriam apresentados pela referida publicação entre os anos de 1908 e 1911 devendo ser repetição dos números anteriores por falta de dados atualizados.

                      Aspectos da cidade de Taipu
O centro de Taipu em 1964. Teresinha Dias da Silva, 1965.

A feira e o mercado de Taipu.Arquivo das irmãs do ICM,1964.

Aspecto de Taipu em dias de festa.Arquivo das irmãs do ICM, 1969.

Aspecto da rua principal de Taipu na década de 1950.Acervo do autor.

Antiga matriz e centro de Taipu em 1956.Arquivo da paróquia de Taipu.

    Já em 1912 a população do município foi estimada em 10.000 habitantes.
  Em 1918 o Almanaque Administrativo, Comercial e Industrial do Rio de Janeiro apresentava dados relevantes sobre Taipu.
    Segundo o referido almanaque, o município de Taipu tinha a superfície de 2.160 km²; sendo o clima  descrito como quente saudável e tinha como distritos: Baixa Verde e Boa Vista; já os povoados existentes eram Baixa Verde, Boa Vista, Poço Branco, Contador e Gameleira (ALMANAQUE, 1918, p.3627).
    No ano de 1918 a sede municipal tinha 173 casas e 1.038 habitantes.
     Até 29/10/1928 o município de Taipu tinha 2 estações ferroviárias e 2 paradas.As estações eram a da Vila (sede municipal) e a do distrito de Baixa Verde, inaugurada em 12/10/1910; já as paradas eram as de Pitombeira, inaugurada em 15/11/1907 e a de Melancias, inaugurada em 1919.
    E assim temos uma noção de como se caracterizava o município de Taipu à época da chegada da estrada de ferro em seu território.

               Aspectos de Taipu atualmente


                                                                Centro de Taipu, 2008.Acervo do autor.

Localização do município de Taipu.Wikipédia, 2015.
           O município de Taipu está situado a 56 km de distância de Natal fazendo parte da Região do Mato Grande, conta atualmente uma área de 352 km² e 12.398 habitantes.

______________________
  
Fonte: Almanaque Administrativo, Industrial e Comercial do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,1906,1910,1918.Relatórios do governador do estado do Rio Grande do Norte, 1906. IBGE, 2018.

CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE TAIPU




Como era costume, as estações eram construídas fora do perímetro urbano das cidades ou vilas por onde passava a ferrovia. Em Taipu isso também ocorreu, a estação foi construída fora da zona urbana e com o tempo o espaço no entorno da estação foi preenchido pela urbanização.
As estações e prédios ferroviários eram de modo geral construções de formas simples e tímidas em suas primitivas construções, só a partir do final do século XIX que passaram a ser construída com maior imponência.
Nas cidades as estações tinham um bloco central, onde ficava a bilheteria, a sala de espera, a residência do chefe ou do agente e o telégrafo.
As paradas intermediárias tinham formas bem mais simples, geralmente com apenas uma sala e um pequeno armazém.
            Fachada da estação de Taipu
Fonte: do autor, 2012.

    A estação ferroviária de Taipu está situada na Travessa Geraldo Lins, 280, no centro de Taipu e no km 56 da EFCRGN. 

Engenheiro José Luis Batista diretor da EFCRGN
A Gare, 1922,p.35.
O engenheiro José Luis Batista era o chefe da comissão construtora da EFCRGN em 1907 e responsável pela construção do trecho entre Itapassaroca em Ceará-Mirim e Taipu, sendo ele também o construtor da estação ferroviária de Taipu.
Mede 14m de largura e 18,5m de comprimento. É um edifício construído em alvenaria e concreto, fundações sobre rocha, telhado em duas águas terminando em alpendre. O telhado é coberto por telhas francesas.
As portas e janelas da fachada são retas, já as janelas de ambas as laterais são arqueadas. Possui plataforma externa alinhada aos trilhos que servia de embarque e desembarque de passageiros.
Internamente o edifício é composto por salas administrativas, agência, bilheteria e alojamento de funcionários. Tem um quintal com uma cisterna.
    Face leste da estação ferroviária de Taipu
João Batista dos Santos, 2013.
A imagem a cima mostra a face leste da estação de Taipu.Era a visão que os passageiros tinham ao chegar a cidade vindos de Natal, Ceará-Mirim  e Extremoz.
Contíguo ao corpo do edifício está o armazém onde se colocavam os produtos que eram embaraçados nos trens.
A estação de Taipu assim como as demais estações ferroviárias da EFCRGN foi pintada nas cores preta, branca e amarela, característicos dos edifícios públicos federais.
Era classificada como uma estação de pequeno porte de classificação 4.As estações eram classificadas em grande porte (1), médio porte (2), intermediária (3), pequeno porte (4) e as paradas que recebiam classificação 5.
Face oeste da estação ferroviária de Taipu
João Batista dos Santos, 2012.
Na imagem a cima a face oeste da estação de Taipu.Era essa a visão dos passageiros que chegavam a cidade vindos do sertão, Macau, Lajes, e João Câmara.Em 1997 a parte da plataforma desse lado foi removida para o asfaltamento da rua principal da cidade.
Até 1910 a estação ferroviária de Taipu foi ponta de linha da EFCRGN, ou seja, era onde os trens pernoitavam para retornar a Natal no dia seguinte e realizavam-se as manobras no pátio da estação.
Aspectos da estação ferroviária de Taipu
João Batista dos Santos, 2012.
João Batista dos Santos,  2018.


A INAUGURAÇÃO DA ESTAÇÃO DE TAIPU



A inauguração de uma estação ferroviária era um evento de grande importância para o lugar. Era um dia de festa. Depois de ter o sonho alimentado de ver em seu território os trilhos da ferrovia Taipu enfim a veriam a inauguração de sua estação.
Nestas ocasiões grandes as festa eram regadas a fogos de artifícios, banda de música e discursos políticos (que não podiam faltar), além de banquetes para convidados especiais.
    E foi assim em Taipu quando em 15/11/1907 o trem chegava a vila para inaugurar a estação ferroviária trazendo nele uma numerosa comitiva composta entre outras autoridades pelo governador do estado, seu secretariado e a imprensa para registrar o fato e dá ciência do ocorrido.
    A inauguração da estação de Taipu foi destaque nos jornais locais Diário do Natal e A República.Além destes, outros jornais de circulação nacional também destacaram a inauguração da estação de Taipu como o Estado de São Paulo na sua edição de 16/11/1907.
    Eis como o jornal Diário de Natal destacou as festividades da inauguração da estação ferroviária de Taipu.
A comitiva
A comitiva encabeçada pelo governador do estado Antônio de Melo e Souza partiu às 10h da manhã da estação da Coroa em Natal, no qual tomaram passagem além de distintas famílias, cavalheiros e representantes da imprensa, secretários de governo e ajudante de ordens, a banda de música do Batalhão de Segurança o engenheiro José Luiz Batista, engenheiro chefe da EFCRGN e demais auxiliares da construção da linha.
A comitiva partiu em direção a Ceará-Mirim e daí rumo a Taipu para a solenidade de inauguração da estação ferroviária da Vila de Taipu.
Em Ceará-Mirim tomaram o trem muitas distintas famílias, autoridades e cavalheiros daquela localidade (A REPÚBLICA, 16/11/1907, p. 1), durante a viagem a banda de música do Batalhão de Segurança tocou constantemente para animar a viagem. A comitiva saiu de Ceará-Mirim às 11h30min e depois de alguns atrasos chegou à vila de Taipu depois do meio-dia.

A inauguração da estação
Na plataforma da estação da Vila do Taipu aguardava a chegada do trem o pessoal técnico da EFCRGN e uma compacta multidão que prorrompeu em vivas e aclamações a comissão construtora e a comitiva do governador que acabara de chegar. Segundo o jornal Diário do Natal “era imensa a alegria, a satisfação que se notava em todo aquele povo” (DIÁRIO DO NATAL, 17/11/1907 p. 1).
Já dentro da estação ferroviária o engenheiro José Luiz Batista, engenheiro chefe da comissão da construção da EFCRGN, proferindo um brilhante discurso, declarou inaugurada a estação de Taipu e agradeceu a presença do governador do estado e aos demais convidados àquela festa do trabalho. (DIÁRIO DO NATAL, 17/11/1907 p. 1).Estava assim inaugurada oficialmente a estação ferroviária da Vila do Taipu.
Por sua vez o governador, em seu discurso mostrou-se satisfeito com o que vira e enalteceu os esforços e a competência da comissão construtora da EFCRGN, cujos trabalhos honravam a engenharia brasileira.
As 12h30 foi servido um lanche a todos os convidados. Depois do lanche os convidados percorreram a Villa. O governador foi recebido pelo intendente o cel. Manoel Eugênio de Andrade. 
Dentre as expressões do orador local foi destacada uma que entusiasmou o povo e a comissão (DIÁRIO DO NATAL, 19/11/1907, p.1): “Senhores, os reverendos serviços da comissão de engenheiros é uma cousa dita e feita, por cima de pau, por cima de pedras, do diabo enfim! Muito que bem”.
Apesar do tom jocoso a fala do intendente deixa transparecer a alegria pelo acontecimento realizado naquele dia em Taipu que doravante mudaria significativamente o destino do município.As 14h30 o trem deu sinal de partida para Natal. À saída o povo prorrompeu em vivas a comissão, à Taipu etc.
     A partir daquele dia a Vila passaria a contar com este novo meio de transporte, símbolo da modernidade e do progresso que se almejava transpor para a cidade estas duas realidades trazidas pelo trem, ou seja, a modernidade e o progresso.
No jornal A República
       Já o jornal A Republica destacou sobre a inauguração da estação ferroviária de Taipu que “não podia haver melhor comemoração para o dia da República que essa grandiosa festa” (A REPÚBLICA, 16/11/1907, p. 1) se referindo ao fato de que a inauguração da estação de Taipu se deu no mesmo dia em que se comemorava a Proclamação da República. Ainda segundo o referido jornal as populações marginais à linha compareceram em massa à cerimônia da inauguração da estação.
Mas o maior destaque encontrado no jornal A República é o fato de o trem inaugural ter sido puxado pela locomotiva ‘TAIPU’ que era uma poderosa locomotiva americana tipo Baldwin construída em julho daquele ano, com todos os aperfeiçoamentos necessários para fazer a primeira viagem (A REPÚBLICA, 16/11/1907, p. 1).

                       Locomotivas nº 2 da EFSC
Fonte: IAPHACC, 1955.
A locomotiva que trouxe o trem inaugural da estação de Taipu era semelhante a que se vê na imagem a cima.
A locomotiva portou-se admiravelmente, como pode se verificar ao ver o trem subir a toda velocidade a grande rampa da Aldeia Velha (Igapó). A viagem da Coroa até Ceará-Mirim durou cerca de 53 minutos.
Ao passar o trem na povoação de Boa Vista onde foi construída uma parada no engenho Pitombeira, no km 52 e inaugurada no mesmo dia soltaram-se muitas girândolas (Op. Cit.). 
Ainda segundo o relato do jornal A República (16/11/1907, p. 1): “Em Taipu a bonita estação toda acabada de fresco, com uma arquitetura sóbria, mas elegante, apresentava boa ornamentação a que dava vida a aglomeração de povo [...]”.Eis a mais antiga descrição da estação ferroviária de Taipu.
Já nos diversos salões da estação haviam sido preparadas mesas de doces e numa delas tomaram parte as altas autoridades do Estado e da EFCRGN.
Na ocasião o intendente, o coronel Manoel Eugênio tomou a frente e por entre o espocar de foguetes aclamou entusiasticamente o Governador do Estado, o senador Pedro Velho e a comissão de engenheiros.
    Dentre os discursos e saudações se destacaram os que foram feitos pelo engenheiro José Luiz Batista, congratulando-se com o Estado pela inauguração do novo trecho.
 O governador Antônio de Melo e Souza agradeceu mais esse melhoramento que viria aumentar os meios de defesa contra a seca e salientou a boa impressão que lhe causara a perfeição da construção da nova linha que venceu enormes dificuldades durante a construção.
Já o discurso do engenheiro Leite Junior enalteceu os méritos do engenheiro Sampaio Correia, iniciador da construção da EFCRGN. Depois, a comitiva espalhou-se pela Vila. O governador Antônio de Melo e Souza visitou a Casa da Câmara, onde foi recebido pelo coronel Manoel Eugênio servindo-se abundante copo de cerveja.
Na partida o trem inaugural foi aclamado por toda a população do Taipu, que estava apinhada na estação, onde se ouviram vivas entusiásticos a República, ao governador do Estado, ao senador Pedro Velho, a. Augusto Tavares de Lyra, a Alberto Maranhão e a comissão de engenheiros (A REPÚBLICA, 16/11/1907, p. 1).

 Largo da Estação ferroviária de Taipu em 1964
Acervo do autor,1964.

     A imagem a cima mostra o largo da estação ferroviária de Taipu no ano de 1964 sendo esta uma das imagens mais antigas da estação de Taipu.
A inauguração da estação ferroviária de Taipu foi um acontecimento festivo como vimos nos dois relatos dos jornais locais. A presença de uma “compacta multidão” dá a noção de que foi um ato solene revestido de grande importância para a Vila do Taipu.
Com a inauguração da estação ferroviária a pequena Vila do Taipu sairia de seu isolamento geográfico e se interligaria a Ceará-Mirim, Extremoz e Natal por meio dessa ferrovia, conferindo novos tempos e significados a população local que passaria se utilizar dos serviços da EFCRGRN.
De fato um novo tempo se instalou em Taipu com a chegada da ferrovia. O município foi posto literalmente nos mapas oficiais por se tratar de uma obra do governo federal. Os trens ditariam doravante o ritmo da vida, os afazeres seriam realizados antes ou depois da passagem dos trens. Como cantou poeticamente Milton Nascimento “a plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar”.

A repercussão da inauguração da estação ferroviária de Taipu

     A inauguração da estação de Taipu repercutiu em diversos jornais da época, tanto de circulação local como de circulação nacional. Tratava-se de uma obra do governo federal, a época o único meio de se fazer propaganda era por meio da imprensa, por isso se dava especial importância a acontecimentos como a inauguração de um trecho ferroviário.
  Correspondências oficiais entre autoridades políticas também foram registradas a respeito da inauguração da estação ferroviária de Taipu como as que se seguem.
A propósito da inauguração do trafego até Taipu realizada no dia 15/11/1907 o Governador Antônio de Melo e Souza recebeu o seguinte telegrama do Ministro da Justiça Tavares de Lyra (A REPÚBLICA, 20/11/1907, p.2):
        Rio, 18
   Grata comunicação telegrama abraço afetuosamente distinto amigo que tão dignamente preside destinos Rio Grande do Norte pela inauguração da estação Taipu na estrada de ferro central, velha, legitima aspiração nossos conterrâneos. Cordiais saudações. Tavares de Lyra, ministro da justiça.
E assim estava registrado mais uma nota a respeito da inauguração da estação de Taipu que como se tratava de uma obra do governo federal deveria ter notoriedade a nível local, estadual e nacional.
Note-se que o ministro da justiça é o potiguar Tavares de Lyra que assumiu o ministério logo após a inauguração da EFCRGN a convite do presidente Afonso Pena.
     O jornal O Século do Rio de Janeiro publicou em sua edição do dia 16/11/1907 o seguinte teor (O SÉCULO, 16/11/1907, p.1):
Natal, 15
Com a presença do governador do estado, muitas famílias desta capital e do Ceará-Mirim, representantes do comércio, da lavoura e da imprensa, o Dr. José Luiz inaugurou ontem a estação de Taipu, ficando assim em trafego de 56 km da estrada de ferro Central do Estado.
Foi um resumo da inauguração da estação de Taipu.
No jornal do Brasil a inauguração da estação de Taipu foi citada na edição do dia 14/01/1908 (JORNAL DO BRASIL, 14/01/1908, p.4).
Já no jornal O Estado de São Paulo a inauguração da estação de Taipu foi citada na edição do dia 16/11/1907.
A época essas pequenas notas jornalísticas talvez passassem despercebidas aos leitores, hoje a simples menção ao nome de Taipu se constitui numa importante fonte de informação sobre o acontecimento da inauguração da estação ferroviária de Taipu.

              A estação de Taipu

João Batista dos Santos, 2012.


João Batista dos Santos, 2015.


quarta-feira, 14 de novembro de 2018

O JOVEM QUE LUTOU COM UMA ONÇA EM PARAZINHO



       Essa é daquelas histórias de arregalar os olhos e que foi registrada pelo jornal Diário da Noite que tratava da luta do jovem Francisco Guilherme Ferreira teve com uma onça nas matas da Serra Verde em Parazinho.
       O agricultor Francisco Guilherme Ferreira foi  tratado pelo jornal Diário da Noite como o herói da Serra Verde em cujas matas lutou com uma onça, e se não a venceu, ao menos não se deixou abater pela “pintada”.
       O caso do homem atacado pela fera naquela região vizinha a Parazinho ofereceu lances dramáticos narrados pelo próprio protagonista aos jornais que foram ao seu encontro no hospital para saber os detalhes dessa aventura no meio das matas do Mato Grande. Vejamos.
O protagonista
       O protagonista dessa aventura foi Francisco Guilherme Ferreira, um jovem de 24 anos a época, era natural de Parazinho, caboclo discreto e sobrevivia como jornaleiro. A narrativa
       As primeiras perguntas feitas a Francisco Guilherme dirigidas pelos jornalistas do Diário da Noite foram qual era a onça? e quantos eram os caçadores?
       -Devia ser a “pintada”, respondeu Francisco Guilerme, porque no seu entender, a “outra” não seria capaz de tê-lo deixado vivo.
       Com ele estavam mais 4 homens que haviam saído para caçar em noite alta pelo mato a dentro.
       Por volta de 01h00 da madrugada estavam todos de tocaia a espera do bicho e as armas por certo não falhariam.
       No local a caça era abundante variadas.Só não havia mocós onde não existia serrotes, os veados eram comuns e até porco do mato aparecia com gosto.
       - Nós 4 ficamos por ali “marombando”, disse Francico Guilherme, cada qual no seu ponto esclhido a cerca de 50 braças de distância do lugar onde os bichos teriam que ficar.
       -depois adormecemos, prosseguiu na narrativa Francisco Guilherme,sem que a principio pressentisse,notei que alguma coisa estranha me pisava os peitos enfiando as unhas pelo pescoço.
       Não tive dúvida. Ainda meio adormecido, tonto de sono, como se costuma dizer, lancei mão de uma pequena faca que conduzia e gritei: “pra quem for lá vai faca”...
       Na escuridão não me foi fácil divisar o tamanho da bicha... vi que tinha pulado de cima de mim e corrido. Corrido, rosando, bravia...
       Gritei pelos companheiros. Chegaram os três.Contei-lhes o sucedido.Ficaram de olhos arregalados, surpreso e amedrontados.Nem mesmo tiveram coragem aquelas horas de penetrar as tocaias.Estava ferido.Meia légua, a mais estaria em Parazinho onde vivo.Sou solteiro e não tenho pais.É um vidão a solta, relatou Francisco Guilherme.

                             Onça pintada

Os primeiros socorros
       Passei em casa de seu Abel também morador em Serra Verde e repeti entre os companheiros o ocorrido.Fui salvo quaser por um milagre, disse Francisco Guilherme.Seu Abel passou-me água pelos pescoço,pra não haver sangue, e assim fui ter ao rancho onde me agasalhei.
   Logo nas primeiras horas do dia seguinte muitos trabalhadores junto com Francisco Guilherme fora a pisada da onça e lá encontram ainda os rastros da “bicha” no mato fechado e pingos de sangue pela areia.Francisco Guilherme não havia errado a mão em ferir o animal.
       -Os dias foram correndo. Eu ia ficando  meio amoletado para o trabalho, preguicento mesmo e o pescoço inchado, quase a não poder engolir bocado..Aconselharam-me que viesse ao hospital.Persistir em não sair de lá.Novos conselhos,novos pedidos.E o pescoço a inchar cada vez mais.não fiz questão.Vim.Estou aqui desde o dia 11.
Francisco Guilherme foi imediatamente examinado e fizeram-lhe curativos nos ferimentos que ficaram quase cicatrizadas durante a internação.
Francisco Guilerme mostrou as feridas aos jornalistas e estes constaram: “De fato, em forma de V, cujos vértices se dirigem para a região anti-lateral do pescoço, na direção da carótida, são de observarem-se, claramente, as escoriações sofridas pelo herói da tragédia de Parazinho”.
Ficou internado no Hospital Juvino Barreto em Natal desde o dia 11 até 25/03/1930.
       Parazinho está a 111 km de distância de Natal, na região do Mato Grande e tem uma população de 5 215 habitantes.

                     Localização da Parazinho


Fonte: Diário da Noite, 02/04/1930, p.3.



segunda-feira, 12 de novembro de 2018

A EPOPEIA DOS AVIADORES ARTURO FERRARIN E CARLO DEL PRETE



Prolegômenos
      Em 2018 se comemora os 90 anos do feito histórico realizado pelos aviadores italianos Carlo Del Prette e Arturo Ferrarin da travessia (raid) entre Roma na Itália e Natal, no Rio Grande do Norte, Brasil em voo sem escalas.
      Eis nossa modesta contribuição nas comemorações do histórico acontecimento que muito engrandece a história da aviação mundial e a nacional assim como a história do Rio Grande do Norte.

Quem eram os aviadores?
Carlo Del Prette nasceu em Luca, na Itália no dia 21/08/1897 e começou sua carreira militar na Academia Naval de Livorno. Participou de algumas operações da Guerra da Líbia.
Na  I Guerra Mundial foi designado, pela Marinha Real no Adriático, primeiro para o navio de guerra Giulio Cesare, e depois para o explorador Aquila. Morreu no Rio de Janeiro 16/08/1928 aos 31 anos depois de intenso sofrimento em decorrência do acidente sofrido na baia da Guanabara com o segundo avião Savoia-Marchetti. 
                            Os aviadores italianos
Careta, 14/07/1928,p.16.
Ferrarin de terno e Del Prete o de uniforme militar.
Arturo Ferrarin nascido em Thiene a 13/02/1895. Tomou parte na Primeira Guerra Mundial como um artilheiro no corpo de aviadores. Foi condecorado veterano da Real Força Aérea Italiana durante a Primeira Guerra Mundial
Foi um aviador pioneiro e entre suas façanhas incluem-se a vitória na corrida aérea "Raid Roma-Tokyo" em 1920 e um voo direto da Itália para o Brasil em 1928 com o aviador Carlo Del Prete  que estabeleceu o recorde mundial de distância para um voo sem escalas.
Morreu em um acidente de avião em Guidonia Montecelio em 18/07/1941.

O raid aéreo Roma-Natal
Arturo Ferrarin e Carlo Del Prette realizaram um feito histórico na aviação ao fazer a travessia (raid) entre Roma e Natal, ou mais precisamente Roma a Touros no litoral norte potiguar.
Partiram no dia 03/07/1928 as 17h52 de Motecelio em Roma, capital da Itália e chegaram a praia e cidade de Touros, a 100 km de Natal, a capital do Rio Grande do Norte na região nordeste  do Brasil na madrugada do dia 05 seguinte a bordo do avião “Savoia S 6” de motor Fiat 500 HP que com carga completa de combustível pesava 6.543 kg.
     Uma viagem dificílima, sobretudo na primeira noite, com o tempo péssimo, vento violentos e uma densa cerração.
    Partiram do campo de Montecelio  para a gloriosa viagem Roma-Natal as 17h52.Passaram as 20h28 sobre o campo Fernando na Sardenha,as  05h07  do dia 04/07 em  Gibraltar,as 12h15 o Cabo Juby, as 12h50 Vila Cisnero e as 12h00 do dia 05/07 já estavam sobrevoando as costa brasileira.
    As 16h27 os aviadores sobrevoaram o porto de Natal seguindo para o sul recebendo a bordo um comunicado de boas vindas  do Embaixador da Itália via rádio as 18h18. Voltando para Natal por motivos das condições atmosféricas adversas desceram na capital potiguar as 18h46 tendo percorrido 7.188 km sem escala e batendo todos os recordes mundiais até então.
     No dia 05/07/1928 o avião o Savoia-Machetti pilotado pelos aviadores italianos Arturo Ferrarin e Carlo Del Prette aterrissou na praia de Touro, depois de haver evoluído cerca de 20 minutos sobre a capital potiguar, mas que devido as condições atmosféricas não permitiu aos pilotos avistarem o campo de pouso de Parnamirim, “aerplace da Latecoere”, forçando-os a se dirigirem para o norte onde a cerração era menor.
      Os pilotos conseguiram sobreviver a queda sem ferimentos e foram resgatados pela população local de Touros.Após alguns dias vieram para Natal onde foram recebidos como heróis por terem conseguido completar o percurso aéreo entre os dois continentes.

A estadia em Natal
Natal era a cidade estratégica para o avião em meados da década de 1920 quando a aviação comercial tomava impulso.Segundo consta no relatório do governador Juvenal Lamartine em 1928: “ nossa capital continua a ser o ponto preferido no continente sulamericano para a descida de aviões e hidroaviões que atravessam o Atlântico merecendo bem a denominação  de cais d a Europa que lhe deu o ministro Victor Konder”. (MENSAGENS DO GOVERNADOR DO RIO GRANDE DO NORTE PARA ASSEMBLÉIA, 1928, p.68)[1].
Após chegarem de Touros onde foram resgatados pelo povo daquela cidade os aviadores Ferrarin e Del Prette foram recebidos  pelo governador Juvenal Lamartine e o povo que os receberam  “com as mais justas e entusiásticas  demonstrações de apreço e de admiração” ”. (MENSAGENS..., 1928, p.68).
        Durante os dias que permaneceram em Natal os aviadores aproveitaram para fazer reparos no avião Savoia-Marchetti ancorado no rio Potengi, os aviadores foram hospedes do Estado e receberam além de outras manifestações o diploma de cidadãos natalenses.
      Ecoou dolorosamente em todo estado a noticia do acidente em que ficaram gravemente feridos os aviadores que experimentavam no Rio de Janeiro um novo aparelho Savoia-Marchetti. O povo norteriograndense acompanhou com vivo interesse, o tratamento dos aviadores e sentiu profundo abalo com a noticia da morte de Del Prette. (MENSAGENS..., 1928, p.68).

                              Chegada dos aviadores em Natal
Careta, 11/08/1928,p.12.

 Del Prette e Ferrarin entre o governador Juvenal Lamartine
Paratodos,1928,p.12.

         A chegada dos aviadores em Natal e sua recepção pelas altas autoridades e pelo povo. No centro o governador Juvenal Lamartine que recebeu oficialmente os dois pilotos como hospedes do estado do Rio Grande do Norte.

Del Prete e Ferrarin no Rio de Janeiro
       As imagens mostram aspectos dos aviadores Ferrarin e Del Pret no Rio de Janeiro.
         A chegadas dos aviadores italianos ao Campo dos Afonsos.


    Nas duas próximas imagens aspectos da assistência que receberam Ferrarin e Del Prete no hangar do Campo dos Afonsos.

     A seguir aspecto da chegada dos aviadores Ferrarin e Del Pret. Os aviadores italianos no momento da descida do avião em que completaram o raid transoceânico.





     Os aviadores em visita ao monumento erguido a Santos Dumont.

Careta, 11/08/1928,p.16.
     Ferrarin e Del Prete em visita ao túmulo de Augusto Severo, o aeronauta potiguar, morto em Paris em acidente com o balão Pax.
Revista da Semana, 1928,p.20.






O acidente com o Savoia-Marchetti e a morte de Del Prete
      Partindo de Natal os pilotos foram recebidos no Rio de Janeiro com todas as honrarias possíveis, inclusive sendo condecorados pelo presidente da república.Participaram de festas em homenagem ao feito realizado, viveram dias de glória, que no entanto foram de curtíssima duração devido a tragédia que ocorreu com os aviadores italianos.
     Estavam eles no Campo dos Afonsos na Ilha do Governador quando resolveram fazer uma demonstração com um novo avião batizado como Savoia-Marchetti 2 logo após participarem de um almoço em sua homenagem quando o avião caiu sobre as águas da baia da Guanabara.Estavam no avião além dos dois pilotos italianos o mecânica brasileiro.
    Nas imagens seguinte aspectos antes de acontecer o acidente com os aviadores.A inspeção no avião Savoia Marchetti 2 e no hangar do Campo dos Afonsos, respectivamente.

Careta, 18/08/1928,p.28

O avião mal começou o voo caiu de uma altura de cerca de 40 metros.Os socorros aos acidentados foram imediatos. Del Prete deu entrada no arsenal da marinha numa maca da Assistência.Apresentando a maior serenidade, disse ao entrar: “-tenho ambas as pernas quebradas’.E depois forte com, entusiasmo: -‘ Viva a Italia!”.

    Os dois aviadores eram muito amigos dos três que estavam no no avião, Del Prete foi o que mais sofreu.Teve contusões e escoriações generalizadas, fraturas em ambas as pernas.O mecânico brasileiro nada sofreu. Ferrarin teve alguns ferimentos.Os dois aviadores eram muitos amigos. Ferrarin,cujo estado era lisonjeiro após o acidente, indagava sempre pelo estado de Del Pretee exclamava várias vezes: “ Carlo, Carlo, pobre Carlo”.
    Del Prete logo no dia seguinte ao acidente, pediu a sagrada comunhão. Depois de tê-lo ouvido em confissão o monsenhor E. Lari ministrou o viático.

   Vitima de um acidente estúpido o aviador italiano teve os ossos das pernas rompidos pelo choque brutal, a gangrena invadiu-lhe o organismo, foi preciso fazer a amputação de um perna, mesmo assim não foi possível salvar sua vida vindo a falecer depois de grande sofrimento no leito da Casa de Saúde São Sebastião.
    Longe da pátria e da família, ele suportou os transes da sua longa agonia com uma serenidade extraordinária e constância inigualável.
   Del Prete era um homem modesto e humilde, nada o incomodava tanto (e incomodava a ponto de o fazer ruborizar-se) do que o elogio aos seus feitos arrojados, declinava sempre todas as homenagens para Ferrarin, o seu companheiro e amigo.


   Ecoou dolorosamente em todo estado a noticia do acidente em que ficaram gravemente feridos os aviadores que experimentavam no Rio de Janeiro um novo aparelho Savoia-Marchetti. O povo norteriograndense acompanhou com vivo interesse, o tratamento dos aviadores e sentiu profundo abalo com a noticia da morte de Del Prette. (MENSAGENS..., 1928, p.68).
     A imagem a baixo mostra o marujo e escoteiro Armando da Silva Magalhães que salvou Del Prete e Ferrarin dos escombros do avião nas águas da baia da Guanabara.
Careta, 18/08/1928,p.32.

    




[1] Doravante sempre que citarmos esse documento o faremos na foram abreviada “MENSAGENS...,”.