O
chefe de policia fez sua exposição no relatório do presidente da Provincia do
ano de 1878 apresentou a seguinte descrição da cadeia de Natal:
A cadeia
desta cidade tem mais ou menos a forma quadrangular; é sita na Cidade Alta.
É um
edifício onde mal penetra a luz tendo dois pavimentos, um térreo, dividido em três
compartimentos, um central, que serve de enxovia e dois calabouços laterais,
outro superior, onde está sala livre: é um lúgubre edifício, cujo interior
contrista e o exterior é uma campa dealhada em comparação com o interior que é
uma furna em que seres vivos se apodrecem maldizendo a sociedade que os
condenou a uma morte lenta em masmorra
infecta, repugnante e asquerosa; o ar é
insuficiente para a respiração dos sentenciados, a luz crepuscular que bruxuleia
na enxovia não aviventa a organização;o chão é frio, úmido e sórdido; os presos
fazem despejo d’água servida e urinam dentro da mesma enxovia, e o lixo e a
podridão saindo da cadeia pela fachada posterior se escoam pelo cano rampa a
baixo, formando um espojeiro, onde constantemente alguns porcos se regalam.
Dentro da mesma enxovia os detentos lavam carne e cozinham,
tudo ali é tétrico e medonho, tudo denuncia uma postergação da lei da higiene,
tudo diz que ali está um lugar em que a sociedades exerce a vendita, e não a mansão
de recolhimento e meditação em que a consciência do delinquente sob farpa dos
remorsos o regenera para entregá-lo de novo a comunhão social.
A prisão é comum, o sistema celular nunca foi aqui ensaiado,
o sistema misto a que alguns dão preferência, no regime penitenciário, nem ao
menos foi ainda lembrado, tudo é desanimador. Os sentenciados não tem espaço
para dormir, ficam ali ao conchegados como abelhas na colmeia.
Nota-se que indivíduos que entram para lá,fortes e
vigorosos,pouco tempo depois estão raquíticos, depauperados e macilentos com
uma palidez de morte.
As anemias, as febres miasmáticas, o beri-beri, as
bronquites, as disenterias, as hepatites, a tísica pulmonar e as hidropisias
são as moléstias mais frequentes ali.
Sabe-se a triste condição desses desgraçados, mas em nome da
civilização e humanidade é necessário
que não se poupem esforços para redimir estes infelizes,colocando-os em posição
em que o desespero não seque as lágrimas de arrependimento e eles possam sofrer
bendizendo as leis tutelares da sociedade, do cidadão que lhes deram
corrigindo-os [ ilegível] de resignarem-se.
E quando tudo for baldado e a penúria da província não
permita de sorte alguma a satisfação desse deve sagrado, espero e confio que
V.Exc., levando esse estado de coisas ao conhecimento do preclaro cidadão que
dirige dignamente o Ministério da Justiça,ele removerá parte desses desgraçados
para o presídio de Fernando de Noronha, onde eles possam ao menos ter ar puro e
salutar para respirar; é cruel o suplicio de Tântalo,morrer à falta d’água que
para mais excitar-se a sede, desliza-se em ondas cristalinas passando perto dos
lábios ressequidos,é mil vezes mais cruel morrer-se a falta de ar que Deus em
sua sabedoria providencial disseminou por toda a terra.
O ar da cadeia não se pode dizer que é confinado, porque se
o fora em menos de 24 horas de depois da convulsão da agonia exalariam o último
alento, lastrando a cadeia de cadáveres.
Há uma renovação imperfeita,mas levando muitos detentos em
número superior ao que a capacidade do lugar pode conter, o ambiente que
respiram não pode conter somente quatro milésimos de acido carbônico;conterá
esta gás deletério em proporção superior a prescrita, está carregada de
umidade, sem contudo tocar ao estado de saturação, que a tornaria irrespirável,
a atmosfera da cadeia está alem disso impregnada de substancias orgânicas arrastadas
pelo vapor d’água resultante não só da respiração do tegumento eutaneo como também
exalado pela respiração pulmonar.
Graças ao acaso que muitas vezes faz o papel de providente
no país, no compartimento inferior da cadeia, no lugar chamado enxovia, não há
janelas que hermeticamente fechada impossibilitem absolutamente a entrada de
ar; há grades de ferro que em nada tolhem a renovação constante,embora
insuficiente daquele ambiente escuro, frio úmido e lugugre.
Um homem precisa, regra geral, de dez metros cúbicos de ar
para respirar no espaço de um hora, entretanto, tendo mais ou menos a cadeia
quinze metros em suas três dimensões,
respiram ali 158 homens
Felizmente só as varões de ferro separam os detentos do ar
exterior.
Cada homem perde, pela evaporação cutânea e pulmonar,
sessenta gramas de liquido por hora, e, portanto 158 homes perderam 10.480
gramas ou 10 kilogramas e 480 gramas, avalie-se por ai como se deve estar úmido
constantemente o ar da cadeia.
Note-se ainda que há
diferentes focos de combustão na cadeia, bico de gás, candeias,fogo para
preparação de alimento e tudo isto rouba o elemento vivificante do ar dando-lhe
em troca um elemento deletério.O vapor d’agua suspenso naquela atmosfera tem em
suas moléculas substâncias orgânicas que concorrem para o abalo lento que se opera
na economia dos detentos que sobre outras
influencias maléficas,vão sofrendo graves alterações,que os tornam quase
desconhecidos em pouco tempo.
Estas substâncias que até se denunciam pelo cheiro
nauseante, sui generis, sob a ação inexplicável
de agentes ainda desconhecidos atacam as forças radicais da vida e mais uma
vitima vai repousar na valar solitária dos mortos.
Os presos doentes para serem tratados recolhem-se ao
hospital de caridade que de conformidade com o Regulamento das cadeias da província
art. 23 faz parte da mesma cadeia, e com quanto fiquem pela mesma disposição sob
vigilância do Chefe de Policia, torna-se esta difícil pela grande separação e
distancia em que esta se acha daquele.
A enfermaria dos presos é muito acanhada e mal arejada, regularmente não pode conter mais de seis presos, entretanto, já tem estado ali mais de 36.De dia ainda é menos cruciante o tormento, à noite fechada as janelas o calor excessivo , a falta de ar puro e a umidade transformam a enfermaria dos presos em um verdadeiro inferno.
MaL compreendo como é possível que se opera um tratamento em semelhantes condições.Ali a higiene é uma mentira, tudo inspira consternação e horror, somente os sentimentos humanitários de alguns empregados da casa suavizam as magoas dos desgraçados detentos.
Fazendo esta exposição espero que v. Exc., envidará tudo
para melhorar este estado de coisas. (RELATÓRIO..., 1878, p.50, a-9).
Algum melhoramento no prédio da cadeia de Natal só se
verificou em 1881 quando o presidente da província a fim de o colocar nas
devidas condições higiênicas, ordenara que alguns trabalhos fosse feitos no edifício
da cadeia da Capital. Além de caiar e pintar todo o edifício fez cimentar todo
o pavimento térreo, e neste fez construir um compartimento completamente
independente dos outros e destinado as mulheres.
No andar superior fez construir um grande salão perfeitamente
arejado, para servir aos trabalhos que ordinariamente se entregavam os presos,
e onde poderia funcionar uma escola para os mesmos presos, como era intenção
dele estabelecer.
Fez colocar no edifício 5 latrinas, sendo 3 no andar superior e 2 no andar térreo, munidas de sólidos canos de esgoto. (RELATÓRIO..., 1881, p.13).
Aspectos de Natal em 1904 vendo-se no canto a direita a antiga cadeia de Natal.
Fontes:
Relatório com que instalou
a Assembleia legislativa Provincial do Rio Grande do Norte no dia 04 de
dezembro de 1878 o 1º vice-presidente, o Exm. Sr. Manoel Januário Bezerra
Montenegro. Pernambuco: Tipografia do Jornal do Recife, 1879.
Relatório com que o Ex.
Sr.Dr. Alarico José Furtado passou no dia 20 de abril de 1882 a administração da Provincia do Rio Grande do Norte
ao Exm. Sr. 1º vice-presidente Dr. Matias Antonio da Fonseca [ilegível].Natal:
Tipografia do Correio do Natal, 1882.
Antiga cadeida de Natal em processo de demolição. |
Antiga cadeia de Natal em processo de demolição. |
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