Estava anunciada a visita do bispo diocesano de Olinda, Dom José Pereira da Silva Barros, a cidade de Ceará-Mirim para o dia 14/08/1882, antes, porém o bispo e comitiva passariam pela povoação de Estremoz. A época a então província do Rio Grande do Norte fazia parte do território da Diocese de Olinda.
O relato da passagem do prelado revela aspectos da povoação de Estremoz que a época figurava como distrito do município de Ceará-Mirim.
As
07h00 da manhã, partiu de Natal o bispo acompanhado do seu secretário e outros
cavalheiros, descendo para o Paço da Pátria, em cujo porto o presidente da
província já o esperava em sua galeota para ir levá-lo á margem oposta do rio,
donde deveria partir para Ceará-Mirim.
Como
chovia e para não adiar por alguns minutos a partida e não alterar o programa
de sua viagem, o bispo depois de agradecer as obsequidades dos cavalheiros que
o acompanharam até á Coroa, montou á cavalo que, era um verdadeiro palafren manso,
seguro, alvo e andador; partiu com a sua
comitiva.
Esta
compunha-se do seu secretario, do padre José Alexandre, vigário do Ceará-Mirim,
do médico Luiz Carlos Lins Wanderley ( autor do relato da referida visita
pastoral), de um criado particular, um pajem e um guia.
Á
pouca distância o aguaceiro recrudesceu e obrigou o bispo a tomar o seu capote
e o guarda chuva, e, sem mostrar a mais leve contrariedade, prosseguiu em sua
viagem, sempre alegre e comunicativo.
As
09h00 chegava a pequena comitiva á passagem da vila de Estremoz. Ai o foguete
do ar anunciou aos habitantes da pequena vila a aproximação do bispo e dentro
em pouco sucediam-se os cavaleiros que vieram ao encontro do viajante ilustre.
Já próximo da vila, o bispo desceu do seu cavalo e, rodeado de
povo, seguiu a pé e indo direto a Igreja de S. Miguel, que fazia parte do
antigo convento dos jesuítas.
Estremoz
O médico
Luis Carlos Lins Wanderley que fez parte da comitiva da visit pastoral e
testemunha ocular dos acontecimentos assim descreveu a vila de Estremoz:
A antiga vila de Guajiru,
hoje Estremoz, que foi sede da freguesia e que por lei provincial passou a
pertencer a paróquia do Ceará-Mirim, pode se considerada uma ruína, como é o
seu convento, a sua igreja a sua casa de câmara e tudo o mais. O povo ali é pobre e indolente. Vive
da pequena lavoura que lhe facilita um terreno ubérrimo e fertilíssimo. Ali não
ha nenhum comércio, nenhuma indústria, nenhuma arte. Um professor de 1ª letras,
um subdelegado e um inspetor de quarteirão são as potestades do lugar. Nem
sequer um capelão!
Continuando
seu relato, o citado autor escreveu ainda que o bispo perspicaz e atilado, compreendeu logo que se achava
no meio de um povo, feliz pela crença religiosa e desditoso pelo abandono á
própria inércia.
Em sucessivos atos, o bispo percorreu a Igreja,
revistando os altares e examinando o estado do convento; e depois de um substancial
almoço que lhe ofereceu o vigário, o Pe.
José Alexandre, cedeu ás instâncias do povo e administrou o sacramento do
crisma a 285 fiéis que de momento se apresentaram.
Aspectos de Estremoz em cartão postal de 1914 |
Por
fim o bispo dirigiu-lhes a palavra sagrada, animando-os em sua fé,
aconselhando-os em suas práticas, no amor ao trabalho e na devoção sincera ao
Deus verdadeiro, Filho da Virgem Maria.
De acordo com o médico Luiz Carlos Wanderley, o bispo era como um pai extremoso a conduzir pela mão um filho cego. E que prazer tão santo, que consolação tão doce, que expansão tão de dentro da alma não se difundia por todo aquele povo!.
Igreja de Estremoz em 1907. |
Os
seus benditos, as suas ladainhas, as suas jaculatórias, cantadas em coro pelas
mulheres; os seus arcos de parágrafos brancos, enfeitados de flores campesinas,
o seu embevecimento em contemplar a face do seu bispo, o seu afã em beijar lhe
o anel do pescador, eram as provas que lhe podia dar do seu muito amor e
respeito. Dava quanto tinha, e em retribuição o bispo lhe prodigalizava a mais
terna condescendência, o mais doce carinho. “Oh! só a religião do Cruxificado
sabe dispensar esses momentos de celestial ventura para aqueles que sofrem e creem”,
escreveu o citado autor.
Partida
ao Ceará-Mirim
Aproximando-se
a hora da partida e os cavaleiros iam chegando e agrupavam-se ao lado do
convento, onde o bispo passara as horas caniculares.
O
sino repicava e as mulheres cantavam seus benditos em coro pleno. As 14h30 bispo montou á cavalo e partiu, lançando sua
benção ao povo.
Segundo
o médico Luiz Carlos Lins Wanderley o caminho que ia de Estremoz ao Ceará-Mirim
era um deserto, em todo o rigor da expressão. Nem uma casa, nem uma palhoça,
nem um albergue qualquer. Eram 24 km de fastidiosa monotonia; nunca, porém, por
aquelas paragens atravessou tão grande número de cavaleiros em uma hora dada.
As turmas sucediam-se umas as outras, sem
interrupção. Eram como vagas oceânicas: não chegava uma sem a sequência de
outra. Segundo o médico Luiz Carlos Lins Wanderley 33 cavaleiros partiram de
Estremoz, e ao chegar ao Ceará-mirim contavam-se mais de 250.
Fonte:
Visita Episcopal do Exm. e
Rvm. Sr. D. José Pereira da Silva Barros
a algumas paróquias do Rio Grande do Norte por Luiz Carlos Lins Wanderley
doutor em Medicina e Cavaleiro da Ordem da Rosa. Natal: Tipografia do Correio do
Natal, 1882, p.22-26.
Dom José Pereira da Silva Barros. |
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