sábado, 5 de dezembro de 2020

IMPRESSÕES DE UMA VIAGEM DE TREM ENTRE NATAL E GUARABIRA EM 1905


         Em 1905 um cronista que se assinou apenas por suas iniciais J.B fez um relato de sua viagem por trem entre Natal e Guarabira e o publicou no jornal A República. O referido relato é interessante do ponto de vista histórico, pois é uma dos primeiros a ser feito após a ligação do ramal Guarabira a Nova Cruz com o trecho de Nova Cruz a Natal.

         Segundo o citado cronista “ao sair desta cidade [Natal] enquanto o trem, na serena impavidez da matéria a serviço do homem, me afastava  de lugares amados, eu via com mais afeto o que me caia sob os olhos, o rio que se distanciava, o viso das colinas que se apagavam, a linha azul do mar o fumo de lares onde palpitavam corações nascido, como eu, à margem do mesmo Rio. E o apito do trem era como um adeus dos  que partiam aos que ficavam-se na inércia insuportavelmente deliciosa da cidade querida.

         A direita, o rio lembrava uma fita azulada debruada de verde – os mangues imóveis; para os lados da Aldeia Velha, entre clareiras de roçados antigos, erguiam-se casebres toscos de campo felizes; na água, faiscante do brilho do sol radioso, cruzavam-se botes movidos pela força de remadores hercúleos; ao longe, muito longe, como branco lençol imóvel, a contrastar com as ondulações das vagas do mar, os morros [dunas] estendiam-se a perder de vista, despertando saudades e tristezas de países remotos, que se desenham na alma, sem que as saibamos definir.


Aspectos da Cidade Alta em Natal em 1906.Essa foi a vista que o cronista viu ao passear pela capital potiguar.

         Some-se o Potengi, desaparece a colina vermelha, onde está assentada a Cidade Alta, começam os longos tabuleiros arenosos, os morros cor de tijolo cozido, erguendo-se abruptamente de longe em longe, até que se chega a Pitimbu, em cujo vale ameno passa um rio de águas brandas, gemendo sonoroso ao pé de encostas verdejantes.


Aspectos do Porto de Natal em 1908.Essa foi a paisagem vista do rio Potengi pelo citado cronista ao passar por suas margens no trem da GWBR.

         Depois, é Cajupiranga, vale extenso, paludoso e fértil; São José, colocado num dos pontos mais elevados da Estrada de Ferro; o vale do Sapé, com a sua lagoa reclinada em pitorescas ondulações de terrenos fertilíssimos; Baldum, de onde se descortina Estiva, atapetada de relva tenra e abundante; Goianinha, com os seus tabuleiros áridos e longos, Penha [Canguaretama], afamada pela fertilidade de suas terras...



Aspectos de São José de Mipibu onde estava situada a estação de São José do Alto.



Aspectos de Goianinha.


Aspectos de Pedro Velho, a época da citada crônica se chamava Vila Nova, tendo ali uma estação inaugurada um ano antes em 1904.





Aspectos de Nova Cruz em 1922.

         Daí para cá - vê-se claramente – o solo é outro; de Montanhas a Nova Cruz, há muita coisa que lembra o sertão, ou antes, o trecho meio pedregoso que separa o agreste do sertão.

         Aqui, em Guarabira, estamos em pleno Brejo; as terras são de uma uberdade espantosa; e mesmo no alto das quebradas, fazem-se plantações, certos da colheita durante o estio que se aproxima.

Vendo-se os poucos trechos cultivados, sentimo-nos tomados de tristeza pelo abandono em que estão os nossos campos. Devíamos nos queixar mais da nossa indolência e falta de preparo agrícola do que da natureza. Povoada e cultivada essa prodigiosa zona daria par abastecer todos o sertão durante três anos de seca...

No trem, um agricultor, que foi negociante, lembrando os tempos fartos do comércio, deixava entrever o erro que cometera abandonando a sua antiga profissão pela do amanho do solo ingrato e feroz. Ouvindo-o, lembrava-me da sorte da agricultura entre nós, a braços com inúmeras dificuldades, sem outros recursos que o dinheiro fornecido a juro de 18% pelo mediador insaciável.

Entretanto, a natureza não podia ser mais prodiga; e é se viajando e comparando que se poderá ver o quanto seriamos felizes se...

Mas a vela está no fim e são onze horas da noite. O trem seguirá amanhã, as seis do dia... Boa Noite. Até a Paraíba.  J. B. (A REPÚBLICA, 31/07/1905, p.1).

O relato foi escrito em Guarabira em 28/07/1905.

Ainda de acordo com o citado cronista Guarabira era o mercado para onde convergiam os produtos “dessa riquíssima zona, de maneira que, com o prolongamento da estrada de ferro, será talvez dentro de poucos anos, a cidade mais importante da Paraíba”.

O cronista percorreu a cidade de Guarabira à noite “mas apesar do mau tempo, encontrei certa animação nas lojas, que são muitas, e que poderiam ser em maior número, segundo me informaram se houvesse prédios apropriados, precisando a cidade de novas construções, tal é o momento de expansão que atravessa”.

Para o cronista era pena que as ruas da cidade fossem tão desiguais e tortuosas, todas sem calçamento, de maneira que, dadas as condições da natureza do terreno em que estava encravada a cidade “é um martírio percorrê-la  nos dias de inverno, um martírio e um perigo, pois há poças onde, sem dúvida moram grandes monstros aquáticos, ou pelos menos excelentes pneumonias”.

A iluminação de Guarabira era péssima, segundo  o citado cronista e constava de escassos lampiões de querosene pregados de longe em longe no alto do frontispício das casas.

Segundo ele “ pelo que pude ver, a construção, além de desigual é pobre”. O mesmo dava-se com todas as casas de campo que o cronista viu e contemplou através da janela do trem que para ele era “defeito que nem sempre se pode atribuir a falta de recursos, mas sobretudo, a falta de gosto”.

    De Guarabira até a capital paraibana a paisagem continuava a ser deliciosa, disse o cronista. “Faz um bem estar indizível contemplar-se demoradamente esses campos verdes extensos, aqui e ali salpicados de campânulas azuis e cortados de pequenos brejos onde florescem aguapés, de onde voam, de quando em quando, em revoada cantante, bandos alegres de pássaros erradios felizes sob a neblina rarefeita, deixando ver tudo como através de um sonho acariciador”. (A REPÚBLICA, 14/08/1905, p.1).

Antes de chagar ao Entroncamento de onde partia o trem para o Recife, enquanto o de Nova Cruz seguia viagem para a Paraíba, o cronista observou junto a um conhecido que viera com ele desde Natal, os campos vazios de bois.





Aspectos de Guarabira-PB.










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