quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

SOBRE VILA NOVA DE CUITEZEIRAS RENASCIDA DAS CINZAS TAL QUAL UMA FÊNIX


         Um interessante relato foi publicado no jornal A República por um cronista (que devido a falha na digitalização do jornal não foi possível visualizar o nome), fala de como a antiga povoação de Cuitezeiras superou a tragédia de ter sido devastada pela enchente do rio Curimataú e renasceu tal como uma Fênix das cinzas para se tornar uma florescente vila com o nome de Vila Nova de Cuitezeiras, que é a atual cidade de Pedro Velho.

         O relato se reveste de importância para aquela cidade do agreste potiguar, pois o  cronista foi testemunha ocular do inicio da nascente Vila Nova, cujo o nome completo era Vila Nova de Cuitezeiras. Alguns outros pontos do relato foi prejudicado pela digitalização que dificultam a leitura, mas o essencial foi possível captar. É o que se segue.

A 13 de Maio de 1901, quando recebemos a aterradora noticia da inundação extraordinária do rio Curimataú, que em poucas horas submergiu o aniquilou quase toda a Villa de Cuitezeiras sentimos, a par da comiseração por uma população flagelada por terrível calamidade pública, o desgosto de ver assim morta do momento uma vilia com elementos bastantes de vida para tornar-se uma povoação florescente.

E de fato, Cuitezeiras desapareceu, quase sepultada no seu montão de minas, ficando somente de pé a Igreja, ou como um desafio à cólera dos elementos, ou como um atestado da fragilidade das habitações humanas.

Mas por um desses fenômenos naturais da transformação de todos os organismos, ou seja um individuo, ou seja uma cidade, da velha Cuitezeiras, estacionaria no seu progresso, surgiu uma nova que se destina talvez a ser um grande cidade

A clarividência e a força de vontade de um homem operou este milagre. O tenente-coronel Manuel Lopes Teixeira, o detentor das forças políticas da localidade, natureza de homem calmo, tenaz e refletido, naturalmente abnegado e propenso ao bem público, não se acabrunhou com a catástrofe  que privara a ele e a tantos outros dos seus bens e determinou-se a fundar uma nova povoação em lugar não só a salvamento de futuras inundações, como predisposto para um grande desenvolvimento.

Cerca de 3 km ao poente de Cuitezeiras, marginal a linha férrea, 1 km ao lado norte da parada de Curimatau existia uma chapadão elevado de 4 km² em mato grosso, de que ninguém se lembrava sequer para um sitio de plantar ou criar. Foi ali que o tenente-coronel Manoel Lopes resolveu edificar a Vila Nova de Cuitezeiras. Concebida a sua ideia, aceita por uns e repudiada por outros, teve logo acolhimento simpático do distinto juiz de direito da comarca Dr. Home de Siqueira, proprietário e morador em Cuitezeiras.

Apesar da escassez de recursos, uma febre de construção. Delinearam-se praças e ruas bem largas e bem orientadas, marcou-se o lugar do mercado, da igreja e do cemitério. Em poucos dias, o tenente-coronel Manoel Lopes elevou um Cruzeiro em frente ao que devia ser a entrada principal do povoado, como que convidando os povos a se abrigarem a sombra dos seus braços protetores.

Vieram os prédios do Dr. Homem de Siqueira, do coronel Fabrício Maranhão, do tenente-coronel Manoel Lopes, do major Claudino Delgado, do cap. Jerônimo Gonçalves Gilla, do Cp. Romualdo Ferreira da Silva, do cp. Alexandrino Martins Delgado, do cidadão Herculano Lacerda, do cidadão João Nunes de Castro e muitos outros cujos nomes me não ocorrem de momento.

A Vila Nova de Cuitezeiras ainda bem não estava edificada já se falava dela certo calor, como de uma coisa de existência bem definida e próspera a ponto de desperta-me a curiosidade de ir ver de perto uma povoação aparelhada em menos de dois anos em todas as condições de vida e desenvolvimento.

Fui, tive ensejo de recorrer a prestancia do coronel Manuel Lopes e a fortuna de confessar-me cativo a fidalguia da sua hospedagem, e eis que vi na Vila Nova de Cuitezeiras: um povoado com 185 casas quase todas de tijolo e telha, sendo 77 no antigo povoado de Curimataú e 108 na vila nova, formando a grande praça Dr. Pedro Velho, onde se acha  o Mercado Público, as ruas Fabrício Maranhão, Ferreira Chaves, D. Homem de Siqueira, Augusto Severo, Dr. Alberto Maranhão, Vigário Almeida e travessa Silva Jardim, todas iluminadas regulamente e com um começo de arborização, uma igreja em construção, estradas limpas, bem provida de água potável retirada não sé de cacimba de 20 e tantos palmos de profundidade como do rio Pequiri que corre perenemente a cerca de 2 km de distância , banhos esplêndidos no rio Pequiri e no riacho do Alecrim que fica a uns 3 km em imenso chapadão bastante elevado [... restante do texto ilegível].

A população é hospitaleira e boa.

Um dos embaraços que se tem oposto ao maior desenvolvimento da Vila Nova é a colocação da parada da Estrada de Ferro, em Curimataú, a quase 1 km do centro do povoado e da feira, dificultando  e encarecendo o transporte. O ano passado os habitantes propuseram a Great Western mudar a parada a sua custa para o ponto onde pode servir melhor a localidade, o ministro da viação autorizou a mudança, porém a Estrada de Ferro, não pode ou não quis ainda prontificar-se a efetuá-la. É de crer que agora a Great Western que se propõe a melhorar o seu serviço não demore em realizar uma providencia que se impõe no interesse de uma localidade de um futuro próspero e no seu próprio interesse porque aumentará o seu tráfego.

Ficam aqui consignadas as minhas impressões sobre Vila Nova de Cuitezeiras que considero um dos pontos de mais futuro dos situados a margem da linha férrea, um dos logradouros mais apropriados para quem quiser descansar um pouco das fadigas da capital.

Antes porém de terminar não posso deixar de referir-me ao Bosque, uma ourela de terreno que ainda está incorporado ao patrimônio municipal, porém sobre o qual o coronel Manuel Lopes já lançou os olhos para aproveitar a arborização pitoresca de quês está coberto a fim de convertê-lo num bosque que será um excelente logradouro público e um embelezamento de que atualmente não se dispõe nenhuma das cidades do Rio Grande do Norte.

Para se avaliar da salubridade de Vila Nova basta considerar que há 2 anos está povoada e ainda não morreu ali de morte natural sequer uma criança. Referiram-me uma interessante anedota.

Havia par ao lado dos Brejos um sujeito que aborrecido da existência e coberto de mazelas resolveu procurar a morte e escolheu Vila Nova para se dar a li o fatal trespasse. Mas a morte ainda não apoderou-se da vila. O individuo resolveu empregar toda sorte de armadilhas: noites em claro exposto a chuva, frutas comidas a toda hora, dias inteiros curtidos ao sol, estomago empanzinado, banhos extravagantes, nada disso tentou a cruel ceifeira. Desenganado que Vila Nova ainda não figurava na repartição central de passagem para o outro mundo o nosso homem disposto a morrer a todos transe não teve outro jeito  se não enforcar-se.

 

Fonte: A República, 11/03/1903, p.1.


                                          Aspectos  de Pedro Velho






Todas as imagens são do IBGE,1966.





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