Prolegômenos
Diz os ditados populares que quem
procura acha e colhe-se aquilo que se planta. A santa franciscana paciência dos
potiguares chegou ao limite com o descaso pela qual a GWBR vinha tendo pelo
trecho entre e Natal Nova Cruz naqueles idos de 1910.
É verdade que o trecho nunca fora um
primor de ferrovia, mas naquela época o trecho vinha sofrendo constantes
acidentes devido a má conservação da poderosa empresa inglesa que havia
arrendado o trecho desde 1902.
O estopim da revolta do povo potiguar
contra a GWBR foi o acidente ocorrido na descida de Pium em 23/11/1910 onde
morreram três funcionários da Companhia e causou uma grande comoção na
população devido a gravidade do sinistro tendo a imprensa local aproveitado o
acidente para evidenciar a precária situação do trecho entre Natal e Nova Cruz assim
como o descaso da administração da GWBR no referido trecho.
O Sr.Knox Little
Segundo
publicado no jornal A República para tomara conhecimento dos fatos ocorridos na
GWBR no trecho entre Nova Cruz e Natal, chegou a capital potiguar em 27/11/1910
em trem especial, o Sr.Knox Little, superintendente da seção Paraiba-Natal da
GWBR, enviando pela superintendência do Recife encarregado de entrar em
entendimento com o governador do Estado a respeito da situação o referido
trecho.
Logo que foi divulgada a noticia da
chegada do Sr. Knox começou-se a notar em certa parte da população um movimento
hostil a pessoa do engenheiro da GWBR, que via na pessoa do mesmo a
responsabilidade da GWBR por tudo quanto de anormal vinha ocorrendo em suas
linhas e igualmente da destruição do escasso material rodante existente na estação
de Natal.
O chefe de policia Domingos Carneiro
foi avisado de que se tramava algo contra a pessoa do Sr. Knox e descendo a
Ribeira, entendeu-se com o major João Fernandes de Almeida, delegado do
distrito, com ele se combinando as providencias necessárias de modo a fazer a
abortar qualquer perturbação da ordem. (A REPÚBLICA, 26 de Novembro de 1910,p.1).
O Sr. Knox ficou pernoitando no
vagão-leito em que viajava para a capital potiguar e como o vagão demorava
junto aos armazéns da GWBR,sem segurança de ordem alguma, o chefe de policia
foi entender-se com ele as 22h00, assegurando-lhe todas as garantias ao
material e a sua pessoa, ficando a área ocupada e as dependências da Estação de
Natal guardada por uma força da Guarda Policial, durante o resto da noite,sob a
responsabilidade do delegado João Fernandes.
Largo da estação da Ribeira em Natal inicio do século XX
As
04h00 da manhã o sr. Knox viajou para Pium, lugar do desastre ocorrido nos
últimos dias que antecederam a sua chegada a Natal, nada tendo ocorrido de
anormal, graças as acertadas e prontas providencias tomadas pelo chefe de
policia.
Naquele mesmo dia o sr. J. Knox Little,
representando o sr. A. T. Connor, superitendente da GWBR, conversou com o
governador Alberto Maranhão e declarou que a administraçaõ da empresa iria
providenciar imediatamente para fazer cessarem os inconveneites da atual
organização dos serviços na seção de Natal a Nova Cruz e que motivaram as
reclamações da população e da imprensa. (A REPÚBLICA, 26
de Novembro de 1910,p.1).
As providências da GWBR
Segundo as informações do sr. Knox
a GWBR tomaria as seguintes providências no trecho Natal a Nova Cruz (A REPÚBLICA, 26
de Novembro de 1910,p.1):
Os trens iriam ser aumentados de
núemros e reduzda a lotação dos comboios, de forma a poderem as locomotivas
galgar com facilidade todas as rampas.Os trens de passageiros especialmente
serão sempre leves, não conduzindo neles cargas além das bagangens e dos
gêneros de fácil deterioração.
A GWBR procraria aumentar o número
de carros de carga, de forma a não haver prejuizo para o comércio.
Seria reparado todo o material
fixo, sendo sustituidos os dormentes, trilhos, grampos e outros materiais
imprestaveis.
A GWBR se comprometia a aumentar o
número de máquinas, dentro de poucos meses, para poder organizar os serviços em
boas condições, não admitindo como máquinistas pessoas que não fossem de
competencia examinada.
A GWBR decretaria uma pensão
vitalicia as viúvas das vitimas do desastre ocorrido em Pium.
Conforme
publicado pelo jornal a República diante das medidas apresentadas pelo sr. Knox
em nome da GWBR onde o mesmo se responsabilizava pela execução das providências
apresentadas, restava aguardar com calma as medidas e reformas projetadas pela
administração da GWBR. (A REPÚBLICA, 26 de Novembro de 1910,p.1).
Estação de Natal em 1906
No entanto, o mesmo jornal dizia
que “devemos declarar que ficamos na estacada, na defesa dos legitimos
interesses dos nossos conterraneos e do nosso Estado.Precisamos fazer ver, sem
ódios e sem pretensões de especie alguma, que estamos cansados de sofrer o
abandono a que nos condenou a Great Western, fechando ouvidos às nossas
reclamações, enaqunto faz da seção do Rio G. do Norte o depósito de material
imprestável subsitituido de outors lugares onde, como dizem os seus agentes, se
sabe protestar de ‘modo decisivo’.Fomos e seremos sempre, contra esse modo [ilegivel...]
a que se curva a Great Western, e tão somente por isso ainda o não
aconselhamos, nem o aconselharemos jamais” (A REPÚBLICA, 26
de Novembro de 1910, p.1, o grifo é nosso).
Ironia do destino
Parece que por ironia do destino,
naquele mesmo dia ocorreu um novo descarrilmento na linha da GWBR.
Assim o engenheiro Knox pode
comprovar in loco que as reclamações
da imprensa e da população potiguar não eram propagandas negativas contra a
GWBR, mas sim resultado do péssimo estado de conservação do trecho em questão.
O protesto
Foram
distribuídos naquele dia 26/11/1910 (ninguém soube por quem, pois o jornal não
explicita) muitos boletins convidando a população da capital potiguar para uma
grande manifestação (a época chamado meeting)
em protesto contra a GWBR em virtude do desastre de Pium.
O evento foi marcado para as 17h30 na Avenida
Tavares de Lira, na Ribeira, onde se fez ouvir no mesmo vários oradores.
Segundo
publicado no jornal A República teve grande concorrência e animação o protesto
(meeting) realizado no dia 26/11/1910
em Natal, para protestar conta a GWBR, a propósito das graves irregularidades
verificadas por aquela época na seção de Natal a Nova Cruz. (A REPÚBLICA, 28 de
Novembro de 1910, p.1).
O
movimento ocorrido na capital potiguar “tinha verdadeiras raízes na grande alma
popular. O povo riograndense, cansado de sofrer a incúria e o desleixo da Great
Western, mostrou-se na altura do momento, merecendo gerais simpatias” disse o
referido jornal. (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).
Segundo
o jornal notou-se a calma e a ordem que reinou durante o ato realizado, quer
nos discursos dos oradores que se fizeram ouvir, quer na extraordinária massa
popular que se associou a manifestação. Para o jornal, a causa era justa e
merecia aplausos por parte da imprensa. (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).
Ainda
de acordo com o jornal A República a multidão aumentava a medida que ia
passando pelas ruas da Ribeira no itinerário proposto para o protesto e o Sr.
Knox que assistiu a passagem do prestito, da Estação da Great Western “deve ter
sentido, como todos, sentiram, que havia na manifestação de anteontem um grande
e justo sentimento de revolta que só as medidas lembradas por [...] Governador
do Estado poderão, se forem tomadas em tempo, acalmar e extinguir”. (A
REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).
Conforme
o referido jornal o protesto ocorreu sem os excessos condenáveis, sem os abusos
tão frequentes em ocasiões tais, desapaixonado e sincero, o movimento “impõe-se
a todos os espíritos como prova que é da nossa nobreza e sentimentos, do nosso
elevado grau de educação” (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).
Largo da estação da Ribeira
As
18h00 na Avenida Tavares e Lira, onde se reuniu a enorme multidão de pessoas de
todas as classes, deu-se inicio a manifestação, falando logo de inicio o Sr. Aristóteles
Costa, convidando o povo, para ir ao Palácio do Governo solicitar, por
intermédio do Governador Alberto Maranhão, enérgicas e imediatas providencias
do Ministro da Viação, contra as irregularidades denunciadas na GWBR.
Terminada
a fala de Aristóteles Costa, que foi geralmente aplaudido, organizou-se
numeroso préstito que, precedido da banda de música do Tiro Natalense, pôs-se
em marcha para o Palácio do Governo na Cidade Alta.
Ao
passar em frente ao prédio do jornal A Republica a multidão ali estacionou
entre calorosas aclamações ao jornal que se fez porta-voz das aspirações do
povo em favor das providências a serem tomadas pela GWBR. Ali falou o
secretário do referido jornal manifestando solidariedade do jornal A República
com a causa do povo riograndense justamente indignado em face do desleixo da
GWBR na seção do Rio Grande do Norte.
Em
seguida partiu o préstito em direção a avenida Junqueira Aires, fazendo ouvir
no Hotel Colombo,o deputado Joaquim Correia que proferiu vibrante discurso e na
Estação da Great Western, o dr. Domingos Carneiro, em nome do Sr. Knox Little.
Ainda
na Estação da GWBR Anfilóquio Câmara expôs ao Sr. Knox o motivo da
manifestação. (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).
Ainda o caso da Great Western
Ainda
sobre o caso das reclamações do povo potiguar contra a má administração do
trecho Natal a Nova Cruz escreveu certo Chantecler no mesmo jornal A República (A REPÚBLICA, 26 de Novembro de 1910, p.1).
Esse
caso da Great Western, que há dias preocupa o espírito público, é realmente
revoltante.Não sabemos por que a Administração da
poderosa Companhia inglesa tem um desprezo absoluto pela seção de Natal a Nova
Cruz. E nós sofremos as duras consequências desta estranha e inexplicada
aversão ao riograndense, com a santa paciência que é a nossa.
Quem paga, quer ser bem servido: a população
dos trechos atravessados pelos trilhos da Great, paga-lhe e demasiadamente bem,
para receber em troca um serviço ferroviário que parece mais uma tração de
brincadeira, para menino rir.
Toda a gente recorda-se, amargamente,
de alguns anos atrás, quando a Estrada não estava arrendada e tudo era feito a
contento geral.
mas,
vieram os ingleses e imediatamente tudo desandou.Tiraram o que havia de melhor
na seção e cada dia aumentam mais as tristes condições da linha destinada
somente a fornecer com fartura a algibeira do bife a esterlina e o bem-estar.
O material é o que pode desejar de melhor para
um... museu, com as suas locomotivas pré-históricas, com seus trilhos
ancestrais, e o pessoal, além de reduzido e mal remunerado, é vitima de perseguições
rancorosas, como as remoções frequentes por causa da última greve.
Pátio interno da estação de Natal em postal do inicio do século XX
onde vê-se o que parece ser locomotivas desmontadas
Quando
surge um desastre horrível como esse de Pium, é que nós vemos em toda a sua
revoltante realidade o pouco caso que nos liga a Great Western.Reclama-se
contra a tragédia e a Administração limita-se a mandar um funcionário para
explicá-la como se nós não estivéssemos perfeitamente inteirados das causas que
fulminaram os três párias do trem fatal.
Ninguém pediu informações.O que se
deseja é que a Estrada volte a ser oq eu foi, que o material seja bom, que os
comboios andem de acordo com os horários e que ninguém faça uma viagem neles
com esse suplicio atroz de hoje, que é o receio de ver a morte surgir de
repente, numa curva do caminho. A isso, os senhores britânicos, fazem,
rubicudos e com fleuma, ouvidos de mercador.Não há, porém, quem deseje estar na
pele deles quando a paciência de nossa gente chegar ao fim e a indignação
rebentar frenética e destruidora.
Encerrando...
Como
já dito no inicio a GWBR havia arrendado o trecho entre Natal e Nova Cruz com
seus 121 km de extensão em 1902 e segundo o contrato de arrendamento a empresa
britânica deveria fazer melhoramentos na via permanente do trecho que como se
vê nos relatos a cima não foram feitos a contento devido as constantes
reclamações da população cansada de ver acidentes e má gestão no trecho.
É fato, porém, que desde
sua inauguração em 28/09/1881, a Imperial Estrada de Ferro Natal a Nova Cruz
nunca dera lucro e quando foi arrendada ainda demonstrava sinais claros de prejuízos,
razão pela qual a GWBR pouco ou quase nada fazia para melhorar a situação.
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