quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

O DESCASO E OS ACIDENTES DA GREAT WESTERN GEROU PROTESTO DA POPULAÇÃO DE NATAL EM 1910



Prolegômenos
         Diz os ditados populares que quem procura acha e colhe-se aquilo que se planta. A santa franciscana paciência dos potiguares chegou ao limite com o descaso pela qual a GWBR vinha tendo pelo trecho entre e Natal Nova Cruz naqueles idos de 1910.
         É verdade que o trecho nunca fora um primor de ferrovia, mas naquela época o trecho vinha sofrendo constantes acidentes devido a má conservação da poderosa empresa inglesa que havia arrendado o trecho desde 1902.
         O estopim da revolta do povo potiguar contra a GWBR foi o acidente ocorrido na descida de Pium em 23/11/1910 onde morreram três funcionários da Companhia e causou uma grande comoção na população devido a gravidade do sinistro tendo a imprensa local aproveitado o acidente para evidenciar a precária situação do trecho entre Natal e Nova Cruz assim como o descaso da administração da GWBR no referido trecho.

O  Sr.Knox Little
Segundo publicado no jornal A República para tomara conhecimento dos fatos ocorridos na GWBR no trecho entre Nova Cruz e Natal, chegou a capital potiguar em 27/11/1910 em trem especial, o Sr.Knox Little, superintendente da seção Paraiba-Natal da GWBR, enviando pela superintendência do Recife encarregado de entrar em entendimento com o governador do Estado a respeito da situação o referido trecho.
         Logo que foi divulgada a noticia da chegada do Sr. Knox começou-se a notar em certa parte da população um movimento hostil a pessoa do engenheiro da GWBR, que via na pessoa do mesmo a responsabilidade da GWBR por tudo quanto de anormal vinha ocorrendo em suas linhas e igualmente da destruição do escasso material rodante existente na estação de Natal.
         O chefe de policia Domingos Carneiro foi avisado de que se tramava algo contra a pessoa do Sr. Knox e descendo a Ribeira, entendeu-se com o major João Fernandes de Almeida, delegado do distrito, com ele se combinando as providencias necessárias de modo a fazer a abortar qualquer perturbação da ordem. (A REPÚBLICA, 26 de Novembro de 1910,p.1).
         O Sr. Knox ficou pernoitando no vagão-leito em que viajava para a capital potiguar e como o vagão demorava junto aos armazéns da GWBR,sem segurança de ordem alguma, o chefe de policia foi entender-se com ele as 22h00, assegurando-lhe todas as garantias ao material e a sua pessoa, ficando a área ocupada e as dependências da Estação de Natal guardada por uma força da Guarda Policial, durante o resto da noite,sob a responsabilidade do delegado João Fernandes.
              Largo da estação da Ribeira em Natal inicio do século XX

       As 04h00 da manhã o sr. Knox viajou para Pium, lugar do desastre ocorrido nos últimos dias que antecederam a sua chegada a Natal, nada tendo ocorrido de anormal, graças as acertadas e prontas providencias tomadas pelo chefe de policia.
Naquele mesmo dia o sr. J. Knox Little, representando o sr. A. T. Connor, superitendente da GWBR, conversou com o governador Alberto Maranhão e declarou que a administraçaõ da empresa iria providenciar imediatamente para fazer cessarem os inconveneites da atual organização dos serviços na seção de Natal a Nova Cruz e que motivaram as reclamações da população e da imprensa. (A REPÚBLICA, 26 de Novembro de 1910,p.1).

As providências da GWBR
Segundo as informações do sr. Knox a GWBR tomaria as seguintes providências no trecho Natal a Nova Cruz (A REPÚBLICA, 26 de Novembro de 1910,p.1):
Os trens iriam ser aumentados de núemros e reduzda a lotação dos comboios, de forma a poderem as locomotivas galgar com facilidade todas as rampas.Os trens de passageiros especialmente serão sempre leves, não conduzindo neles cargas além das bagangens e dos gêneros de fácil deterioração.
A GWBR procraria aumentar o número de carros de carga, de forma a não haver prejuizo para o comércio.
Seria reparado todo o material fixo, sendo sustituidos os dormentes, trilhos, grampos e outros materiais imprestaveis.
A GWBR se comprometia a aumentar o número de máquinas, dentro de poucos meses, para poder organizar os serviços em boas condições, não admitindo como máquinistas pessoas que não fossem de competencia examinada.
A GWBR decretaria uma pensão vitalicia as viúvas das vitimas do desastre ocorrido em Pium.
         Conforme publicado pelo jornal a República diante das medidas apresentadas pelo sr. Knox em nome da GWBR onde o mesmo se responsabilizava pela execução das providências apresentadas, restava aguardar com calma as medidas e reformas projetadas pela administração da GWBR. (A REPÚBLICA, 26 de Novembro de 1910,p.1).

                                     Estação de Natal em 1906

No entanto, o mesmo jornal dizia que “devemos declarar que ficamos na estacada, na defesa dos legitimos interesses dos nossos conterraneos e do nosso Estado.Precisamos fazer ver, sem ódios e sem pretensões de especie alguma, que estamos cansados de sofrer o abandono a que nos condenou a Great Western, fechando ouvidos às nossas reclamações, enaqunto faz da seção do Rio G. do Norte o depósito de material imprestável subsitituido de outors lugares onde, como dizem os seus agentes, se sabe protestar de ‘modo decisivo’.Fomos e seremos sempre, contra esse modo [ilegivel...] a que se curva a Great Western, e tão somente por isso ainda o não aconselhamos, nem o aconselharemos jamais” (A REPÚBLICA, 26 de Novembro de 1910, p.1, o grifo é nosso).

Ironia do destino
Parece que por ironia do destino, naquele mesmo dia ocorreu um novo descarrilmento na linha da GWBR.
Assim o engenheiro Knox pode comprovar in loco que as reclamações da imprensa e da população potiguar não eram propagandas negativas contra a GWBR, mas sim resultado do péssimo estado de conservação do trecho em questão.

O protesto
         Foram distribuídos naquele dia 26/11/1910 (ninguém soube por quem, pois o jornal não explicita) muitos boletins convidando a população da capital potiguar para uma grande manifestação (a época chamado meeting) em protesto contra a GWBR em virtude do desastre de Pium.
         O evento foi marcado para as 17h30 na Avenida Tavares de Lira, na Ribeira, onde se fez ouvir no mesmo vários oradores.
Segundo publicado no jornal A República teve grande concorrência e animação o protesto (meeting) realizado no dia 26/11/1910 em Natal, para protestar conta a GWBR, a propósito das graves irregularidades verificadas por aquela época na seção de Natal a Nova Cruz. (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).
O movimento ocorrido na capital potiguar “tinha verdadeiras raízes na grande alma popular. O povo riograndense, cansado de sofrer a incúria e o desleixo da Great Western, mostrou-se na altura do momento, merecendo gerais simpatias” disse o referido jornal. (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).
Segundo o jornal notou-se a calma e a ordem que reinou durante o ato realizado, quer nos discursos dos oradores que se fizeram ouvir, quer na extraordinária massa popular que se associou a manifestação. Para o jornal, a causa era justa e merecia aplausos por parte da imprensa. (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).
Ainda de acordo com o jornal A República a multidão aumentava a medida que ia passando pelas ruas da Ribeira no itinerário proposto para o protesto e o Sr. Knox que assistiu a passagem do prestito, da Estação da Great Western “deve ter sentido, como todos, sentiram, que havia na manifestação de anteontem um grande e justo sentimento de revolta que só as medidas lembradas por [...] Governador do Estado poderão, se forem tomadas em tempo, acalmar e extinguir”. (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).
Conforme o referido jornal o protesto ocorreu sem os excessos condenáveis, sem os abusos tão frequentes em ocasiões tais, desapaixonado e sincero, o movimento “impõe-se a todos os espíritos como prova que é da nossa nobreza e sentimentos, do nosso elevado grau de educação” (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).

                        Largo da estação da Ribeira

As 18h00 na Avenida Tavares e Lira, onde se reuniu a enorme multidão de pessoas de todas as classes, deu-se inicio a manifestação, falando logo de inicio o Sr. Aristóteles Costa, convidando o povo, para ir ao Palácio do Governo solicitar, por intermédio do Governador Alberto Maranhão, enérgicas e imediatas providencias do Ministro da Viação, contra as irregularidades denunciadas na GWBR.
Terminada a fala de Aristóteles Costa, que foi geralmente aplaudido, organizou-se numeroso préstito que, precedido da banda de música do Tiro Natalense, pôs-se em marcha para o Palácio do Governo na Cidade Alta.
Ao passar em frente ao prédio do jornal A Republica a multidão ali estacionou entre calorosas aclamações ao jornal que se fez porta-voz das aspirações do povo em favor das providências a serem tomadas pela GWBR. Ali falou o secretário do referido jornal manifestando solidariedade do jornal A República com a causa do povo riograndense justamente indignado em face do desleixo da GWBR na seção do Rio Grande do Norte.
Em seguida partiu o préstito em direção a avenida Junqueira Aires, fazendo ouvir no Hotel Colombo,o deputado Joaquim Correia que proferiu vibrante discurso e na Estação da Great Western, o dr. Domingos Carneiro, em nome do Sr. Knox Little.
Ainda na Estação da GWBR Anfilóquio Câmara expôs ao Sr. Knox o motivo da manifestação.   (A REPÚBLICA, 28 de Novembro de 1910, p.1).

Ainda o caso da Great Western
Ainda sobre o caso das reclamações do povo potiguar contra a má administração do trecho Natal a Nova Cruz escreveu certo Chantecler no mesmo jornal A República  (A REPÚBLICA, 26 de Novembro de 1910, p.1).
Esse caso da Great Western, que há dias preocupa o espírito público, é realmente revoltante.Não sabemos por que a Administração da poderosa Companhia inglesa tem um desprezo absoluto pela seção de Natal a Nova Cruz. E nós sofremos as duras consequências desta estranha e inexplicada aversão ao riograndense, com a santa paciência que é a nossa.
        Quem paga, quer ser bem servido: a população dos trechos atravessados pelos trilhos da Great, paga-lhe e demasiadamente bem, para receber em troca um serviço ferroviário que parece mais uma tração de brincadeira, para menino rir.
       Toda a gente recorda-se, amargamente, de alguns anos atrás, quando a Estrada não estava arrendada e tudo era feito a contento geral.
mas, vieram os ingleses e imediatamente tudo desandou.Tiraram o que havia de melhor na seção e cada dia aumentam mais as tristes condições da linha destinada somente a fornecer com fartura a algibeira do bife a esterlina e o bem-estar.
      O material é o que pode desejar de melhor para um... museu, com as suas locomotivas pré-históricas, com seus trilhos ancestrais, e o pessoal, além de reduzido e mal remunerado, é vitima de perseguições rancorosas, como as remoções frequentes por causa da última greve.

Pátio interno da estação de Natal em postal do inicio do século XX 
onde vê-se o que parece ser locomotivas desmontadas


      Quando surge um desastre horrível como esse de Pium, é que nós vemos em toda a sua revoltante realidade o pouco caso que nos liga a Great Western.Reclama-se contra a tragédia e a Administração limita-se a mandar um funcionário para explicá-la como se nós não estivéssemos perfeitamente inteirados das causas que fulminaram os três párias do trem fatal.
      Ninguém pediu informações.O que se deseja é que a Estrada volte a ser oq eu foi, que o material seja bom, que os comboios andem de acordo com os horários e que ninguém faça uma viagem neles com esse suplicio atroz de hoje, que é o receio de ver a morte surgir de repente, numa curva do caminho. A isso, os senhores britânicos, fazem, rubicudos e com fleuma, ouvidos de mercador.Não há, porém, quem deseje estar na pele deles quando a paciência de nossa gente chegar ao fim e a indignação rebentar frenética e destruidora.

Encerrando...
         Como já dito no inicio a GWBR havia arrendado o trecho entre Natal e Nova Cruz com seus 121 km de extensão em 1902 e segundo o contrato de arrendamento a empresa britânica deveria fazer melhoramentos na via permanente do trecho que como se vê nos relatos a cima não foram feitos a contento devido as constantes reclamações da população cansada de ver acidentes e má gestão no trecho.
                É fato, porém, que desde sua inauguração em 28/09/1881, a Imperial Estrada de Ferro Natal a Nova Cruz nunca dera lucro e quando foi arrendada ainda demonstrava sinais claros de prejuízos, razão pela qual a GWBR pouco ou quase nada fazia para melhorar a situação.

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