O
Rio Grande do Norte se constituiu oficialmente uma província do Império do
Brasil em 1822, sendo, portanto criadas as Assembleias Provinciais, que
correspondem atualmente as Assembleias Legislativas. Assim como as de hoje
essas assembleias provinciais tinha a função de elaborar as leis e fiscalizar a
execução dos recursos públicos. A província era administrada por um presidente,
ao qual cabiam as funções que atualmente são da alçada do governador.
Passados
11 anos da criação da Província do Rio Grande do Norte a situação praticamente
em nada mudou e até mesmo a situação era precária como se verá adiante dos
enxertos extraídos do relatório do então presidente da província, Manoel da
Silva Lisboa.
No tocante a situação das vila escreveu o
citado presidente que : “nada posso informar-vos, não as tendo por ora
visitado, porém, pelas indagações que fiz , e pala ilação que tiro da Capital,
julgo existirem privadas de todos os cômodos, tendo de Vilas apenas o nome e a
categoria”.
Quanto
a Capital, disse o presidente da Provincia: “apesar de sua bela localidade, e
das vantagens que lhe oferece a Natureza, ela não possui ainda nem aqueles
mesmos reparos e cômodos de uma Vila da Europa, e mesmo de muitas do Império”.
Havia
segundo o citado presidente a ausência total de edifícios, para receber as
Estações Públicas, o miserável estado das ruas, que além de descalçadas, eram
entulhadas de areia soltas, que embaraçava e retardava o trânsito, a carência
absoluta de fontes, a negligente falta de iluminação, de um cais, de uma casa
de prisão (cadeia), de um hospital e de muitas outras coisas que constituíam as
regalias de uma Cidade, eram de acordo com o presidente da província : “as sensíveis
privações desta Capital”.
As repartições públicas, além de mal colocadas, estavam montadas com muito pouco asseio, a secretaria do governo não tinha em que se arquivar os papeis e documentos, e seus móveis eram tão velhos e estragados que seria indecência conservá-lo ali (FALA..., 1837, p.4).
O presidente relatou que convinha aos deputados provinciais:
“que quantos antes, Vos ocupeis com todo zelo e afinco, que caracterizam o espírito
comunal, esse espírito que sustenta e vivifica as instituições que dá
liberdade, em melhorar a acanhada situação de Vossa Pátria [Província],
cuidando do interesse público, curareis ao mesmo tempo de Vossos interesses
privados e conseguireis o progresso melhoramento de Vossa própria existência” (FALA...,
1837, p.4-5.O grifo é nosso).
Um problema antigo relatado pelo presidente Manoel Ribeiro
da Silva Lisboa que já havia sido relatado por seu antecessor era o de não ter
a província estradas e pontes e até mesmo de veredas transitáveis que era um
dos maiores obstáculos à comunicação do interior com a Capital e a causa
primordial de se esvair para as Províncias vizinhas todo o comércio lucrativo e
avultado do Rio Grande do Norte (FALA..., 1837, p.5).
Se a situação material e econômica da Província potiguar não
era lisonjeira o mesmo não se dizia da tranquilidade pública, único elogio feto
pelo presidente Manoel Ribeiro da Silva Lisboa, que segundo ele continuava imperturbável
a tranquilidade em toda a Província “louvores sejam dados à seus habitantes,
que dominados do espírito de paz doméstica,se empenham em manter o sossego
público, e hão constantemente fechado ouvidos às doutrinas subversivas e
desprezado insinuações sediciosas de alguns vertiginosos que infelizmente se
tem feito escutar em vários pontos do Brasil” (FALA..., 1837, p.5).
No tocante a religião escreveu o presidente da província: “não
me consta que o Exmo Bispo desta Diocese [de Olinda] haja em tempo algum nesta
Pronvincia pastorado o seu rebanho, e muito menos procurado reformar os abusos,
que se tem introduzidos ao exercício do culto Divino.Consta-me mais, que
algumas das suas Paróquias existem em viuvez, e entregue a Sacerdotes, que ou
pela incerteza de as alcançarem, ou menos por desleixo, pouco curam da edificação
de seus Fregueses, e muito menos do esplendor e conservação das Igrejas, que
existem já de todo arruinadas, ou prestes a sê-lo, o que concorre
principalmente para menosprezo das coisas sagradas e esquecimento das virtudes”.
(RELATÓRIO..., 1837, p.6).
A primeira visita pastoral do bispo de Olinda após esse
relatório só ocorreu em 1839 com dom João da Purificação Marques Perdigão, que
percorreu boa parte do território do Rio Grande do Norte, entre Apodi e Vila
Flor, passando pela Capital, o qual constatou em gênero, número e grau, o que
exatamente relatou o presidente da Província 2 anos antes.
Os municípios eram administrados pelas Câmaras Municipais e
sobre ela escreveu o citado presidente da província: “apesar de termos Câmaras
Municipais, não temos contudo nem o espírito, nem os benefícios da Instituição.
Além de ser estreitíssimo o circulo de suas atribuições, a hierarquia de seus
empregos, nem ambição, nem interesse de despertar naqueles que os ocupam, sua independência
nenhuma importância lhes dando real, antes é nociva, por outorgar-lhe ensejos
para subtraírem-se aos encargos que lhe são impostos, os meios deixados à sua
gerência por limitados alguns, e por
odiosos outros, nada podem aproveitar aos esforços e intenções daqueles que se
empenham em promover o bem dos seus Municípios; em resumo Corporações sem nexo
com o Governo administrativo da Província, magistratura com prerrogativas, mas
sem ação para as tornar efetivas, e administração com funções especiais, e independência,
mas sem direção, sem recursos.Corrijam-se primeiro esses defeitos e haveremos então
como o [a] Norte América, uma Instituição que cure incessantemente da
prosperidade dos Municípios”.
Mais
claro e cristalino impossível e não carece de maiores comentários a não ser que
qualquer semelhança com as atuais Câmaras Municipais e Prefeituras do interior
do Estado não é mera coincidência.
Notaram que o modelo de administração pública era já em 1837
os EUA? pois é, o velho e bom Tio Sam.
Nem acrediteis, Senhores, que com o sistema que há pouco adotásseis,
de ceder às Câmara o direito de perceberem diretamente alguns dos dízimos de
suas respectivas Tesourarias, haveis melhorado a sua acanhada situação, pelo
contrário não endo elas larguezas para pagarem a Coletores, que ativem e
recebam esses dízimos, e tão pouco a
liberdade de coagir, sem as infinitas formalidades de processo, os remissos
contribuintes, essa faculdades não lhes há trazido mais que novos trabalhos,
embaraços, como elas mesmas se exprimem em suas informações.
A vista dessas razões talvez melhor lhes aproveitasse uma
consignação fixada no orçamento, porém distribuída segundo a necessidade de
empregar e exata informação dos melhoramentos pretendidos (FALA..., 1837, p.12).
O que o presidente da província Manoel Ribeiro da Silva
Lisboa disse em gentis, porém sinceras e afiadas palavras foi que alguns municípios
recebiam diretamente os recursos dos impostos, mas não os empregava em
beneficio dos mesmos municípios. Alguma novidade?
Como
sugestão para o melhoramento da província o presidente Manoel Ribeiro da Silva
Lisboa apontava a criação de uma estrada ligando a Capital ao lugar denominado
Peixe Boi e abrir outra que se dirigisse
as Províncias vizinhas “Vós bem sabeis de que importância seriam estas duas obras ao comércio, que todo se
escoa para o Ceará e Paraíba” (FALA..., 1837, p.14).
Existia já parte dos materiais para o reparo da Fonte da
Bica e o dique se achava concluído, porém como a direção desta obra não foi
confiada a pessoa entendida neste gênero de trabalho, não veio ela a
corresponder a esperada utilidade, este erro não obstante, não me parece irremediável,
e no mais breve que me for possível mandarei reparar e encetar a outra obra “sobre
o que cumpre lembrar-Vos que a soma, que lhe consignásseis, não poderá pagar as
despesas de na Fonte apropriada às circunstancias da Cidade.
Ao que tudo indica a tradição de se fazerem obras públicas e
deixá-las inacabadas ou mal feitas aliadas ao mau uso dos recursos públicos vem
de longa data no Rio Grande do Norte.
Ainda
de acordo com o citado presidente da província de menos importância não era necessária
a iluminação da Capital, as construção do cais, de um mercado na Ribeira,
aquele para oferecer um cômodo desembarque, este para facilitar a achada de gêneros
de primeira necessidade, que eram sempre incertos encontrar em Natal e iniciar
a venda de frutas e hortaliças. (FALA..., 1837, p.14).
Manuel
Ribeiro da Silva Lisboa (1807 — 1838) foi presidente das províncias de Sergipe
(de 13/12/1835 a 09/03/1836, e do Rio Grande do Norte, (de 26/08/1837 a 11/04/1838).Foram
8 meses apenas a frente da administração da província potiguar.
Fonte: Fala com que o Exmo. Presidente da província
do Rio Grande do Norte, o Dr. Manoel Ribeiro da Silva Lisboa, abriu a 3ª sessão
da Assembleia Legislativa da mesma província em 07 de setembro de 1837. Recife:
Tipografia de M. J de Farias, 1837.
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