terça-feira, 18 de maio de 2021

A SITUAÇÃO DA PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE EM 1837


O Rio Grande do Norte se constituiu oficialmente uma província do Império do Brasil em 1822, sendo, portanto criadas as Assembleias Provinciais, que correspondem atualmente as Assembleias Legislativas. Assim como as de hoje essas assembleias provinciais tinha a função de elaborar as leis e fiscalizar a execução dos recursos públicos. A província era administrada por um presidente, ao qual cabiam as funções que atualmente são da alçada do governador.

Passados 11 anos da criação da Província do Rio Grande do Norte a situação praticamente em nada mudou e até mesmo a situação era precária como se verá adiante dos enxertos extraídos do relatório do então presidente da província, Manoel da Silva Lisboa.

 No tocante a situação das vila escreveu o citado presidente que : “nada posso informar-vos, não as tendo por ora visitado, porém, pelas indagações que fiz , e pala ilação que tiro da Capital, julgo existirem privadas de todos os cômodos, tendo de Vilas apenas o nome e a categoria”.

Quanto a Capital, disse o presidente da Provincia: “apesar de sua bela localidade, e das vantagens que lhe oferece a Natureza, ela não possui ainda nem aqueles mesmos reparos e cômodos de uma Vila da Europa, e mesmo de muitas do Império”.

Havia segundo o citado presidente a ausência total de edifícios, para receber as Estações Públicas, o miserável estado das ruas, que além de descalçadas, eram entulhadas de areia soltas, que embaraçava e retardava o trânsito, a carência absoluta de fontes, a negligente falta de iluminação, de um cais, de uma casa de prisão (cadeia), de um hospital e de muitas outras coisas que constituíam as regalias de uma Cidade, eram de acordo com o presidente da província : “as sensíveis privações desta Capital”.

As repartições públicas, além de mal colocadas, estavam montadas com muito pouco asseio, a secretaria do governo não tinha em que se arquivar os papeis e documentos, e seus móveis eram tão velhos e estragados que seria indecência conservá-lo ali (FALA..., 1837, p.4).

         O presidente relatou que convinha aos deputados provinciais: “que quantos antes, Vos ocupeis com todo zelo e afinco, que caracterizam o espírito comunal, esse espírito que sustenta e vivifica as instituições que dá liberdade, em melhorar a acanhada situação de Vossa Pátria [Província], cuidando do interesse público, curareis ao mesmo tempo de Vossos interesses privados e conseguireis o progresso melhoramento de Vossa própria existência” (FALA..., 1837, p.4-5.O grifo é nosso).

         Um problema antigo relatado pelo presidente Manoel Ribeiro da Silva Lisboa que já havia sido relatado por seu antecessor era o de não ter a província estradas e pontes e até mesmo de veredas transitáveis que era um dos maiores obstáculos à comunicação do interior com a Capital e a causa primordial de se esvair para as Províncias vizinhas todo o comércio lucrativo e avultado do Rio Grande do Norte (FALA..., 1837, p.5).

         Se a situação material e econômica da Província potiguar não era lisonjeira o mesmo não se dizia da tranquilidade pública, único elogio feto pelo presidente Manoel Ribeiro da Silva Lisboa, que segundo ele continuava imperturbável a tranquilidade em toda a Província “louvores sejam dados à seus habitantes, que dominados do espírito de paz doméstica,se empenham em manter o sossego público, e hão constantemente fechado ouvidos às doutrinas subversivas e desprezado insinuações sediciosas de alguns vertiginosos que infelizmente se tem feito escutar em vários pontos do Brasil” (FALA..., 1837, p.5).

         No tocante a religião escreveu o presidente da província: “não me consta que o Exmo Bispo desta Diocese [de Olinda] haja em tempo algum nesta Pronvincia pastorado o seu rebanho, e muito menos procurado reformar os abusos, que se tem introduzidos ao exercício do culto Divino.Consta-me mais, que algumas das suas Paróquias existem em viuvez, e entregue a Sacerdotes, que ou pela incerteza de as alcançarem, ou menos por desleixo, pouco curam da edificação de seus Fregueses, e muito menos do esplendor e conservação das Igrejas, que existem já de todo arruinadas, ou prestes a sê-lo, o que concorre principalmente para menosprezo das coisas sagradas e esquecimento das virtudes”. (RELATÓRIO..., 1837, p.6).

         A primeira visita pastoral do bispo de Olinda após esse relatório só ocorreu em 1839 com dom João da Purificação Marques Perdigão, que percorreu boa parte do território do Rio Grande do Norte, entre Apodi e Vila Flor, passando pela Capital, o qual constatou em gênero, número e grau, o que exatamente relatou o presidente da Província 2 anos antes.

         Os municípios eram administrados pelas Câmaras Municipais e sobre ela escreveu o citado presidente da província: “apesar de termos Câmaras Municipais, não temos contudo nem o espírito, nem os benefícios da Instituição. Além de ser estreitíssimo o circulo de suas atribuições, a hierarquia de seus empregos, nem ambição, nem interesse de despertar naqueles que os ocupam, sua independência nenhuma importância lhes dando real, antes é nociva, por outorgar-lhe ensejos para subtraírem-se aos encargos que lhe são impostos, os meios deixados à sua gerência por  limitados alguns, e por odiosos outros, nada podem aproveitar aos esforços e intenções daqueles que se empenham em promover o bem dos seus Municípios; em resumo Corporações sem nexo com o Governo administrativo da Província, magistratura com prerrogativas, mas sem ação para as tornar efetivas, e administração com funções especiais, e independência, mas sem direção, sem recursos.Corrijam-se primeiro esses defeitos e haveremos então como o [a] Norte América, uma Instituição que cure incessantemente da prosperidade dos Municípios”.

Mais claro e cristalino impossível e não carece de maiores comentários a não ser que qualquer semelhança com as atuais Câmaras Municipais e Prefeituras do interior do Estado não é mera coincidência.

         Notaram que o modelo de administração pública era já em 1837 os EUA? pois é, o velho e bom Tio Sam.

         Nem acrediteis, Senhores, que com o sistema que há pouco adotásseis, de ceder às Câmara o direito de perceberem diretamente alguns dos dízimos de suas respectivas Tesourarias, haveis melhorado a sua acanhada situação, pelo contrário não endo elas larguezas para pagarem a Coletores, que ativem e recebam esses  dízimos, e tão pouco a liberdade de coagir, sem as infinitas formalidades de processo, os remissos contribuintes, essa faculdades não lhes há trazido mais que novos trabalhos, embaraços, como elas mesmas se exprimem em suas informações.

         A vista dessas razões talvez melhor lhes aproveitasse uma consignação fixada no orçamento, porém distribuída segundo a necessidade de empregar e exata informação dos melhoramentos pretendidos (FALA..., 1837, p.12).

 

         O que o presidente da província Manoel Ribeiro da Silva Lisboa disse em gentis, porém sinceras e afiadas palavras foi que alguns municípios recebiam diretamente os recursos dos impostos, mas não os empregava em beneficio dos mesmos municípios. Alguma novidade?

Como sugestão para o melhoramento da província o presidente Manoel Ribeiro da Silva Lisboa apontava a criação de uma estrada ligando a Capital ao lugar denominado Peixe Boi e abrir  outra que se dirigisse as Províncias vizinhas “Vós bem sabeis de que importância seriam  estas duas obras ao comércio, que todo se escoa para o Ceará e Paraíba” (FALA..., 1837, p.14).

         Existia já parte dos materiais para o reparo da Fonte da Bica e o dique se achava concluído, porém como a direção desta obra não foi confiada a pessoa entendida neste gênero de trabalho, não veio ela a corresponder a esperada utilidade, este erro não obstante, não me parece irremediável, e no mais breve que me for possível mandarei reparar e encetar a outra obra “sobre o que cumpre lembrar-Vos que a soma, que lhe consignásseis, não poderá pagar as despesas de na Fonte apropriada às circunstancias da Cidade.

         Ao que tudo indica a tradição de se fazerem obras públicas e deixá-las inacabadas ou mal feitas aliadas ao mau uso dos recursos públicos vem de longa data no Rio Grande do Norte.

Ainda de acordo com o citado presidente da província de menos importância não era necessária a iluminação da Capital, as construção do cais, de um mercado na Ribeira, aquele para oferecer um cômodo desembarque, este para facilitar a achada de gêneros de primeira necessidade, que eram sempre incertos encontrar em Natal e iniciar a venda de frutas e hortaliças. (FALA..., 1837, p.14).

Manuel Ribeiro da Silva Lisboa (1807 — 1838) foi presidente das províncias de Sergipe (de 13/12/1835 a 09/03/1836, e do Rio Grande do Norte, (de 26/08/1837 a 11/04/1838).Foram 8 meses apenas a frente da administração da província potiguar.

 

Fonte:          Fala com que o Exmo. Presidente da província do Rio Grande do Norte, o Dr. Manoel Ribeiro da Silva Lisboa, abriu a 3ª sessão da Assembleia Legislativa da mesma província em 07 de setembro de 1837. Recife: Tipografia de M. J de Farias, 1837.

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