terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O ESCRITOR MÁRIO DE ANDRADE FOI TESTEMUNHA OCULAR DA ELEIÇÃO DE ALZIRA SORIANO


    O escritor Mário de Andrade esteve no Rio Grande do Norte em 1929, tendo sido o próprio, testemunha ocular do fato histórico da eleição de Alzira Soriano para prefeita de Lajes, ele relatou em suas crônicas publicadas no jornal Diário Nacional em São Paulo o qual reproduzimos na integra (DIÁRIO NACIONAL, 1929, p. 6):
     O prato do dia é a eleição duma mulher para prefeita do município de Lajes, dona Alzira Soriano. Este município é novo e está progredindo com rapidez graças ao gado e ao algodão. A atual e moderna cidade de Lajes era um pouso de duas casas, pertencentes a Chico Pedro, inda vivo e com o nome razoavelmente eternizado numa das praças de Lajes.
    O atual presidente do Rio Grande do Norte na sua plataforma presidencial inculcava a necessidade de se igualarem os direitos dos dois sexos dentro do estado.
   Nesse sentido foi apresentado então pelo hoje chefe de polícia, então deputado, Adauto Câmara, um projeto de que foi relator Antônio Bento de Araújo Lima, firmando os direitos de voto e elegibilidade da mulher. O então presidente, dr. José Augusto sancionou a lei que vigorando desde o ano passado já permitiu o comparecimento de dezessete donas às urnas que levaram José Augusto à senatoria federal.
     Mas o resultado mais vitorioso da lei até agora foi mesmo a elevação de dona Alzira Soriano a prefeita de Lajes. É uma senhora de inteligência viva, boa aparência, viúva inda moça, não possuindo quarenta anos.
      A posse dela foi cheia de festas, uma hora-literária e baile oferecidos pelas senhoras da cidade, um banquete oferecido pelos homens e a posse com seus discursos. De tudo isso destaco duas manifestações que me parecem as mais importantes: o discurso de posse de dona Alzira Soriano e um concurso de beleza.
    O discurso é um documento notável que gostei muito. Não se trata de nenhuma peça oratória sublime não. Pelo contrário: se percebe em toda a falação, que a prefeita se recusou sistematicamente a qualquer eloquência e qualquer flor de retórica. Foi simples.
     Foi duma simplicidade admirável, antimasculina pela ausência de brilho e antifeminina pela ausência de flores. E o que falou, falou com energia e clarividência. Assuntem só este pedaço, inconcebível pra política paulista:
... quero apenas (...) registrar o que não farei no exercício de meu mandato, de preferência a alinhar projetos, que talvez não pudesse realizar. Não me prevalecerei do cargo para fazer favores a amigos e ainda menos para negar justiça a adversários. Não abusarei dele para obter proventos, seja qual for a natureza deles. Etc.
     Sei bem que por enquanto essas afirmativas são... promessas, mas dona Alzira Soriano as disse numa página tão simples que acredito nela.Mas... na noite da posse teve o baile de que falei. A horas tantas organizaram um concurso de beleza em que teve o 2º lugar a srta. Sônia Soriano, filha da prefeita. Deus me livre de negar boniteza a essa moça que não conheço. É até provavelmente linda pois filha de dona Alzira, que dizem senhora bonita e mesmo requestada. Mas essa eleição lembra logo os enfeites de altar para que os santos se agradem da gente...

   É uma pena... Ou antes uma curiosidade: em que estado estarão as promessas no coração de mãe de dona Alzira?...



Fonte: DIÁRIO NACIONAL, 1929, p. 6

Nenhum comentário:

Postar um comentário