O
escritor Mário de Andrade esteve no Rio Grande do Norte em 1929, tendo
sido o próprio, testemunha ocular do fato histórico da eleição de Alzira
Soriano para prefeita de Lajes, ele relatou em suas crônicas publicadas no
jornal Diário Nacional em São Paulo o qual reproduzimos na integra (DIÁRIO
NACIONAL, 1929, p. 6):
O prato do dia é a eleição duma mulher para prefeita do
município de Lajes, dona Alzira Soriano. Este município é novo e está
progredindo com rapidez graças ao gado e ao algodão. A atual e moderna cidade
de Lajes era um pouso de duas casas, pertencentes a Chico Pedro, inda vivo e
com o nome razoavelmente eternizado numa das praças de Lajes.
O
atual presidente do Rio Grande do Norte na sua plataforma presidencial
inculcava a necessidade de se igualarem os direitos dos dois sexos dentro do
estado.
Nesse
sentido foi apresentado então pelo hoje chefe de polícia, então deputado,
Adauto Câmara, um projeto de que foi relator Antônio Bento de Araújo Lima,
firmando os direitos de voto e elegibilidade da mulher. O então presidente, dr.
José Augusto sancionou a lei que vigorando desde o ano passado já permitiu o comparecimento
de dezessete donas às urnas que levaram José Augusto à senatoria federal.
Mas
o resultado mais vitorioso da lei até agora foi mesmo a elevação de dona Alzira
Soriano a prefeita de Lajes. É uma senhora de inteligência viva, boa aparência,
viúva inda moça, não possuindo quarenta anos.
A
posse dela foi cheia de festas, uma hora-literária e baile oferecidos pelas
senhoras da cidade, um banquete oferecido pelos homens e a posse com seus
discursos. De tudo isso destaco duas manifestações que me parecem as mais
importantes: o discurso de posse de dona Alzira Soriano e um concurso de
beleza.
O
discurso é um documento notável que gostei muito. Não se trata de nenhuma peça
oratória sublime não. Pelo contrário: se percebe em toda a falação, que a
prefeita se recusou sistematicamente a qualquer eloquência e qualquer flor de
retórica. Foi simples.
Foi
duma simplicidade admirável, antimasculina pela ausência de brilho e
antifeminina pela ausência de flores. E o que falou, falou com energia e
clarividência. Assuntem só este pedaço, inconcebível pra política paulista:
... quero apenas (...)
registrar o que não farei no exercício de meu mandato, de preferência a alinhar
projetos, que talvez não pudesse realizar. Não me prevalecerei do cargo para
fazer favores a amigos e ainda menos para negar justiça a adversários. Não
abusarei dele para obter proventos, seja qual for a natureza deles. Etc.
Sei
bem que por enquanto essas afirmativas são... promessas, mas dona Alzira
Soriano as disse numa página tão simples que acredito nela.Mas...
na noite da posse teve o baile de que falei. A horas tantas organizaram um
concurso de beleza em que teve o 2º lugar a srta. Sônia Soriano, filha da
prefeita. Deus me livre de negar boniteza a essa moça que não conheço. É até provavelmente
linda pois filha de dona Alzira, que dizem senhora bonita e mesmo requestada.
Mas essa eleição lembra logo os enfeites de altar para que os santos se agradem
da gente...
É
uma pena... Ou antes uma curiosidade: em que estado estarão as promessas no
coração de mãe de dona Alzira?...
Fonte: DIÁRIO NACIONAL, 1929, p. 6
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