Com o título “O Pensamento em
Viagem” Benvenuto de Oliveira, um viajante que se autodenominou um cosmopolita, esteve em Natal em 1895 e fez uma descrição da Capital potiguar o qual escreveu
sob forma de crônicas no jornal Oásis. Vindo de Belém do Pará, Benvenuto aportou
no Potengi e permaneceu 5 dias em Natal de onde rumou para Recife.
Eis a seguir o teor das crônicas
publicadas pelo “turista cosmopolita”.
Natal, situada
à margem direita do rio Potengi e a 3 milha do famoso forte dos Três Reis
Magos, inexpugnável baluarte que, na foz do citado rio, assenta sobre
arrecifes, que emergem de mil ondas encapeladas, divide-se em dois bairros:
Cidade Alta e Ribeira.
Habituado e
familiarizado com o bulício infernal das grandes cidades, fatigado pelas
reiteradas vicissitudes e eventualidades de uma longa e penosa viagem,
conhecedor de um sem número de climas, costumes e condições mesológicas de um
porção de gênero humano, tendo finalmente presenciado vaidades, preconceitos e
misérias, que se estendem, desde o pobre e modesto pardieiro do proletário, até
o os ricos e dourados salões do “grand monde”; senti, não sei que irresistível
imã, que invencível atração para a vida de Natal, que, embora pequena, é
todavia de alguma importância.
Quase rodeada
de alvíssimas dunas, cujas areias são vagarosamente impelidas pelas virações
amenas do Atlântico, dotada de um clima admiravelmente sadio, parecendo
inocular diariamente no orgnismo daquela feliz população a seiva vivificante da
mais desejável e ambicionada saúde, a heroica e risonha capital do futuroso Estado do Rio Grande do Norte deixou-me as mais gratas recordações.
Capital de um
Estado essencialmente agrícola e criador, a cidade de Natal, cujos primeiros
fundamentos foram lançados em 1599 pelo então governador Jerônimo de
Albuquerque, demonstra grande aperfeiçoamento e incontestável desenvolvimento,
quer cientifico, quer material. Possui edifícios importantes, como sejam: o
palácio do governo, o tesouro estadual, o Atheneu, a alfândega, a fábrica de
fiação de tecidos e muitos outros de reconhecida elegância, os quais se
salientam em todo o perímetro da cidade.
Cinco dias
apenas demoramos em Natal, e, pela primeira vez, após a minha partida, pude,
naquela cidade, onde a tranquilidade pública, a honradez, a hospitalidade e a
salubridade oferecem ao estranho as mais amplas garantias, descansar das
ilimitadas fadigas de meu longo e penoso cosmopolitismo.
As diversões do
mais indizível deleite, a agradável convivência da
sociedade, o ar puro e saudável que respirava, continuamente convidavam-me a
percorrer as diversas ruas e arrabaldes da esperançosa capital da heroica Potiguarania
(OASIS, 15/07/1895, p.3).
Movido pela natural simpatia que me inspirava a bela
capital, ora percorri vagarosamente os encantadores medôes, que a contornam ao
Norte e a Leste; ora contemplava, dos pontos mais elevados da Cidade Alta, os
quadros altamente sublimes do Atlântico, que em ósculos gigantescos e
fosforescente, vinha beijar as areias movediças do poético litoral.
Uma noite, que bela note?! Eu descia vagarosamente a “ladeira” que comunica os dois bairros da aprazível cidade. O grande relógio do campanário da Matriz, em sua interminável vigília, acabava de soar compassadamente onze horas e o silêncio da noite era apenas interrompido pelo ribombo continuo do Morcego.
Aspectos de Natal no inicio do século XX. Ao fundo as dunas que circundavam a cidade e deleitou o Turista Cosmopolita. |
A formosa Diana, a namorada Artemisa, quem raia do Levante,
assentava-se em deslumbrante dossel de prata, espargia sobre a hospitaleira
pátria de Camarão, de Miguelinho e de André de Albuquerque, mil catadupas de
luz argêntea.
O ar puro e saudável, impregnado das ambrosias silvestres,
bafejavam-me brandamente o rosto, e, não podendo resistir ao espetáculo divino
e sublime, que me convidava a parar, subi a elevada calçada do Liceu e ali
detive-me por longo tempo.
Elevado
aos paramos infinitos do mais sedutor extasiamento, senti minha alma evolar-se
ao incognoscível, a cata de satisfatória explicação para tanto encanto, tanta
poesia, tanta luz, e finalmente para o quadro portentoso que feria os meus
olhares.
Embevecido
pela contemplação do conjunto majestosamente deslumbrante das belezas que
naquele instante me faziam perplexo, comecei a desfrutar os soberbos panoramas
que, em noites enluaradas, soe oferecer aos olhos de um excursionista noturno a
poética cidade.
Ao
Norte, onde o luar brincava a tona de um mar de cristal, via-se o vetusto forte
dos Reis Magos, colossal gigante de pedra, que além, por trás do imenso lenço
das brancas areias, aprecia velar pela tranquilidade e sossego da cidade, que
dormia. A leste, via-se a pudica e formosa namorada de Endimião, a qual subindo
airosamente os degraus do firmamento, derramava, com profusão a sua frouxa
claridade por sobre a natureza.
Ao Sul, como que meio empanados pelo lençol prateado, com que envolvia o espaço a formosa filha de Latona, lobrigava-se os quatro pontos brilhantes do Cruzeiro, que, girando em órbita longínqua, parecia alheio ao panorama que, naquela noite, se desenrolava sobre a face da terra feliz e poética dos Potiguares. E ao Oeste, onde Apolo, havia longas horas, se tinha atufado, Vésper risonha e altiva fechava o circulo dos poéticos encantos (OASIS,02/08/1895,p.2).
Meia noite acabava de soar, quando os acordos melodiosos de bem executado instrumental chegaram até mim, e, em poucos minutos, as harmonias de sibilantes flautas, de saudosos violões e queixosos violinos, que em concerto celestial, perdiam-se em no espaço, fazendo honras aos seus destros executores, acabaram de transporta-me à mais indizível admiração e perplexidade.
Deitei-me tarde, e, naquela noite ao amanhecer o dia ainda
conservava na imaginação, repassada de gratas reminiscências, os momentos
felizes da mais elevada poesia, que, por algumas horas, proporcionou-me aquela
noite, em que, por assim dizer, passei os mais agradáveis momentos de minha
extensa jornada.
Era por uma dessas manhas poéticas e amenas, em que o loiro
Apolo, rasgando vagarosamente a tela avermelhada do Levante, espargia por sobre
o belo continente, a sua imensa como de ouro. Candido e corrediço nevoeiro,
erguia-se dispersadamente na raia do horizonte e percorrendo com rapidez o
anilado céu da pátria de Camarão, perdia-se em demanda dos ínvios sertões. As
oficinas, que, há duas horas, haviam chamado ao trabalho, por meio de
prolongados apitos, os seus infatigáveis operários, atiravam para o espaço
longas aspirais de pardacento fumo, e, já o estridulo do martelo confundia-se
com o estalar continuo dos teares, quando o “Scholar”, após as visitas do
estilo, deixou com galhardia, as águas tranquilas da formosa baia do Potengi.
De bruços na amurada, eu contemplei saudoso o
desaparecimento rápido dos viçosos coqueirais, das cúpulas dos altos edifícios,
e, em breve o vetusto forte dos Reis Magos desenhava-se à nossos olhos como um
pequeno arrecife prestes a ser tragado pelas vagas.
Em vinte e quatro horas de uma viagem feliz, demos entrada no porto da cidade do Recife [...] (O OASIS,15/08/1895,p.2).
Aspectos de Natal no inicio do século XX. A paisagem foi vista e descrita pelo Turista Cosmopolita que esteve na Capital potiguar em 1895. |
Aspectos de Natal no início do século XX. Vista do Porto de Natal por onde chegou o Turista Cosmopolita em 1895. |
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