quarta-feira, 18 de outubro de 2017

UMA VIAGEM DE ANGICOS A NATAL DE TREM EM 1954

     Em Angicos durante o dia o calor era asfixiante. As noites, porém, erma agradáveis proporcionando um sono reparador. O vento soprava fortemente nos telhados das casas. Eram belas as noites enluaradas permitindo-se contemplar as alvas pedras espalhadas pelos amplos tabuleiros ao redor da cidade.
            A distância de Angicos a Natal de trem é de 194 km. Em 1954 haviam trens horários correndo três vezes por semana no trecho entre Angicos e Natal pela Estrada de Ferro Sampaio Correia, o percurso era realizado em 8 horas. A época a ferrovia a estava sendo estendida em direção aos Seridó porem em passo lentos, havia apenas uma estação inaugurada além de Angicos.
            Os sertanejos aguardavam que um dia que a locomotiva apitando, entrasse em Caicó. Mas a julgar pela marcha dos trabalhos naquela época, verificar-se-ia que não teriam essa satisfação”.   
            O trem partia as 5 horas da manhã, quando a pequena cidade ainda estava em volta da escuridão. A primeira parada era Fernando Pedroza, antiga São Romão, onde era servido aos passageiros um leite saboroso e puro [...], a medida que o trem avançava ia se erguendo bizarro e imponente o Cabugi com sua forma cônica prendia a atenção dos passageiros, as 6 horas o trem passava pelo sopé do Pico do Cabugi [...].
            As 7 horas o trem chegava em Lajes, na época denominada Itaretama, belíssima topografia apresentava essa cidade, o qual se erguia num planalto varrido pelas brisas sertanejas. Ao longe se formava um semicírculo de montanhas azuladas. A gare enorme estava repleta de pessoas aguardando o trem. Ali perto havia o Café Getúlio anunciado num enorme letreiro.
            De Lajes partia o ramal para Pedro Avelino rumo a Macau, naquele ano, ninguém sabia quando os trilhos alcançariam aquela cidade [...].
            Os terrenos nessa região eram pedregosos, cobertos por vegetação rasteira e cardos silvestres, tudo era muito seco.
            A demora nas pequenas estações intermediárias – Pedra Preta, Jardim de Angicos- era para alguns passageiros enervantes. Havia falta de água em toda essa região, o trem conduzia um carro-tanque que ia distribuindo o liquido precioso aos habitantes dessas cidades que sofriam com a falta de água.
            Quando o trem parava, uma multidão constituída de velhos, homens, mulheres e crianças, com latas, potes e baldes avançava em direção a locomotiva procurando abastecer seus utensílios com a agua trazida no carro-tanque. Era uma providencia louvável que era adotada pela EFSC praticando verdadeira obra de misericórdia dando de beber a quem tinha sede.
            As 09h15 o trem chegava a Baixa Verde onde ficava o carro restaurante que tinha sofrido um desarranjo, um funcionário avisava que quem tivesse fome que aguardasse para comer em Natal. Em seguida passava-se por Taipu e depois Ceará-Mirim “velha cidade engastada no pergaminho verde do vale imenso”, era um alivio para os olhos fatigados somente terrenos e plantas esturricadas [...].
            Em Extremoz se chegava as 12h, ali os passageiros saciavam a sede com agua de coco vendida ao preço de Cr$ 2,00. Meninos na plataforma da estação vendiam os saborosos grudes que ocupavam lugar de destaque entre as demais guloseimas as quais os passageiros experimentavam durante o percurso. O trem passava pela pitoresca lagoa pontilhadas por ilhas e enfeitadas de coqueiros. Ouvia-se a lenda do sino da lagoa de Extremoz segundo a qual um carro com o sino que caíra nas aguas da lagoa, cujo o som se ouvia ao longe a certas horas da noite. Alguém apontava para um ponto da lagoa dizendo ser ali que o carro havia caído com o sino destinado a igreja de Extremoz, onde os passageiros se debruçavam nas janelas para ver tal lugar, onde jaziam o sino, o carro de boi e o proprio condutor do carro.
            As 13h o trem chegava a Igapó de onde o panorama de Natal começava a se esboçar na direção leste. O rio Potengi quando transposto pela ponte, oferecia ao viajante uma vista deslumbrante. As brisas vindas do oceano sopravam fortemente, constituindo um refrigério para quem vinha do sertão causticante e sedento. A ferrovia margeava o poético rio potiguar. As 13h20 o trem estava em Natal. Ouvia-se dos passageiros expressões de alivio.


Publicado no Diário de Pernambuco em 12/12/1954, p.22.Adaptado.

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