domingo, 13 de junho de 2021

A EXTRAORDINÁRIA AVENTURA DE 5 ESCOTEIROS POTIGUARES EM 1923


      Em 2023 se comemorará o Centenário da extraordinária aventura realizada por 5 escoteiros potiguares que partiram de Natal até São Paulo a pé, a qual honra o nome do escotismo não somente a nível regional como também a nível nacional.Foi uma verdadeira Epopéia!

         Os escoteiros potiguares deram uma extraordinária prova de tenacidade e energia ao realizar a pé o percurso entre Natal e São Paulo, por isso mesmo não se pode deixar cair no esquecimento esse fato histórico.

         De acordo com a revista A Voz do Mar a extraordinária prova realizada pelos pescadores potiguares que se aventuraram em botes sem bússolas num raid Natal-Rio de Janeiro em 1922 sob a admiração de quantos vibraram e confiaram nas coisas do Brasil foi o que motivou os escoteiros andantes de Natal a repetir a façanha desta vez por terra em 1923 e estendendo o percurso até São Paulo, onde a época se localizava a sede da Associação Nacional dos Escoteiros do Brasil, atualmente a União dos Escoteiros do Brasil-UEB.

         Foram cerca de 5.000 km percorridos sob toda a sorte de perigos e privações. "Seria fácil a qualquer tropeço maior, voltarem sobre os passos. Mas nem um momento isso passou pelo espírito dos 5 heróis potiguares.Eles venceram, de etapa em etapa, resolutos e confiantes" registrou a revista A Voz do Mar.

         A pequena patrulha de 5 escoteiros era formada por José Alves Pessoa (chefe); Humberto Lustosa da Câmara (guia); Henrique D. Borges (monitor), Agnaldo Vasconcelos e Antonio Gonzaga da Silva.Todos jovens entre 17 e 20 anos.

  

A longa travessia pelos sertões

         Durante a longa travessia pelos sertões a pequena patrulha percorreu cerca de 600 cidades, vilas e lugarejos.De todas traziam interanssantíssimos documentos de sua passagem registrados num livro de viagem que os mesmos traziam com a finalidade de documentar a aventuras por eles realizada.

         Nesse livro de registro figurava como de mais alta expressão a assinatura de próprio punho dos governadores de todos os Estados em cujas capitais estiveram e onde foram sempre carinhosamente recebidos.

         O livro tinha na primeira página as seguintes palavras do governador do Rio Grande do Norte, Antonio de  Souza, que valia como apresentação e incentivo aos escoteiros potiguares àquela aventura: “que os escoteiros andantes do Rio Grande do Norte, levem por toda a grandeza física da Pátria, a afirmação e a prova da sua grandeza moral. 14 de janeiro de 1923. Antonio de Souza”.

         No livro de viagem dos escoteiros constavam as impressões e assinaturas dos seguintes governadores: Sergio Loreto, de Pernambuco; José Fernandes de Lima, de Alagoas, J.J Seabra, da Bahia, Nestor Gomes, do Espírito Santo, Aurelino Leal do Rio de Janeiro e Washington Luis Pereira de Souza, de São Paulo.Constava ainda as assinaturas de Alaor Prata, prefeito do município do Rio de Janeiro e Coelho Neto, ilustre homem das letras da mesma cidade.

Peripécias da viagem

         A longa viagem dos jovens escoteiros potiguares foi cheia das mais variadas impressões.De acordo com a revista A Voz do Mar ao prazer das festivas recepções que em muitos lugares receberam, antepuseram-se o desprazer de hostilidades com que em muitos pontos foram recebidos.

         Passaram por tudo.Conheceram a fome e a sede em vários lugares, tomados de bandoleiros foram corridos e tudo suportaram com verdadeiro espírito escoteiro, com bom humor, procurando vencer a ignorância da rude gente numa propaganda tenaz do escotismo.

         Marchavam em média de 36 a 43 km por dia, mas por duas vezes tiveram de, extremados, prosseguir na marcha, até ao povoado mais próximo, chegando assim a caminhar até 90 km num só dia.

         O chefe da patrulha fazia o diário de viagem e ali consignou peripécias curiossimas.

Peripécias curiossimas

         Um dos maiores obstáculos que tiveram de vencer foi a travessia do rio São Francisco. Foi passado em uma jangada ou balsa, construída pelos próprios escoteiros, com recursos colhidos na mata.

         Certa vez, depois de uma dia de penosa viagem, sob um sol causticante, alcançaram ao anoitecer a pequena vila de Japaratuba, em Sergipe.Vinham extenuados, famintos, sequiosos, bornais e cantis vazios.Contavam refazer-se as forças ali.Mas, à sua aproximação, todas as portas se fecharam. Supunham-os serem bandidos do célebre bando de cangaceiros de Lampião, que cometera ali depredações.E tiveram de prosseguir estropiados mas cheios de bom humor, até alcançar já alta madrugada outro povoado.

No sul da Bahia entre Maragogipe e Nazaré, um dos rapazes caiu num atoleiro. Se não fora o pronto socorro dos companheiros que o arrancaram já soterrado até o peito, o raid teria se tornado de fúnebre lembrança.

         Nessa zona, onde o povo era muito religioso, quando passava a Bandeira Nacional que sempre levavam desfraldada, a animá-los e encorajá-los, os sertanejos ajoelhavam-se supondo ser a “Bandeira do Divino” e queriam oferecer esmolas por conta de promessas feitas.Os escoteiros aproveitaram essa ignorância para fazer verdadeiras conferencias patrióticas, levando àquela rude e boa gente as primeiras noções de pátria e bandeira.

         Nesse mesmo ponto, sul baiano, tiveram contato com os índios Machacalis.Tendo esses silvícolas atacado uns viandantes os escoteiros puseram-nos em fuga.Com o atordoamento da fugida abandonaram arcos e flechas que os rapazes apanharam como troféus.

       Atravessaram empolgados as matas suntuosas do Espírito Santo.Os grandes campos de cultura do Estado do Rio de Janeiro, que encheram os escoteiros de admiração.

No Rio de Janeiro

         No Rio de Janeiro, dentre as muitas visitam realizadas na então Capital Federal, os escoteiros potiguares estiveram na redação da revista A Voz do Mar, onde os redatores tiveram a oportunidade de conversar com os mesmos a respeito da intrépida façanha.

         De acordo com a citada revista "nas suas fisionomias joviais, serenas, mas resolutas, lias-se bem a virilidade de que foi educado nessa admirável escola de Baden Powell".

         Guardando fidelidade ao prometido quando partiram de Natal, não se utilizaram senão dos seus próprios recursos para realizar a viagem, disseram os escoteiros.

         Quando chegaram ao estado do Rio de Janeiro, atravessaram a Baia de Guanabara, parte a nado e parte em balsa, construída por suas próprias mãos.Ao meio dessa travessia foram recebê-los as comissões dos escoteiros do mar da Capital Fluminense, que os cumularam de todas as atenções e carinho de que eram merecedores os heroicos hospedes.

As consequências do raid

         Essa extraordinária prova de tenacidade e resistência, quando fosse feita com o fim exclusivo de vencer esses milhares de quilômetros que separam Natal de São Paulo, teria o seu valor como afirmação real da energia da raça brasileira (os escoteiros potiguares eram brasileiros genuínos com todos os traços característicos da gente nordestina).Mas, não é só isso. Eles vinham fazendo uma propaganda intensa da escola a que pertenciam, o escotismo, “essa escola de virilidade e energia, graças à qual poderemos ofertar ao Brasil de amanhã gerações capazes de erguê-lo à grandeza moral a que foi predestinado pela sua grandeza material”, escreveu a revista A Voz do Mar.

         À passagem, núcleos de escotismo se fundaram, soergueram-se outros amortecidos, por toda para ficou a semente da grande escola do escotismo.

         Como bons escoteiros pacíficos eles se preparam no entanto, palmilhando o sertão para serem bons guias dos exércitos do Brasil no momento em que os destinos da Nação à isso os chamassem.

          Por todos os aspectos eram dignos da melhor admiração esse 5 heróis que abandonando por tantos meses, o conforto dos seus lares, aventuram-se por caminhos inóspitos e  desconhecidos, para afirmarem com o seu próprio exemplo o valor dessa escola incomparável ao qual pertenciam, o escotismo!

Aos 5 heróis potiguares a revista A Voz do Mar com o mesmo caloroso entusiasmo com que aplaudiu os seus heroicos conterrâneos que realizaram o incomparável raid marítimo Natal-Rio de Janeiro em 1922, saudava com exaltação “Salve escoteiros natalenses!”

         Os bravos rapazes que constituíam a patrulha do raid Natal-São Paulo, foram em vários pontos de seu longo percurso hospedados pela Marinha, nas Escolas de Aprendizes e Capitanias dos Portos. Em companhia de Potiguar Fernandes, representante no Rio de Janeiro dos escoteiros potiguares e do oficial encarregado da seção de escoteiros do mar, da Diretoria da Pesca, foram ao gabinete do Almirante Alexandrino de Alencar, então ministro da Marinha e nome de uma famosa avenida da Capital potiguar, agradecer a maneira carinhosa porque a Marinha os recebeu sempre.

Fonte: A Voz do Mar, ano II, 26,29/08/1923, Rio de Janeiro, p.43-44.

 Algo mais

         Vale ressaltar que o movimento escoteiro no Rio Grande do Norte teve inicio no ano de 1919, portanto, na extraordinária aventura desses 5 rapazes era uma realidade inovadora no nascente movimento, mas que já demonstrava uma vitalidade ao ponto de empreenderem uma viagem de tamanha ousadia.

         A apoteose dessa aventura se verificou na cidade de São Paulo onde os escoteiros foram recebidos com uma imensa recepção, visitaram autoridades e instituições e a sede do movimento escoteiro que a época ali estava.

         O retorno dos escoteiros a Natal se deu por meio de viagem em navio. 

       Na Capital Potiguar foram recebidos com as honras heroicas a que faziam jus.

     Havia em Natal uma placa comemorativa do feito realizado pelos 5 escoteiros potiguares, a qual sumiu como se some tudo que faz parte da história da cidade de Natal.

         A rede Globo de televisão chegou a cogitar fazer um programa sobre essa aventura que teria como roteiro o livro de viagem do chefe da patrulha, José Alves Pessoa, mas ao que se sabe a ideia não chegou a ser efetivada.

         José Alves Pessoa foi dentre os 5 escoteiros o que mais tempo viveu, morrendo com a idade de mais de 80 anos. O livro de viagem que estava com ele certamente ficou em poder da família. Não sabemos se o mesmo foi conservado.

      Com os registros dos jornais da época se é possível refazer o percurso dessa extraordinária aventura, cujo o roteiro daria um belíssimo filme.

A patrulha de escoteiros potiguares que realizaram  o raid Natal-São Paulo a pé.
Foto: revista A Voz do Mar, 1923, p.45.


Fonte: revista A Voz do Mar, 1923, p.45.



Nenhum comentário:

Postar um comentário