Em 2023 se comemorará o Centenário da extraordinária aventura realizada por 5 escoteiros potiguares que
partiram de Natal até São Paulo a pé, a qual honra o nome do escotismo não
somente a nível regional como também a nível nacional.Foi uma verdadeira Epopéia!
Os escoteiros potiguares deram uma extraordinária
prova de tenacidade e energia ao realizar a pé o percurso entre Natal e São
Paulo, por isso mesmo não se pode deixar cair no esquecimento esse fato
histórico.
De acordo com a revista A Voz do Mar a
extraordinária prova realizada pelos pescadores potiguares que se aventuraram
em botes sem bússolas num raid Natal-Rio de Janeiro em 1922 sob a admiração de
quantos vibraram e confiaram nas coisas do Brasil foi o que motivou os escoteiros andantes de
Natal a repetir a façanha desta vez por terra em 1923 e estendendo o percurso até São Paulo, onde a época se localizava a sede da Associação Nacional dos Escoteiros do Brasil, atualmente a União dos Escoteiros do Brasil-UEB.
Foram cerca de 5.000 km percorridos sob toda a sorte de perigos e privações. "Seria fácil a qualquer tropeço maior, voltarem sobre os passos. Mas nem um momento isso passou pelo espírito dos 5 heróis potiguares.Eles venceram, de etapa em etapa, resolutos e confiantes" registrou a revista A Voz do Mar.
A pequena patrulha de 5 escoteiros era
formada por José Alves Pessoa (chefe); Humberto Lustosa da Câmara (guia);
Henrique D. Borges (monitor), Agnaldo Vasconcelos e Antonio Gonzaga da
Silva.Todos jovens entre 17 e 20 anos.
A longa travessia pelos sertões
Durante a longa travessia pelos sertões a pequena patrulha
percorreu cerca de 600 cidades, vilas e lugarejos.De todas traziam
interanssantíssimos documentos de sua passagem registrados num livro de viagem
que os mesmos traziam com a finalidade de documentar a aventuras por eles
realizada.
Nesse livro de registro figurava como de mais alta expressão
a assinatura de próprio punho dos governadores de todos os Estados em cujas
capitais estiveram e onde foram sempre carinhosamente recebidos.
O livro tinha na primeira página as seguintes palavras do
governador do Rio Grande do Norte, Antonio de Souza, que valia como
apresentação e incentivo aos escoteiros potiguares àquela aventura: “que os
escoteiros andantes do Rio Grande do Norte, levem por toda a grandeza física da
Pátria, a afirmação e a prova da sua grandeza moral. 14 de janeiro de 1923. Antonio
de Souza”.
No livro de viagem dos escoteiros constavam as impressões e
assinaturas dos seguintes governadores: Sergio Loreto, de Pernambuco; José
Fernandes de Lima, de Alagoas, J.J Seabra, da Bahia, Nestor Gomes, do Espírito
Santo, Aurelino Leal do Rio de Janeiro e Washington Luis Pereira de Souza, de São Paulo.Constava ainda as
assinaturas de Alaor Prata, prefeito do município do Rio de Janeiro e Coelho
Neto, ilustre homem das letras da mesma cidade.
Peripécias da viagem
A longa viagem dos jovens escoteiros potiguares foi cheia
das mais variadas impressões.De acordo com a revista A Voz do Mar ao prazer das
festivas recepções que em muitos lugares receberam, antepuseram-se o desprazer
de hostilidades com que em muitos pontos foram recebidos.
Passaram por tudo.Conheceram a fome e a sede em vários lugares, tomados de bandoleiros foram corridos e tudo suportaram com verdadeiro espírito
escoteiro, com bom humor, procurando vencer a ignorância da rude gente numa
propaganda tenaz do escotismo.
Marchavam em média de 36 a 43 km por dia, mas por duas vezes
tiveram de, extremados, prosseguir na marcha, até ao povoado mais próximo,
chegando assim a caminhar até 90 km num só dia.
O chefe da patrulha fazia o diário de viagem e ali consignou
peripécias curiossimas.
Peripécias curiossimas
Um dos maiores obstáculos que tiveram de vencer foi a
travessia do rio São Francisco. Foi passado em uma jangada ou balsa, construída
pelos próprios escoteiros, com recursos colhidos na mata.
Certa vez, depois de uma dia de penosa viagem, sob um sol
causticante, alcançaram ao anoitecer a pequena vila de Japaratuba, em
Sergipe.Vinham extenuados, famintos, sequiosos, bornais e cantis vazios.Contavam
refazer-se as forças ali.Mas, à sua aproximação, todas as portas se fecharam. Supunham-os serem bandidos do célebre bando de cangaceiros de Lampião, que cometera ali
depredações.E tiveram de prosseguir estropiados mas cheios de bom humor, até
alcançar já alta madrugada outro povoado.
No
sul da Bahia entre Maragogipe e Nazaré, um dos rapazes caiu num atoleiro. Se
não fora o pronto socorro dos companheiros que o arrancaram já soterrado até o
peito, o raid teria se tornado de fúnebre lembrança.
Nessa zona, onde o povo era muito religioso, quando passava
a Bandeira Nacional que sempre levavam desfraldada, a animá-los e encorajá-los,
os sertanejos ajoelhavam-se supondo ser a “Bandeira do Divino” e queriam
oferecer esmolas por conta de promessas feitas.Os escoteiros aproveitaram essa ignorância
para fazer verdadeiras conferencias patrióticas, levando àquela rude e boa
gente as primeiras noções de pátria e bandeira.
Nesse mesmo ponto, sul baiano, tiveram contato com os índios
Machacalis.Tendo esses silvícolas atacado uns viandantes os escoteiros puseram-nos
em fuga.Com o atordoamento da fugida abandonaram arcos e flechas que os rapazes
apanharam como troféus.
Atravessaram empolgados as
matas suntuosas do Espírito Santo.Os grandes campos de cultura do Estado do Rio
de Janeiro, que encheram os escoteiros de admiração.
No Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, dentre as muitas visitam realizadas na então Capital Federal, os escoteiros potiguares estiveram na redação da revista A Voz do Mar, onde os redatores tiveram a oportunidade de conversar com os mesmos a respeito da intrépida façanha.
De acordo com a citada revista "nas suas fisionomias joviais, serenas, mas resolutas, lias-se bem a virilidade de que foi educado nessa admirável escola de Baden Powell".
Guardando fidelidade ao prometido quando partiram de Natal, não se utilizaram senão dos seus próprios recursos para realizar a viagem, disseram os escoteiros.
Quando chegaram ao estado do Rio de Janeiro, atravessaram a Baia de Guanabara, parte a nado e parte em balsa, construída por suas próprias mãos.Ao meio dessa travessia foram recebê-los as comissões dos escoteiros do mar da Capital Fluminense, que os cumularam de todas as atenções e carinho de que eram merecedores os heroicos hospedes.
As
consequências do raid
Essa extraordinária prova de tenacidade e resistência,
quando fosse feita com o fim exclusivo de vencer esses milhares de quilômetros que
separam Natal de São Paulo, teria o seu valor como afirmação real da energia da
raça brasileira (os escoteiros potiguares eram brasileiros genuínos com todos
os traços característicos da gente nordestina).Mas, não é só isso. Eles vinham
fazendo uma propaganda intensa da escola a que pertenciam, o escotismo, “essa
escola de virilidade e energia, graças à qual poderemos ofertar ao Brasil de
amanhã gerações capazes de erguê-lo à grandeza moral a que foi predestinado
pela sua grandeza material”, escreveu a revista A Voz do Mar.
À passagem, núcleos de escotismo se fundaram, soergueram-se
outros amortecidos, por toda para ficou a semente da grande escola do
escotismo.
Como bons escoteiros pacíficos eles se preparam no entanto,
palmilhando o sertão para serem bons guias dos exércitos do Brasil no momento
em que os destinos da Nação à isso os chamassem.
Por todos os aspectos eram
dignos da melhor admiração esse 5 heróis que abandonando por tantos meses, o conforto
dos seus lares, aventuram-se por caminhos inóspitos e desconhecidos, para afirmarem com o seu próprio
exemplo o valor dessa escola incomparável ao qual pertenciam, o escotismo!
Aos
5 heróis potiguares a revista A Voz do Mar com o mesmo caloroso entusiasmo com
que aplaudiu os seus heroicos conterrâneos que realizaram o incomparável raid marítimo
Natal-Rio de Janeiro em 1922, saudava com exaltação “Salve escoteiros
natalenses!”
Os bravos rapazes que constituíam a patrulha do raid
Natal-São Paulo, foram em vários pontos de seu longo percurso hospedados pela
Marinha, nas Escolas de Aprendizes e Capitanias dos Portos. Em companhia de
Potiguar Fernandes, representante no Rio de Janeiro dos escoteiros potiguares e
do oficial encarregado da seção de escoteiros do mar, da Diretoria da Pesca,
foram ao gabinete do Almirante Alexandrino de Alencar, então ministro da Marinha e nome de uma famosa avenida da Capital potiguar, agradecer a maneira carinhosa porque a Marinha os recebeu sempre.
Fonte:
A Voz do Mar, ano II, 26,29/08/1923, Rio de Janeiro, p.43-44.
Vale ressaltar que o movimento escoteiro no Rio Grande do
Norte teve inicio no ano de 1919, portanto, na extraordinária aventura desses 5
rapazes era uma realidade inovadora no nascente movimento, mas que já demonstrava uma vitalidade ao
ponto de empreenderem uma viagem de tamanha ousadia.
A apoteose dessa aventura se verificou na cidade de São
Paulo onde os escoteiros foram recebidos com uma imensa recepção, visitaram
autoridades e instituições e a sede do movimento escoteiro que a época ali
estava.
O retorno dos escoteiros a Natal se deu por meio de viagem em navio.
Na Capital Potiguar foram recebidos com as honras heroicas a que faziam jus.
Havia em Natal uma placa comemorativa do feito realizado pelos 5 escoteiros potiguares, a qual sumiu como se some tudo que faz parte da história da cidade de Natal.
A rede Globo de televisão chegou a cogitar fazer um programa
sobre essa aventura que teria como roteiro o livro de viagem do chefe da
patrulha, José Alves Pessoa, mas ao que se sabe a ideia não chegou a ser
efetivada.
José Alves Pessoa foi dentre os 5 escoteiros o que mais
tempo viveu, morrendo com a idade de mais de 80 anos. O livro de viagem que
estava com ele certamente ficou em poder da família. Não sabemos se o mesmo foi
conservado.
Com os registros dos jornais da época se é possível refazer
o percurso dessa extraordinária aventura, cujo o roteiro daria um belíssimo filme.
A patrulha de escoteiros potiguares que realizaram o raid Natal-São Paulo a pé. Foto: revista A Voz do Mar, 1923, p.45. |
Fonte: revista A Voz do Mar, 1923, p.45. |
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