terça-feira, 22 de junho de 2021

O DEPOIMENTO DO CABO DO 21º B.C ADALBERTO JOSÉ DA CUNHA A PROPÓSITO DA INTENTONA COMUNISTA


       Conforme prometeu o jornal A Ordem publicou em 07/12/1935 na íntegra, o depoimento prestado pelo cabo do 21º B.C perante o 2º Delegado Auxiliar da Capital, a propósito da intentona comunista conforme foi por nós transcrito a seguir.

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         Auto de perguntas feita ao cabo Adalberto José da Cunha, casado, militar, natural da Bahia, filho de José Pedro Cunha e dona Francisca Silva Cunha.

         Aos trinta dias do mês de novembro de mil novecentos e trinta e cinco, nesta cidade de Natal, na Segunda Delegacia Auxiliar, presente o capitão Genésio Lopes da Silva, segundo Delegado Auxiliar, compareceu o referido cabo Adalberto José da Cunha, que declarou o seguinte: que no dia 23 do corrente pelas sete e meia horas mais ou menos, estava no café Majestic quando ouviu alguém que estava havendo movimento na rua, partindo do 21º B.C, saindo neste momento para o lado do Quartel e quando defrontou-se ao Mercado Público, ouviu tocar reunir; que em seguida seguiu para o Quartel e lá chegando encontrou o Quartel em grande reboliço, estando o oficial de dia tenente Abel Cabral Batista, preso, como também o tenente músico João Cicero de Souza, sargento João Barradas, sargento José Farias de Almeida, que comandava a guarda, que procurando se informar do que havia responderam-lhe alguns soldados que o Quartel ia ser atacado, sendo que em virtude dessa informação ele respondente se armar; que daí por diante começaram os soldados a dar vivas  a Carlos Prestes, Aliança Libertadora, razão porque ficou receoso de que havia movimento ilegal no Quartel; que logo após viu entrar preso no Quartel o tenente José Morais que foi entregue a ele respondente pelos rebeldes com ordem de ser recolhido ao cassino. que o tenente Morais nessa ocasião perguntou a ele respondente o que havia e o que queriam fazer dele, respondendo a isto que não sabia de que se tratava, que ele respondente de nova pra dez horas da mesma noite soube que tinha chegado recolhido ao xadrez o Doutor João Medeiros Filho, Chefe de Policia, em companhia de Daniel Serquiz que guiava o carro que conduzia o Doutro João Medeiros filho, que sabedor da prisão  do doutor João Medeiros bem como da de Daniel Serquiz e a do senhor Petit procurou logo a se entender com eles; que depois de ter conversado com os mesmos presos, a pedido destes foi à rua a fim de avisar as respectivas famílias, o que se fez relativamente a de Serquiz e do tenente Morais e quanto a do Doutor João Medeiros, por intermédio da família Sequiz, que  quando voltou levou ao conhecimento dos referidos presos que tinha satisfeito os seus pedidos, inclusive o lanche que lhes fora entregue, que nessa ocasião procurou falar com o tenente Morais a quem tinha encontrado para avisar a família do mesmo tenente a citada ocorrência; que quando volta da conversa que teve com o tenente Morais e Daniel Serquiz avisou a ele respondente que tinham retirado do xadrez o Doutor João Medeiros Filho, que saíra acompanhado por quatro civis armados a fuzil que imediatamente ele respondente sai a procura do Doutor João Medeiros, a quem encontrou no pátio do Quartel junto a um automóvel e acompanhado de quatro civis dos quais sabe dos nomes do sapateiro Jaime de Brito e o motorista Epifânio, tendo também junto a eles uma mulher fardada que não se sabe do nome; que ele respondente ao avistar-se com o Doutor João Medeiros, este declarou-me o seguinte: “Adalberto estes quatro senhores em companhia desta senhora querem me conduzir para a minha casa, mas eu não vou com eles, só irei em sua companhia ou então escoltado por forças do Exército”; que ele respondente voltou e imediatamente procurou falar com o músico Quintino, que se dizia Chefe da Revolta, com quem se entendeu e expôs a situação do Doutor João Medeiros, que o motorista Epifanio o acompanhara por ocasião em que falava com o músico Quintino e que logo que ouviu a exposição dele respondente sobre a situação do Doutor João Medeiros, tomou a palavra e começou a dizer que o cabo Adalberto estava procurando muito salvar o Doutor João Medeiros, adiantando que elemento dessa ordem não se devia ter contemplação, pois tinha perseguido muito “o nosso pessoal”; que o músico Quintino passou então  a conversar um pouco reservado com o motorista Epifânio e o sapateiro Jaime de Brito, e logo que terminou essa conversa, entregou a ele respondente a chave do xadrez mandando que recolhesse novamente o Doutor João Medeiros e que depois então resolveria o caso, que momento depois é procurado pelo cabo Costa que lhe pedira a chave do xadrez, dizendo ser para recolher mais dois paisanos; que após ter saído para o xadrez e lá chegando encontrou falta novamente do Doutor João Medeiros e saído a procura do mesmo encontrou-o na mesma situação anterior e ai já acompanhado de Daniel Serquiz companheiro de xadrez do Doutor João Medeiros que encontrado o Doutor João Medeiros e Daniel Serquiz juntos a um automóvel e cercados  por Jaime de Brito e Epifânio como também dos já referidos neste auto, procurou novamente se entender com o músico Quintino a quem fez novas ponderações e presentes estavam o sargento Eliziel, motorista Epifânio e o sapateiro Jaime de Brito, sendo que Quintino e Eliziel ficavam indecisos e os civis insistiam  que deviam conduzir o Doutor João Medeiros para casa com expressões e gestos que davam a compreender quererem sacrificar os prisioneiros, muito especialmente pelo modo de se manifestar de um senhor Blunch, que dizia quando se referia ao Serquiz em virtude de de alguém presente, que o mesmo Serquiz era Integralista e como tal devia ter fim e que deviam dar satisfação à massa; que apesar das acusações desses civis já referidos, contra o Doutor João Medeiros e Daniel Serquiz, o músico Quintino determinou que ele respondente recolhesse novamente ao xadrez o Doutor João Medeiros e Daniel Serquiz, que mais tarde na mesma noite do dia 23 estando ele respondente no cassino dos sargentos cochilando , chega o cabo Guerra e lhe pede a chave do xadrez dizendo ser para recolher mais dois civis, atendendo esse pedido entregou a chave posi receava recusar-se a entregá-la, em vista do momento perigoso em que se achava o Quartel; que logo depois foi mais uma vez ao xadrez e lá chegando encontrou de fato mais dois civis recolhidos voltando logo após indo conversar com os oficiais, dirigiu-se para o pátio do Quartel e lá novamente encontrou o Doutor João Medeiros junto ao automóvel em companhia de Daniel Serquiz cercado do mesmo elemento já referido, tentando pela terceira vez conduzi-lo par afora do Quartel, que ele respondente procurou o músico Quintino e mais uma vez fez ponderações, dizendo que não deviam eles militares permitir que se sacrificasse nenhum elemento, pois que não tinham eles que estavam fazendo a revolução certeza da sua vitória, e que no caso de fracasso seriam eles os mais uma vez sacrificados, sendo mais uma vez atendido, recolhendo ao xadrez o Doutor João Medeiros e Daniel Serquiz que sabe o soldado Negrão quando procurava falar com algum preso com o fim de prestarem algum auxilio, o sapateiro Jaime de Brito teve expressões grosseiras para com ele dizendo que os presos estavam incomunicáveis; que o soldado que guarnecia o xadrez onde se achava o Doutor João Medeiros, disse a esse e a Serquiz que não podia se comunicar com ninguém, chamando Serquiz por isso a ele respondente perguntou se nem com ele podia se entender ao que respondeu que com ele respondente podia se entender; que no domingo pelas dez horas mais ou menos foi a casa do tenente Manoel de Castro onde encontrou-o com o Doutor Edison Hipolito e dizendo a estes a situação do Batalhão, aconselhou-o que continuasse refugiado, que dizendo o tenente Manoel de Castro o que devia ele respondente fazer sobre a sua própria pessoa, respondeu-lhe que devia voltar para o Quartel, pois sendo ele respondente um rapaz que sabia se impor podia procurar evitar muitas cousas, inclusive arrombamento na Tesouraria e qualquer cousa contra os Oficiais prisioneiros e elementos civis, que no domingo 24, Daniel Serquiz foi posto em liberdade de ordem de Quintino,s endo nesse mesmo dia recolhido ao xadrez onde se achava o Doutor João Medeiros o capitão Juventino, que Daniel Serquiz pediu a ele respondente que procurasse conseguir transferir o Doutor João Medeiros e o capitão Juventino, para o cassino onde se achavam recolhidos os oficiais, o que conseguiu quase por sua conta própria, dando lugar a que o músico Quintino não ficasse satisfeito dizendo que casos como esse que acabava ele respondente de resolver só podia fazer a junta Governativa, que correndo boatos alarmantes no Quartel e nas ruas de que os presos civis e militares iam ser fuzilados,  e disso havia indícios veementes, resolveu ele respondente em companhia dos cabos João Luiz, digo, João Luiz Leite Gonçalves, Eracito Lacerda e sargentos Amaro Pereira e  Cláudio Dutra e músico Joaquim Neves, ir falar com outros cabos a fim de se entenderem com a Junta Governativa a fim de que não se realizasse os planos de fuzilamento contra os prisioneiros; que havendo entendimento entre os cabos todos concordaram na defesa da vida dos oficiais e civis mesmo fosse preciso uma reação contra esse atentado; diante dessa resolução assentada entre ele respondente, sargentos e cabos, com grande massada de Quintino, Costa e João Batista, conseguiram falar com a junta e expuseram tudo o que tinha sabido e que eram contrários a esse plano; que a comissão que falou com  a junta era composta dele respondente, cabo Costa, cabo Jocundo e músico Quintino, ficando os demais que haviam concordado com a medida de defesa dos prisioneiros no Quartel, armados e esperando a solução da junta para com a comissão; que o músico Quintino que fazia parte da comissão, embora forçado, fez perante a junta exposição da atitude que haviam tomado os seus colegas relativamente à noticia de que iam ser sacrificados os prisioneiros civis e militares; que expôs ainda que os cabos, sargentos e outros elementos militares estavam dispostos a retirarem do Quartel e conduzir para bordo com todas garantias os referidos prisioneiros; que ele respondente logo depois da exposição feita por Quintino ouviu que João Fagundes da Padaria Palmeira falava dizendo que era o que mais prezava na sua vida, ao que declarou Quintino para os demais membros da comissão que o Fagundes pensava do mesmo modo que os seus companheiros; que depois da exposição feita por Quintino à junta, só um membro falou que foi o senhor Lauro Lago concordando com os militares, os demais membros silenciaram tendo por  essa ocasião presente um tal Blunch que riu-se como que debochando das resoluções; que em seguida ele respondente procurou falar com o Blunch dizendo que ele Blunch e os outros responsáveis procurassem resolver o caso de garantias para os prisioneiros, tendo como resposta que depois seria resolvido, sendo retrucado por ele respondente que disse-lhe que o caso devia ser resolvido logo que o mesmo Blunch disse a ele respondente que depois da retirada deles responsáveis pelo movimento, então os prisioneiros fugiram para onde bem entendessem, ao que respondeu que não concordava visto que os elementos que ai ficavam podiam se aproveitar perdidos como deviam estar e com armas na mão procurar trucidar os prisioneiros; que Blunch em resposta a estas declarações disse a ele respondente que bem havia compreendido que tanto haviam poupado os prisioneiros até que chegasse a situação de haver quem tanto se compadecesse deles; que enfim a junta nada tendo resolvido ele respondente e os demais da comissão voltaram para o Quartel; que enquanto os demais membros da comissão procuravam organizar a retirada, ele respondente, cabos João Leite Gonçalves, Erasto Lacerda, José Pontes, músico Joaquim Neves, sargentos Amaro Pereira, Cláudio Dutra, entregaram alguns revolveres aos prisioneiros e seguiram para bordo do G. 24, da Marinha de Guerra Mexicana, onde pernoitaram; que no dia seguinte pela manhã chegou a bordo do mesmo navio o tenente  Vicente Euclides, dizendo haverem os revoltosos abandonado a cidade; que diante isso ele respondente e os demais companheiros e prisioneiros voltaram para a cidade onde já encontraram tudo se normalizando. E por nada mais saber e nem ser perguntado deu-se por findo esse auto, que vai assinado [trecho legível no jornal citado] de ele respondente e por mim escrivão que datilografei.

         Genésio Lopes da Silva.

         Adalberto José da Cunha.

         Miguel Leandro Filho.

 

           Publicado em Ordem, 07/12/1935, p.1 e 4.

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