Conforme prometeu o jornal A Ordem publicou em 07/12/1935 na
íntegra, o depoimento prestado pelo cabo do 21º B.C perante o 2º Delegado
Auxiliar da Capital, a propósito da intentona comunista conforme foi por nós
transcrito a seguir.
----------------------------------------------------------------------------------------------
Auto de perguntas feita ao cabo Adalberto José da Cunha,
casado, militar, natural da Bahia, filho de José Pedro Cunha e dona Francisca
Silva Cunha.
Aos trinta dias do mês de novembro de mil novecentos e
trinta e cinco, nesta cidade de Natal, na Segunda Delegacia Auxiliar, presente
o capitão Genésio Lopes da Silva, segundo Delegado Auxiliar, compareceu o
referido cabo Adalberto José da Cunha, que declarou o seguinte: que no dia 23
do corrente pelas sete e meia horas mais ou menos, estava no café Majestic
quando ouviu alguém que estava havendo movimento na rua, partindo do 21º B.C,
saindo neste momento para o lado do Quartel e quando defrontou-se ao Mercado
Público, ouviu tocar reunir; que em seguida seguiu para o Quartel e lá chegando
encontrou o Quartel em grande reboliço, estando o oficial de dia tenente Abel
Cabral Batista, preso, como também o tenente músico João Cicero de Souza,
sargento João Barradas, sargento José Farias de Almeida, que comandava a
guarda, que procurando se informar do que havia responderam-lhe alguns soldados
que o Quartel ia ser atacado, sendo que em virtude dessa informação ele
respondente se armar; que daí por diante começaram os soldados a dar vivas a Carlos Prestes, Aliança Libertadora, razão
porque ficou receoso de que havia movimento ilegal no Quartel; que logo após
viu entrar preso no Quartel o tenente José Morais que foi entregue a ele
respondente pelos rebeldes com ordem de ser recolhido ao cassino. que o
tenente Morais nessa ocasião perguntou a ele respondente o que havia e o que
queriam fazer dele, respondendo a isto que não sabia de que se tratava, que ele
respondente de nova pra dez horas da mesma noite soube que tinha chegado
recolhido ao xadrez o Doutor João Medeiros Filho, Chefe de Policia, em
companhia de Daniel Serquiz que guiava o carro que conduzia o Doutro João
Medeiros filho, que sabedor da prisão do
doutor João Medeiros bem como da de Daniel Serquiz e a do senhor Petit procurou
logo a se entender com eles; que depois de ter conversado com os mesmos presos,
a pedido destes foi à rua a fim de avisar as respectivas famílias, o que se fez
relativamente a de Serquiz e do tenente Morais e quanto a do Doutor João
Medeiros, por intermédio da família Sequiz, que
quando voltou levou ao conhecimento dos referidos presos que tinha
satisfeito os seus pedidos, inclusive o lanche que lhes fora entregue, que
nessa ocasião procurou falar com o tenente Morais a quem tinha encontrado para
avisar a família do mesmo tenente a citada ocorrência; que quando volta da
conversa que teve com o tenente Morais e Daniel Serquiz avisou a ele
respondente que tinham retirado do xadrez o Doutor João Medeiros Filho, que
saíra acompanhado por quatro civis armados a fuzil que imediatamente ele
respondente sai a procura do Doutor João Medeiros, a quem encontrou no pátio do
Quartel junto a um automóvel e acompanhado de quatro civis dos quais sabe dos
nomes do sapateiro Jaime de Brito e o motorista Epifânio, tendo também junto a
eles uma mulher fardada que não se sabe do nome; que ele respondente ao
avistar-se com o Doutor João Medeiros, este declarou-me o seguinte: “Adalberto
estes quatro senhores em companhia desta senhora querem me conduzir para a
minha casa, mas eu não vou com eles, só irei em sua companhia ou então
escoltado por forças do Exército”; que ele respondente voltou e imediatamente
procurou falar com o músico Quintino, que se dizia Chefe da Revolta, com quem
se entendeu e expôs a situação do Doutor João Medeiros, que o motorista
Epifanio o acompanhara por ocasião em que falava com o músico Quintino e que
logo que ouviu a exposição dele respondente sobre a situação do Doutor João
Medeiros, tomou a palavra e começou a dizer que o cabo Adalberto estava
procurando muito salvar o Doutor João Medeiros, adiantando que elemento dessa
ordem não se devia ter contemplação, pois tinha perseguido muito “o nosso
pessoal”; que o músico Quintino passou então
a conversar um pouco reservado com o motorista Epifânio e o sapateiro
Jaime de Brito, e logo que terminou essa conversa, entregou a ele respondente a
chave do xadrez mandando que recolhesse novamente o Doutor João Medeiros e que
depois então resolveria o caso, que momento depois é procurado pelo cabo Costa
que lhe pedira a chave do xadrez, dizendo ser para recolher mais dois paisanos;
que após ter saído para o xadrez e lá chegando encontrou falta novamente do
Doutor João Medeiros e saído a procura do mesmo encontrou-o na mesma situação anterior
e ai já acompanhado de Daniel Serquiz companheiro de xadrez do Doutor João
Medeiros que encontrado o Doutor João Medeiros e Daniel Serquiz juntos a um automóvel
e cercados por Jaime de Brito e Epifânio
como também dos já referidos neste auto, procurou novamente se entender com o
músico Quintino a quem fez novas ponderações e presentes estavam o sargento
Eliziel, motorista Epifânio e o sapateiro Jaime de Brito, sendo que Quintino e
Eliziel ficavam indecisos e os civis insistiam que deviam conduzir o Doutor João Medeiros
para casa com expressões e gestos que davam a compreender quererem sacrificar
os prisioneiros, muito especialmente pelo modo de se manifestar de um senhor
Blunch, que dizia quando se referia ao Serquiz em virtude de de alguém presente,
que o mesmo Serquiz era Integralista e como tal devia ter fim e que deviam dar
satisfação à massa; que apesar das acusações desses civis já referidos, contra
o Doutor João Medeiros e Daniel Serquiz, o músico Quintino determinou que ele
respondente recolhesse novamente ao xadrez o Doutor João Medeiros e Daniel
Serquiz, que mais tarde na mesma noite do dia 23 estando ele respondente no
cassino dos sargentos cochilando , chega o cabo Guerra e lhe pede a chave do xadrez
dizendo ser para recolher mais dois civis, atendendo esse pedido entregou a
chave posi receava recusar-se a entregá-la, em vista do momento perigoso em que
se achava o Quartel; que logo depois foi mais uma vez ao xadrez e lá chegando
encontrou de fato mais dois civis recolhidos voltando logo após indo conversar
com os oficiais, dirigiu-se para o pátio do Quartel e lá novamente encontrou o
Doutor João Medeiros junto ao automóvel em companhia de Daniel Serquiz cercado
do mesmo elemento já referido, tentando pela terceira vez conduzi-lo par afora
do Quartel, que ele respondente procurou o músico Quintino e mais uma vez fez
ponderações, dizendo que não deviam eles militares permitir que se sacrificasse
nenhum elemento, pois que não tinham eles que estavam fazendo a revolução
certeza da sua vitória, e que no caso de fracasso seriam eles os mais uma vez
sacrificados, sendo mais uma vez atendido, recolhendo ao xadrez o Doutor João
Medeiros e Daniel Serquiz que sabe o soldado Negrão quando procurava falar com
algum preso com o fim de prestarem algum auxilio, o sapateiro Jaime de Brito
teve expressões grosseiras para com ele dizendo que os presos estavam incomunicáveis;
que o soldado que guarnecia o xadrez onde se achava o Doutor João Medeiros,
disse a esse e a Serquiz que não podia se comunicar com ninguém, chamando
Serquiz por isso a ele respondente perguntou se nem com ele podia se entender
ao que respondeu que com ele respondente podia se entender; que no domingo
pelas dez horas mais ou menos foi a casa do tenente Manoel de Castro onde
encontrou-o com o Doutor Edison Hipolito e dizendo a estes a situação do
Batalhão, aconselhou-o que continuasse refugiado, que dizendo o tenente Manoel
de Castro o que devia ele respondente fazer sobre a sua própria pessoa,
respondeu-lhe que devia voltar para o Quartel, pois sendo ele respondente um
rapaz que sabia se impor podia procurar evitar muitas cousas, inclusive
arrombamento na Tesouraria e qualquer cousa contra os Oficiais prisioneiros e
elementos civis, que no domingo 24, Daniel Serquiz foi posto em liberdade de
ordem de Quintino,s endo nesse mesmo dia recolhido ao xadrez onde se achava o
Doutor João Medeiros o capitão Juventino, que Daniel Serquiz pediu a ele
respondente que procurasse conseguir transferir o Doutor João Medeiros e o
capitão Juventino, para o cassino onde se achavam recolhidos os oficiais, o que
conseguiu quase por sua conta própria, dando lugar a que o músico Quintino não
ficasse satisfeito dizendo que casos como esse que acabava ele respondente de
resolver só podia fazer a junta Governativa, que correndo boatos alarmantes no
Quartel e nas ruas de que os presos civis e militares iam ser fuzilados, e disso havia indícios veementes, resolveu
ele respondente em companhia dos cabos João Luiz, digo, João Luiz Leite
Gonçalves, Eracito Lacerda e sargentos Amaro Pereira e Cláudio Dutra e músico Joaquim Neves, ir falar
com outros cabos a fim de se entenderem com a Junta Governativa a fim de que
não se realizasse os planos de fuzilamento contra os prisioneiros; que havendo
entendimento entre os cabos todos concordaram na defesa da vida dos oficiais e
civis mesmo fosse preciso uma reação contra esse atentado; diante dessa
resolução assentada entre ele respondente, sargentos e cabos, com grande
massada de Quintino, Costa e João Batista, conseguiram falar com a junta e
expuseram tudo o que tinha sabido e que eram contrários a esse plano; que a
comissão que falou com a junta era
composta dele respondente, cabo Costa, cabo Jocundo e músico Quintino, ficando
os demais que haviam concordado com a medida de defesa dos prisioneiros no
Quartel, armados e esperando a solução da junta para com a comissão; que o
músico Quintino que fazia parte da comissão, embora forçado, fez perante a
junta exposição da atitude que haviam tomado os seus colegas relativamente à
noticia de que iam ser sacrificados os prisioneiros civis e militares; que
expôs ainda que os cabos, sargentos e outros elementos militares estavam
dispostos a retirarem do Quartel e conduzir para bordo com todas garantias os
referidos prisioneiros; que ele respondente logo depois da exposição feita por
Quintino ouviu que João Fagundes da Padaria Palmeira falava dizendo que era o
que mais prezava na sua vida, ao que declarou Quintino para os demais membros
da comissão que o Fagundes pensava do mesmo modo que os seus companheiros; que
depois da exposição feita por Quintino à junta, só um membro falou que foi o
senhor Lauro Lago concordando com os militares, os demais membros silenciaram
tendo por essa ocasião presente um tal
Blunch que riu-se como que debochando das resoluções; que em seguida ele
respondente procurou falar com o Blunch dizendo que ele Blunch e os outros responsáveis
procurassem resolver o caso de garantias para os prisioneiros, tendo como
resposta que depois seria resolvido, sendo retrucado por ele respondente que
disse-lhe que o caso devia ser resolvido logo que o mesmo Blunch disse a ele
respondente que depois da retirada deles responsáveis pelo movimento, então os
prisioneiros fugiram para onde bem entendessem, ao que respondeu que não
concordava visto que os elementos que ai ficavam podiam se aproveitar perdidos
como deviam estar e com armas na mão procurar trucidar os prisioneiros; que
Blunch em resposta a estas declarações disse a ele respondente que bem havia
compreendido que tanto haviam poupado os prisioneiros até que chegasse a situação
de haver quem tanto se compadecesse deles; que enfim a junta nada tendo
resolvido ele respondente e os demais da comissão voltaram para o Quartel; que
enquanto os demais membros da comissão procuravam organizar a retirada, ele
respondente, cabos João Leite Gonçalves, Erasto Lacerda, José Pontes, músico
Joaquim Neves, sargentos Amaro Pereira, Cláudio Dutra, entregaram alguns
revolveres aos prisioneiros e seguiram para bordo do G. 24, da Marinha de
Guerra Mexicana, onde pernoitaram; que no dia seguinte pela manhã chegou a
bordo do mesmo navio o tenente Vicente
Euclides, dizendo haverem os revoltosos abandonado a cidade; que diante isso
ele respondente e os demais companheiros e prisioneiros voltaram para a cidade
onde já encontraram tudo se normalizando. E por nada mais saber e nem ser
perguntado deu-se por findo esse auto, que vai assinado [trecho legível no
jornal citado] de ele respondente e por mim escrivão que datilografei.
Genésio Lopes da Silva.
Adalberto José da Cunha.
Miguel Leandro Filho.
Publicado em Ordem, 07/12/1935, p.1 e 4.
Nenhum comentário:
Postar um comentário