segunda-feira, 7 de junho de 2021

A ESTRADA DE FERRO DE MACAU AO RIO SÃO FRANCISCO


Em 29/12/1888 deu entrada na Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas, um requerimento do engenheiro João Chkockatt Sá Pereira de Castro, pedindo ao Governo imperial, privilégio para a construção e gozo de uma estrada de ferro partindo do porto de Macau, no Rio Grande do Norte, à foz do rio Pajeú, afluente do rio São Francisco, em Pernambuco, passando pela Paraíba, e partindo ao meio a zona sertaneja destas três províncias.

O jornal O Povo publicou artigo do engenheiro José Leão escrito em setembro de 1889 no qual tratava a respeito dos benefícios que trariam para a região a construção de uma estrada de ferro interprovincial entre o porto de Macau e a foz do rio São Francisco cortando o interior do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco na parte mais assolada pelas secas.

Segundo o engenheiro potiguar, José Leão, essa estrada resolveria plenamente o grande problema da ligação do vale do rio São Francisco na parte em que não era servido pela navegação, com um porto de mar e pelo mais curto caminho, como demonstrava qualquer carta geográfica do Império. (O POVO, 12/10/1889, p.1-2).

Acrescente-se ainda que a projetada Estrada de Ferro de Macau ao São Francisco poria as ricas salinas do rio Assu, situadas ao nascente da cidade de Macau, ao alcance das províncias da Bahia (margem esquerda do São Francisco), Piauí e Ceará (respectivamente Jaicó e Crato), Alagoas, Sergipe (pelo alto sertão), Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte (pelo interior), pois terminaria a referida ferrovia na convergência das 5 primeiras províncias.

A ferrovia resolveria outro grande problema de alcance humanitário, visto que as populações do sertão de todo o norte estavam naquele momento  ameaçadas pela seca, cuja a que se verificou entre 1799 e 1793 assolou toda a parte onde estava situada a região da projetada estrada de ferro e que quase um século depois se repetia com a mesma intensidade e consequências.

Segundo o engenheiro José Leão a construção da projetada estrada de ferro de Macau ao São Francisco era já da mais urgente necessidade quando já se manifestavam os sintomas da terrível calamidade climática (O POVO, 12/10/1889, p.1-2). Dessa maneira, pois, ficava resolvida a questão de proporcionar trabalho ao invés de socorros paliativos a essas populações.

A Estrada de Ferro de Macau ao São Francisco, ao contrário, faria sobressair a viação férrea da Bahia, Alagoas e Pernambuco e traria a província da Paraíba e do próprio Rio Grande do Norte que estavam estacionadas em relação ao desenvolvimento econômico e material, um destino diverso, ligando-as por meio da referida ferrovia aquelas demais províncias (O POVO,12/10/1889, p.1-2).

           Em 23/03/1889 o jornal O Povo registrou que havia sido organizada um companhia na Corte com o intuito de atravessar com uma estrada de ferro a zona flagelada pelas secas das províncias do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco até o rio São Francisco. E maior foi a esperança do citado jornal ao saber que os males comuns das províncias vizinha despertavam atenção do governo, animando e auxiliando os intuitos generosos daquela grande empresa.

A representação da Câmara Municipal de Macau

Em 22/01/1889 a Câmara Municipal de Macau enviou uma representação ao Imperador Dom Pedro II sobre a estrada de ferro que se projetava fazer partindo de Macau para o vale do rio São Francisco e interior de Minas Gerais.

 O oficio da Câmara de Caicó

         Em 15/03/1889 o jornal O Povo publicou o oficio  da Câmara Municipal de Caicó enviado ao presidente da província onde apresentava como solução para o problema da estiagem na região do Seridó a construção da projetada Estrada de Ferro de Macau ao São Francisco (O POVO, 22/03/1889, p.4).

O jornal A República

O jornal A República recebeu um folheto sobre a projetada estrada de ferro de Macau ao São Francisco, cortando uma vasta zona do norte através da província potiguar, Paraíba e Pernambuco. O mencionado folheto trazia como apêndice uma carta da região que a estrada teria de percorrer. ”É um assunto muito mais importante e útil do que as tricas eleitorais. Dele nos ocuparemos no seguinte número” (A REPÚBLICA, 22/07/1889, p.3).

Queda da monarquia e advento da República

         Os acontecimentos políticos que culminou com a queda da monarquia e advento da Republica em 15/11/1889 e seus desdobramentos posteriores arrefeceram a ideia da construção da projetada Estrada de Ferro de Macau ao São Francisco, mas já em 1890, no novo regime político brasileiro parecia que tomava incremento a ideia desse imenso melhoramento dos sertões do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Ceará, e outros, melhoramento que, conseguido, faria a par da nossa atividade e labor, dispensar os socorros públicos nas secas.

A conferência do engenheiro Chrockatt no Cube de Engenharia

O engenheiro João Chrockatt de Sá Pereira Castro realizou em 25/05/1889 uma conferência no Clube de Engenharia no Rio de Janeiro a respeito da projetada Estrada de Ferro de Macau ao rio São Francisco, a qual foi publicada na Revista das Estradas de Ferro na edição de maio/jun de 1889.

Segundo ele: "Me parece que o projeto de via férrea que apresentei resolve desde já o problema da fixação ao solo da população, além dos resultados futuros que necessariamente há de produzir.

Esse projeto consiste em uma linha que partindo do porto de Macau no Rio Grande do Norte, se dirija pelo vale do rio Açu ou Piranhas e depois pelo do Pajeú, até a barra deste no rio São Francisco, atravessando as províncias do Rio Grande do Norte, da Paraíba e Pernambuco, com um desenvolvimento aproximado de 400 km.

No requerimento que apresentei ao parlamento ( e estou a isso autorizado por um grupo de capitalistas que apoiam o meu projeto) comprometer-me-ei a encetar os estudos definitivos 30 dias depois de celebrado o contrato e a atacar a construção, que não mais será interrompida logo que o governo aprove os estudos feitos. Ficará, pois, constituída uma importantíssima rede de comunicações interiores".

         A linha atravessaria os seguintes municípios: Angicos, Assu, Santana do Matos, Triunfo (Campo Grande), Imperatriz (Martins), São Miguel de Jucurutu, Príncipe (Caicó) e Serra Negra, no Rio Grande do Norte. Catolé do Rocha, Patos, Pombal, Misericórdia e Piancó, na Paraíba. Flores, Vila Bela, Triunfo, Ingazeira, Floresta, Cabrobó, Tacaratú, em Pernambuco.

         São servido, mas não atravessados os seguintes municípios: Mossoró, Apodi, Pau dos Ferros, Portalegre, Jardim, Acari, no Rio Grande do Norte. Brejo do Cruz, Souza, Cajazeiras, Sabugi e Teixeira, na Paraíba.

         Segundo o último recenseamento e admitida a porcentagem de aumento de 2% como estabeleceu o Sr. Favila Nunes, em seu trabalho: População, Território e Representação Nacional do Brasil - a população   destes municípios será:

Província do Rio Grande do Norte

Freguesias

População 1872

Aumento de 2%

Aumento em 16 anos

Total em 1888

São João Batista do Assu

8.891

177

2.832

11.723

Santana (Santa do Matos)

10.200

204

3.264

13.473

São José dos Angicos

5.160

103

1.648

6.808

N. Srª da Conceição de Macau

3.941

78

1.218

5.189

Santana do Triunfo

5.709

114

1.824

7.533

Santana do Principe (Caicó)

9.847

196

3.136

12.983

N.Srª do Ó de Serra Negra

2.747

54

864

3.611

N.Srª da Conceição do Jardim

7.678

153

2.418

10.126

N. Srª da Guia do Acari

11.520

130

2.080

13.600

N. Srª das Dores do Patu

4.921

98

1.568

6.489

N. Srª da Conceição dos Pau dos Ferros[1]

19.635

329

6.272

25.907

São João Batista de Portalegre

3.165

63

1.008

4.173

Santana da Imperatriz

11.035

221

3.536

14.621

São Sebastião de Caraúbas

3.372

67

1.072

4.444

São João Batista do Apodi

 

6.638

132

2.112

8.750

Santa Luzia de Mossoró

8.000

160

2.560

10.560

Total

122.518

2.342

37.472

159.990

                        Província da Paraíba do Norte

 

Freguesia

População em 1872

Aumento de 2%

Aumento em 16 anos

Total  em 1888

N. Srª da Guia de Patos

6.757

135

2.160

8.917

Santa Maria Madalena do Teixeira

7.338

146

2.336

9.674

Santa Luzia do sabugi

4.290

85

1.360

6.659

N. Srª do Bom Sucesso do Pombal

12.982

249

3.981

16.968

N.Srª dos Remédios do Catolé do Rocha

17.021

340

5.410

22.460

Santo Antonio do Piancó

13.669

273

4.368

18.039

Misericórdia

6.715

134

2.144

8.851

N.Srª da Conceição da Misericórdia

7.961

158

2.528

10.452

N.Srª dos Remédios de Souza

17.594

351

5.616

23.212

N.Sr do Rosário de São João de Souza

12.177

242

3.872

16.040

N.Sr da Piedade de Cajazeiras

7.020

140

2.240

9.261

São José de Piranhas

5.955

119

1.904

7.857

Lagoa do Monteiro

10.502

210

3.360

13.869

Total

129.960

2.582

41.372

171.332

Província de Pernambuco

Freguesia

População em 1872

Aumento de 2%

Aumento em 16 anos

Total  em 1888

N. Sr da Penha de Vila Bela

5.548

110

1760

7.309

N. Srª da Conceição de Pajeú de Flores

10.693

213

3.408

14.100

N.Srª das dores do Triunfo

7.336

146

2.336

9.676

São José da Ingazeira

12.554

251

4.016

16.579

Bom Jesus dos Aflitos da Fazenda Grande (Floresta)

15.153

302

4.832

19.980

N.Srª e São Gonçalo de Cabrobó

8.472

169

2.701

11.175

Total

59.756

1.191

19.056

78.812

Recapitulação

Províncias

População em 1872

Aumento de 2%

Aumento em 16 anos

Total  em 1888

Rio Grande do Norte

122.518

2.312

37.472

159.990

Paraíba

129.960

2.532

41.372

171.332

Pernambuco

59.756

1.191

19.056

78.812


       A população total dos municípios servidos pela estrada era pois de 410.134 habitantes. Sendo, segundo o Sr. Favila Nunes, a população do Rio Grande do Norte de 308.852, a da Paraíba de 496.618 e a de Pernambuco de 1.110.839, vê-se que metade da população do Rio Grande do Norte e mais um terço da da Paraíba é vitima da seca.

        Em relação a Pernambuco, como só foram computados 7 municípios a proporção é mais favorável, mas entrando em cálculo com toda a população do sertão, esta será de um quinto.

O ocaso

Em 1890 o engenheiro João Chrockatt de Sá Pereira Castro havia solicitado novamente a concessão ao Governo Federal de uma estrada de ferro ligando diretamente o Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco à Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

         A resposta dada pelo Governo Federal foi que ainda que não houvesse incompatibilidade legal, parecia, todavia de prudente conselho que os engenheiros do Ministério da Agricultura se abstivessem de solicitar tais concessões (REVISTA DE ENGENHARIA, 1890, p.6).O referido engenheiro fazia parte dos quadros de funcionários do Ministério da Agricultura.

         O projeto Nº 161 de 1893 determinava que fossem acrescidas à viação geral do norte da República várias linhas projetadas, dentre estas a estrada de ferro de Macau ao São Francisco, desenvolvendo-se pelos vales dos rios Piranhas e Pajeú, de modo a servir os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco (ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1893, p.548).

         A efêmera existência da projetada Estrada de Ferro de Macau ao rio São Francisco tem assim o seu o caso e posterior desaparecimento, tendo sido o projeto engavetado nos porões da burocracia governamental e suplantado pelos acontecimentos políticos que sucedeu entre a queda da Monarquia e advento da República.

         Parte do traçado seria mais tarde aproveitado na Estrada de Ferro de Mossoró. Quanto a Macau, os trilhos só viria a tocar seu território somente  em 1962 quando foi ali inaugurada a estação da Rede Ferroviária do Nordeste (Estrada de Ferro Sampaio Correia), cujo ramal a partir de Lajes teve inicio em 1914, ainda assim, ramal não previsto no projeto original da EFCRGN.

        No mapa a baixo um traçado aproximado do que seria o traçado da projetada Estrada de Ferro de Macau ao São Francisco com sua extensão em km em linha reta.




[1]As freguesias compreendidas entre Pau dos Ferro e Mossoró pertenciam ao Vale do Apodi-Ipanema e ficavam no extremo sertão confinando com o Ceará, mas mesmo assim seriam servidas pela ferrovia interprovincial.


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