quinta-feira, 30 de maio de 2019

SOBRE OS ABALOS DE LAJES (ITARETAMA) EM 1950



Em 02/02/1950 o repórter do Celso Campos do Diário de Natal tomou o trem da EFCRGN e se dirigiu a cidade de Lajes a fim de averiguar in loco os fenômenos telúricos que ali estavam ocorrendo. Sua reportagem hoje traz a luz importantes achados históricos para compreender os fenômenos sísmicos daquela região.
Lajes (a época denominava-se Itaretama), distante 107 km de Natal situada a 199 metros de altitude entre montanhas numa das zonas mais adustas do sertão potiguar As chuvas no município eram sempre escassas e a época de estiagem se tornava por isso das mais penosas do Estado.
         Região espessamente rochosa e seca, o problema do abastecimento de água era o mais sentido pela população.
         Todavia, essas enormes adversidades da natureza não impediam a cidade de Itaretama de crescer e progredir, produzindo entre outras riquezas algodão do melhor tipo que se conhecia no Brasil.
         A cidade de Lajes se formou a partir do pequeno povoado de umas 20 casas em 1913 quando os trens da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte começaram a chegar ali, a cidade tinha em 1950 1.611 residências, constando o município com 13.000 habitantes segundo o censo de 1940.

Inicio dos fenômenos
         Segundo informações colhidas na cidade pelo repórter do jornal Diário de Natal os fenômenos que estavam ocorrendo em Lajes tiveram inicio as 21h30 do dia 30/12/1949, sendo então escutado um grande estrondo subterrâneo, seguido de outros menores intermitentes ouvidos pela noite a dentro, havendo pessoas afirmado terem contado 11 ao todo.
         Daí adiante, o fenômeno estava se repetindo a intervalos de vários dias, ora sob forma de explosões subterrâneas isoladas ou seguidas de percussão, ora com tremores de terra propriamente ditos, com trepidar de telhas, oscilação de objetos domésticos, abertura de portas de moveis mal fechadas e até trincaduras de parede. Animais, segundo as informações de pessoas idôneas do local, não estavam insensíveis e na ocasião dos tremores ou dos ruídos subterrâneos, cães haviam ladrado ou uivado e gatos se arrepiaram.
         Segundo o relato dos moradores o tremor de maior intensidade ocorreu no dia 21/01/1950, sábado, as 09h40, quando foi escutada uma única, porém, terrível explosão subterrânea. Pessoas estavam sentindo a sensação moderada da deslocação de ar, idêntica a de quem desce em elevador de altos edifícios.
Sinais dos abalos
         Segundo o repórter do jornal A Ordem não era verdadeira a versão de que os tremores tinham provocado aberturas de sola na serra do Feiticeiro, enorme cordilheira cuja silhueta a cerca de 15 km circunda a cidade.Do mesmo modo não era verdade que tinha fendido na cidade as paredes da igreja matriz e do prédio dos Correios e Telégrafos.
         Trincaduras em paredes haviam sido apenas em 4 casas, 3 das quais na praça da igreja matriz e todos esses vestígios ocorreram durante os abalos do dia 19/01/1950.
Fendas mais acentuadas nas paredes da residência da diretora do Grupo Escolar, a professora Isaura Carvalho, na praça da matriz, 102, construção de tijolos duplos.Nessa casa acentuaram-se nesse dia fendas existentes e abriram-se outras com respectiva queda de caliça.Maria Salomé da Silva, ai residente, disse ter tido a sensação de que a levantavam do solo.

                        Praça da Matriz de Lajes atualmente




         Outras casas que na praça da matriz tiveram nesse dia trincaduras foram as de número 207, residência do Sr. Francisco Amâncio Pereira, construção de tijolos com 3 paredes rachadas, e a de número 243, residência de Isaias Marques.Na praça Getúlio Vargas,  a quarta casa trincada, que foi o estabelecimento comercial de Macelo Motoril.

Conversando com os habitantes
         Pessoas  de mais de uma classe social foram abordadas pelo repórter  do jornal A Ordem, todas elas coincidentes quanto a existência do fenômeno, divergentes porém quanto a datas de incidência, detalhes e interpretações.
         Havia versões curiosas, como a de um humilde carpinteiro, velhote saudável, de 79 anos, que afirmou ter ouvido os primeiros ruídos subterrâneos ali nada menos que em 1886. Adiantou ele que seu pai morreu aos 98 anos e falava que já muito antes de 1886 os fenômenos eram acontecimento comum nas redondezas.
         Aquilo, entretanto, sempre era tido como prenuncio de inverno copioso, como os de 1894, 1899, 1912 e 1919.Acreditava-se que o epicentro se encontrava  na área que se estendia por 16 km,entre a serra do Feiticeiro, com 730 metros de altitude, um bloco rochoso quase inteiriço e que alguns afirmavam se tratar de ferro em sua composição.

                             Aspecto da serra do Feiticeiro


         A versão desse humilde carpinteiro, era entretanto isolada e o repórter quis ser honestos com as pessoas que se dispuseram a falar sobre o assunto.
         Fenômenos telúricos de datas tão recuadas ouvia-se falar apenas como ocorrendo no vizinho município de Baixa Verde (atual João Câmara), segundo informações de antigos magistrados e promotores que ali serviram.

Informações de outras pessoas
         Getúlio Costa, proprietário do hotel da cidade a época, residente em Lajes desde 1906, se lembrava de ter escutado ruídos subterrâneos ali em Lajes em 1923. Depois desse ano apenas os que estavam ocorrendo naquele ano de 1950.João Vicente, agricultor, de 52 anos, residente sempre em Boa Vista, no sopé da serra do Feiticeiro, de onde se julgava se originarem os fenômenos, informou que apenas naquele ano de 1950 havia escutado os ruídos.Acrescentou, todavia, que ali são de pequena intensidade e se tinha a impressão de serem trovões a reboar longinquamente.
         Pela dificuldade de transporte de o repórter permaneceu em Lajes apenas algumas horas e durante esse curto espaço de tempo não ocorreu abalos sísmicos. O que pareceu certo, porém, foi que a intensidade maior era sempre no próprio perímetro urbano da cidade, especialmente na praça da matriz, onde o solo rochoso era mais espesso, havendo mesmo enormes blocos de granito aflorando na via pública.

Xisto, petróleo ou carvão de pedra?
         A opinião interessante e equilibrada que o repórter colheu de Luiz Lago, conhecido intelectual vitimado pela paralisia havia 2 anos e aquela época visitado apenas por alguns amigos sinceros.Acredita ele se tratar de gases em expansão, emanados de xistos betuminoso, de hulha ou qualquer outra jazida subterrânea de óleo mineral.Deslocavam-se esses gases através de fendas subterrâneas,procurando cavernas da camada rochosa.Os ruídos ou estrondos subterrâneos variavam de intensidade, havendo uns isolados, outros seguidos de uma serie de vários, tudo dependendo da menor ou maior resistência encontrada pelas emanações.
         Os fenômenos de Lajes eram comuns, por exemplo, em várias expirações de carvão de pedra e se denominavam de Grisu.Nas galerias das minas existentes na região da Floresta Negra, Alemanha, as explosões a principio chegavam a vitimar mineiros.Mas logo a experiência ensinava a pressentir a aproximação desses gases em expansão e os trabalhadores aquela época já tomavam as precauções adequadas.
         Presumia-se que esses gases caminhavam do tabuleiro da Boa Vista, na serra do Feiticeiro, em direção a cidade, até a praça da matriz, onde provavelmente o subsolo era mais rochoso e mais daí maior resistência encontrada pelas emanações subterrâneas.
         A hipótese de Luiz Lago era razoável, sabido que no levantamento geológico do nordeste aparecia nos mapas o vizinho município de Angicos como um dos prováveis reservatórios de óleo mineral. Ilustrando as interessantes informações de Luiz Lago, soube-se que as camadas rochosas do subsolo em Lajes eram de respeitável espessura, daí a dificuldade na perfuração de poços.Houve um onde um lençol do precioso liquido foi alcançado aos 37 metros de profundidade, encontrando-se nova camada rochosa, sendo a perfuração abandonada aos 80 metros.
         Acreditava Luiz Lago que as explosões subterrâneas tinha relação com fenômenos que vinham sendo observados no tabuleiro da Boa Vista, entre a cidade e a serra do Feiticeiro, onde tinha havido ocorrência de fogo de santelmo, fosforescência  encontradiça onde existiam depósitos oleosos no subsolo, Nesse tabuleiro já tinha sido pedaços de concentrados de cor negras, cuja natureza não se inflamavam facilmente.
         Não acreditava Luiz Lago na eventualidade de uma próxima erupção vulcânica.Os fenômenos que antecediam erupções dessa natureza eram sempre mais violentos e iminentes.

Necessidade do interessa das autoridades
         De tudo isso uma coisa pareceu meridianamente urgente e imprescindível: que as autoridades se interessassem pela situação da população  de Lajes e providenciassem a ida de um técnico ao local, a fim de esclarecer a natureza dos fenômenos.A população se encontrava perfeitamente calma, conforme o citado repórter disse, especialmente do elemento feminino.Não era justo se deixar a população de Lajes entregue a toda sorte de imaginação, que só consequências desagradáveis poderiam trazer, afirmavam o mesmo repórter.Deveria assim esperar que o governado José Varela reiterasse junto ao Ministério da Agricultura a vinda de um especialista.
         Em resposta aos apelos feitos pela população, o governador José Varela telegrafou a João Militão, Ramiro Pereira e outros nos seguintes termos:
“Estou telegrafando ao Rio. Infelizmente [é a] quarta vez que telegrafo em iguais casos de Baixa Verde sem resultado. Estou telegrafando [ao] Ministério [da Agricultura] e bancada, pedindo especialista, a fim de estudar [os] fenômenos essa cidade. Peço avisar demais signatários. Cordiais abraços. José Varela, governador”. ( DIÁRIO DE NATAL, 03/02/1950, p.6, grifos nosso).
         Do senador Georgino Avelino receberam Luiz Cid e outros o seguinte telegrama:
      “Recebi telegrama, querido amigo e imediatamente despertei [o] interesse [em] publicação [dos] jornais sobre abalo sísmico. Conversei [com o] ministro [da] Agricultura que prometeu enviar um técnico ao local do fenômeno. Afetuosos abraços. Georgino Avelino”. (DIÁRIO DE NATAL, 03/02/1950, p.6, grifos nosso).

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