Em
02/02/1950 o repórter do Celso Campos do Diário de Natal tomou o trem da EFCRGN
e se dirigiu a cidade de Lajes a fim de averiguar in loco os fenômenos
telúricos que ali estavam ocorrendo. Sua reportagem hoje traz a luz importantes
achados históricos para compreender os fenômenos sísmicos daquela região.
Lajes
(a época denominava-se Itaretama), distante 107 km de Natal situada a 199
metros de altitude entre montanhas numa das zonas mais adustas do sertão
potiguar As chuvas no município eram sempre escassas e a época de estiagem se
tornava por isso das mais penosas do Estado.
Região espessamente rochosa e seca, o
problema do abastecimento de água era o mais sentido pela população.
Todavia, essas enormes adversidades da
natureza não impediam a cidade de Itaretama de crescer e progredir, produzindo
entre outras riquezas algodão do melhor tipo que se conhecia no Brasil.
A cidade de Lajes se formou a partir do
pequeno povoado de umas 20 casas em 1913 quando os trens da Estrada de Ferro
Central do Rio Grande do Norte começaram a chegar ali, a cidade tinha em 1950
1.611 residências, constando o município com 13.000 habitantes segundo o censo
de 1940.
Inicio dos fenômenos
Segundo
informações colhidas na cidade pelo repórter do jornal Diário de Natal os fenômenos
que estavam ocorrendo em Lajes tiveram inicio as 21h30 do dia 30/12/1949, sendo
então escutado um grande estrondo subterrâneo, seguido de outros menores
intermitentes ouvidos pela noite a dentro, havendo pessoas afirmado terem
contado 11 ao todo.
Daí adiante, o fenômeno estava se
repetindo a intervalos de vários dias, ora sob forma de explosões subterrâneas isoladas
ou seguidas de percussão, ora com tremores de terra propriamente ditos, com
trepidar de telhas, oscilação de objetos domésticos, abertura de portas de
moveis mal fechadas e até trincaduras de parede. Animais, segundo as
informações de pessoas idôneas do local, não estavam insensíveis e na ocasião
dos tremores ou dos ruídos subterrâneos, cães haviam ladrado ou uivado e gatos
se arrepiaram.
Segundo o relato dos moradores o tremor
de maior intensidade ocorreu no dia 21/01/1950, sábado, as 09h40, quando foi
escutada uma única, porém, terrível explosão subterrânea. Pessoas estavam
sentindo a sensação moderada da deslocação de ar, idêntica a de quem desce em
elevador de altos edifícios.
Sinais
dos abalos
Segundo o repórter do jornal A Ordem
não era verdadeira a versão de que os tremores tinham provocado aberturas de
sola na serra do Feiticeiro, enorme cordilheira cuja silhueta a cerca de 15 km
circunda a cidade.Do mesmo modo não era verdade que tinha fendido na cidade as
paredes da igreja matriz e do prédio dos Correios e Telégrafos.
Trincaduras em paredes haviam sido
apenas em 4 casas, 3 das quais na praça da igreja matriz e todos esses vestígios
ocorreram durante os abalos do dia 19/01/1950.
Fendas
mais acentuadas nas paredes da residência da diretora do Grupo Escolar, a
professora Isaura Carvalho, na praça da matriz, 102, construção de tijolos
duplos.Nessa casa acentuaram-se nesse dia fendas existentes e abriram-se outras
com respectiva queda de caliça.Maria Salomé da Silva, ai residente, disse ter
tido a sensação de que a levantavam do solo.
Praça da Matriz de Lajes atualmente
Outras casas que na praça da matriz
tiveram nesse dia trincaduras foram as de número 207, residência do Sr.
Francisco Amâncio Pereira, construção de tijolos com 3 paredes rachadas, e a de
número 243, residência de Isaias Marques.Na praça Getúlio Vargas, a quarta casa trincada, que foi o estabelecimento
comercial de Macelo Motoril.
Conversando com os habitantes
Pessoas de mais de uma classe social foram abordadas
pelo repórter do jornal A Ordem, todas
elas coincidentes quanto a existência do fenômeno, divergentes porém quanto a
datas de incidência, detalhes e interpretações.
Havia versões curiosas, como a de um
humilde carpinteiro, velhote saudável, de 79 anos, que afirmou ter ouvido os
primeiros ruídos subterrâneos ali nada menos que em 1886. Adiantou ele que seu
pai morreu aos 98 anos e falava que já muito antes de 1886 os fenômenos eram
acontecimento comum nas redondezas.
Aquilo, entretanto, sempre era tido
como prenuncio de inverno copioso, como os de 1894, 1899, 1912 e 1919.Acreditava-se
que o epicentro se encontrava na área
que se estendia por 16 km,entre a serra do Feiticeiro, com 730 metros de
altitude, um bloco rochoso quase inteiriço e que alguns afirmavam se tratar de
ferro em sua composição.
Aspecto da serra do Feiticeiro
A versão desse humilde carpinteiro, era
entretanto isolada e o repórter quis ser honestos com as pessoas que se
dispuseram a falar sobre o assunto.
Fenômenos telúricos de datas tão
recuadas ouvia-se falar apenas como ocorrendo no vizinho município de Baixa
Verde (atual João Câmara), segundo informações de antigos magistrados e
promotores que ali serviram.
Informações de outras pessoas
Getúlio
Costa, proprietário do hotel da cidade a época, residente em Lajes desde 1906,
se lembrava de ter escutado ruídos subterrâneos ali em Lajes em 1923. Depois
desse ano apenas os que estavam ocorrendo naquele ano de 1950.João Vicente,
agricultor, de 52 anos, residente sempre em Boa Vista, no sopé da serra do Feiticeiro,
de onde se julgava se originarem os fenômenos, informou que apenas naquele ano
de 1950 havia escutado os ruídos.Acrescentou, todavia, que ali são de pequena intensidade
e se tinha a impressão de serem trovões a reboar longinquamente.
Pela dificuldade de transporte de o repórter
permaneceu em Lajes apenas algumas horas e durante esse curto espaço de tempo
não ocorreu abalos sísmicos. O que pareceu certo, porém, foi que a intensidade
maior era sempre no próprio perímetro urbano da cidade, especialmente na praça
da matriz, onde o solo rochoso era mais espesso, havendo mesmo enormes blocos
de granito aflorando na via pública.
Xisto, petróleo ou carvão de pedra?
A opinião interessante e equilibrada
que o repórter colheu de Luiz Lago, conhecido intelectual vitimado pela
paralisia havia 2 anos e aquela época visitado apenas por alguns amigos
sinceros.Acredita ele se tratar de gases em expansão, emanados de xistos betuminoso,
de hulha ou qualquer outra jazida subterrânea de óleo mineral.Deslocavam-se
esses gases através de fendas subterrâneas,procurando cavernas da camada
rochosa.Os ruídos ou estrondos subterrâneos variavam de intensidade, havendo
uns isolados, outros seguidos de uma serie de vários, tudo dependendo da menor
ou maior resistência encontrada pelas emanações.
Os fenômenos de Lajes eram comuns, por
exemplo, em várias expirações de carvão de pedra e se denominavam de Grisu.Nas
galerias das minas existentes na região da Floresta Negra, Alemanha, as
explosões a principio chegavam a vitimar mineiros.Mas logo a experiência ensinava
a pressentir a aproximação desses gases em expansão e os trabalhadores aquela época
já tomavam as precauções adequadas.
Presumia-se que esses gases caminhavam
do tabuleiro da Boa Vista, na serra do Feiticeiro, em direção a cidade, até a
praça da matriz, onde provavelmente o subsolo era mais rochoso e mais daí maior
resistência encontrada pelas emanações subterrâneas.
A hipótese de Luiz Lago era razoável,
sabido que no levantamento geológico do nordeste aparecia nos mapas o vizinho município
de Angicos como um dos prováveis reservatórios de óleo mineral. Ilustrando as
interessantes informações de Luiz Lago, soube-se que as camadas rochosas do subsolo
em Lajes eram de respeitável espessura, daí a dificuldade na perfuração de
poços.Houve um onde um lençol do precioso liquido foi alcançado aos 37 metros
de profundidade, encontrando-se nova camada rochosa, sendo a perfuração abandonada
aos 80 metros.
Acreditava Luiz Lago que as explosões subterrâneas
tinha relação com fenômenos que vinham sendo observados no tabuleiro da Boa
Vista, entre a cidade e a serra do Feiticeiro, onde tinha havido ocorrência de
fogo de santelmo, fosforescência encontradiça
onde existiam depósitos oleosos no subsolo, Nesse tabuleiro já tinha sido
pedaços de concentrados de cor negras, cuja natureza não se inflamavam
facilmente.
Não acreditava Luiz Lago na
eventualidade de uma próxima erupção vulcânica.Os fenômenos que antecediam
erupções dessa natureza eram sempre mais violentos e iminentes.
Necessidade do interessa das
autoridades
De tudo
isso uma coisa pareceu meridianamente urgente e imprescindível: que as
autoridades se interessassem pela situação da população de Lajes e providenciassem a ida de um técnico
ao local, a fim de esclarecer a natureza dos fenômenos.A população se encontrava
perfeitamente calma, conforme o citado repórter disse, especialmente do
elemento feminino.Não era justo se deixar a população de Lajes entregue a toda
sorte de imaginação, que só consequências desagradáveis poderiam trazer,
afirmavam o mesmo repórter.Deveria assim esperar que o governado José Varela reiterasse
junto ao Ministério da Agricultura a vinda de um especialista.
Em resposta aos apelos feitos pela população,
o governador José Varela telegrafou a João Militão, Ramiro Pereira e outros nos
seguintes termos:
“Estou
telegrafando ao Rio. Infelizmente [é a] quarta vez que telegrafo em iguais
casos de Baixa Verde sem resultado. Estou telegrafando [ao] Ministério [da
Agricultura] e bancada, pedindo especialista, a fim de estudar [os] fenômenos
essa cidade. Peço avisar demais signatários. Cordiais abraços. José Varela,
governador”. ( DIÁRIO DE NATAL, 03/02/1950, p.6, grifos nosso).
Do senador Georgino Avelino receberam
Luiz Cid e outros o seguinte telegrama:
“Recebi telegrama, querido amigo e
imediatamente despertei [o] interesse [em] publicação [dos] jornais sobre abalo
sísmico. Conversei [com o] ministro [da] Agricultura que prometeu enviar um
técnico ao local do fenômeno. Afetuosos abraços. Georgino Avelino”. (DIÁRIO DE
NATAL, 03/02/1950, p.6, grifos nosso).
Nenhum comentário:
Postar um comentário