Reproduzo na integra o panegirico
feito pelo Jornalista Mário Montenegro ao senador João Câmara que havia
falecido meses antes e publicado no Diário
de Pernambuco em 30/12/1948.O texto do citado jornalista fala por si só, não
carecendo de maiores explicações. Os subtítulos em negrito são nossos.Ei-lo:
A epopeia dos irmãos Câmara
Ai
por volta de 1915, um rapazinho de 20 anos, com dois outros irmãos, eram
paupérrimos e operários da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte:
João, Jeronimo e Alexandre, ou antes Vanvão, Loló e Xandu. Iam, sem saber,
realizar uma fabula do velho La Fontaine.
Era
a época em que se construía o prolongamento da penetração Ceará-Mirim, Taipu,
Lajes, logo seguindo o ramal de Epitácio Pessoa, antigo Gaspar Lemos, na
direção de Macau e, pelo governo ainda não concluído.
Aí
toparam eles nas imediações de Taipu, uma vasta região ótima para o plantio e
cultura do algodão, a que denominaram Baixa Verde. Não sabemos se o nome foi
dado pelos irmãos Câmara.
Área
duas vezes maior que o Distrito Federal[1].
Iam procurar o tesouro escondido do insigne fabulista Le Laburer et ses Enfants.
Os
três irmãos puseram a trabalhar humildemente no desbravamento daquela floresta
e, anos depois, constituíram a firma João Câmara & Irmãos. Primeiro um fio
d’água, hoje uma torrente.
Uma
zona inculta, completamente esquecida e abandonada (Como tantas outras no
Brasil), começou a povoar-se. Alguns anos depois, graças ao influxo do poderoso
realizador, já os primeiros indícios de riqueza começaram a aflorar. Ao mesmo
tempo um centro produtor de algodão, cereais, pecuária e derivados, e um
pequeno núcleo eleitoral, na Antiga República.
Wharton Pedrosa e João Câmara se completam na faina soberba
Naquela
ocasião capital ingleses começaram a convergir para o pequeno estado potiguar.
Fernando Pedrosa depois de algumas ao Velho Mundo, onde, em bons tempos,
completara uma ótima educação comercial foi empolgante figura dessa época.
Constituíra
a Sociedade Anônima Wharton Pedrosa. Natal deixava de ser cidade risonha e
patriarcal, para se tornar numa espécie de Meca do algodão, uma usina de
poderosos motores de beneficiamento do chamado ouro branco. Os que condenam por
falta de educação ou boa-fé, o ingresso de capitais estrangeiros no Brasil,
deveriam por os olhos no grande exemplo de um pequeno Estado.
Fernando
Pedrosa e João Câmara admiravelmente se completaram na faina soberba. Enquanto
Fernando Pedrosa ligava a importadora Inglaterra a exportadora Natal, Câmara
sintonizava Natal com o interior do Estado, a Baixa Verde, e suas imediações,
numa espécie de reinado amistoso sobre os matutos.
O
ano devia ser 1920, Câmara não tinha mais que 25 anos de idade. Pedrosa tombou
há 12 anos de colapso cardíaco. Câmara seguiu lhe agora a mesma singradura.
Solidários até na maneira de morrer. Sempre harmoniosos e independentes entre
si, como os poderes da República.
O gigante da floresta
O gigante da floresta como muito bem lhe chamou
agora no seu panegirico da Alta Câmara, o senador Georgino Avelino, não dormiu,
não descansou, não esmoreceu. E da bela região outrora em mata virgem, aponta a
povoação, ao sopro do Titan, vila que aos poucos vai envolvendo no sentido de
cidade, cidade-moça e progressista, conhecida e popular em todo Estado, num
belíssimo exemplo de encorajamento, tenacidade e trabalho.
Era um gozo viajar de trem através de seus domínios
Em
1928, quando o conheci em Natal, era já um gozo viajar de trem através de seus
domínios pejados de prensas hidráulicas, usinas de descaroçamento, fábrica de
óleo e de pasta de algodão e de pasta, incontáveis cercados de algodão e campos
de criação de gado. Era o tipo de popular e queridíssimo da capital do Estado.
Não creio ter havido em Natal, e não apenas nos municípios de Ceará-Mirim,
Taipu e Baixa Verde (hoje município de João Câmara), quem dele não tenha
recebido um benefício qualquer.
Impressões sobre o homem
Vários
motivos tive para admirar não só o seu caráter senão também o seu coração de
homem superior e sua origem de filho, essencialmente do povo. E o que mais me
impressionou em João Câmara era que, não sendo homem de letras, parecia um
letrado quando discursava; não sendo filósofo, parecia filósofo quando
conversava; não sendo político, parecia um político, quando se elegia prefeito
ou senador; sendo riquíssimo parecia, parecia pobre na maneira de trajar,
trabalhar, tratar e conviver com os amigos; sendo o homem mais ocupado do
Estado, tempo tinha de estar em toda parte, parecendo dotado do dom de
ubiquidade; sendo financista, por obrigação comercial, era considerado não sem
razão como o baluarte, a própria caixa de um grande partido: o PSD. Era
essencialmente um homem de ação, organizador, inteligente, atento, leal,
dinâmico, progressista e patriota, e uma espécie de Rei dessa virtude a que
ninguém aparentemente dá importância: o bom senso.
Um
produto da própria honestidade. Uma réplica de murro de nariz dos que só
acreditam nas virtudes da trapaça, da falcatrua e do roubo. Ao mesmo tempo
milionário e proletário; 15 filhos (nem todos vivos) de um só matrimônio,
deixando a vida aos 53 anos, senador da República.
Aforismos de João Câmara
Eis
aqui alguns aforismos por mim ouvido da sua boca, quando convivia com ele, em
Natal “se
quando escuto uma história a transmito de forma que, ao invés de produzir
alguns amigos, produzo alguns inimigos, não sou homem. Meu dever será sempre no
sentido de produzir harmonia, e nunca acirrar inimizades”.
Outra
expressão ouvida durante uma viagem de trem em que fui seu companheiro de Natal
a Baixa Verde, certamente foi o tônus, o motu-íntimo do eleitorado que o levou
ao senado da República. Ei-la: “o
povo conhece perfeitamente quando o político diz uma coisa para se defender, ou
quando fala a expressão da verdade. Ninguém se iluda. O povo conhece”.
Mais
recentemente, quando há alguns meses estava no Rio para tomar posse da sua
cadeira no senado (o último a fazê-lo) encontrei-o na avenida em companhia do
industrial Amaro Costa. Falava-se na da sua renúncia. Pedi-lhe como
conterrâneo, que tal não fizesse, pois, o Senado necessitava de homens do seu
caráter, da sua tempera, da sua experiência, disse João Câmara: “é possível que tome posse
-respondeu- da minha cadeira de sanador. Mas no Rio não poderei permanecer.
Tenho muito que fazer no Rio Grande do Norte. Isso de endireitar o Brasil
ficará pra vocês, os jornalistas” (na partícula que me toca assumi logo o
compromisso).
Método sadio de comerciar introduzido João Câmara no Estado
Agora um método sadio de comerciar introduzido por ele no Estado.Um
salineiro do município de Macau, que também era ali agricultor até 1935, um mês
antes da safra já se encontrava na hora exata de vender o algodão na folha.
Chama-se vender na folha a preciosa malvácea quando se forçado para custear a
última capinagem e primeira colheita, a vender o produto para não perdê-lo, em
regra pela metade do preço, na hora exata de o capulho lançar ao sol o seu
gracioso conteúdo marfim alado. Vende ou perde.
É
a hora da provação do semeador, a hora em que fogem os amigos e, em lugar,
surge a dança macabra da agiotagem de Mossoró e Assú. Round the cotton bush, para a imposição de prejuízo e miséria da
terra.
Nessa
emergência, esse agricultor, que não era outro senão o humilde autor destas
linhas, não teve mais que seguir de Macau a Baixa Verde, 6 horas de viagem (de
automóvel e trem) e de lá voltar no dia seguinte com avultada soma dos cofres
de João Câmara & Irmãos, sem outro compromisso que não o de uma nota
promissória, e sem outro ônus que os juros da lei. Conhecimento feito apenas
numa simples viagem de trem.
O que ainda se disse de João Câmara
O
químico potiguar Dr. Raul Caldas, que foi uma das inteligentes figuras mais
vivas e agudas que tenho conhecido por ocasião de cuja morte, em 1940, mereceu
de Luiz da Câmara Cascudo uma página a altura do seu talento, dizia e
proclamava em alto e bom som que João Câmara era um dos pró-homens deste século
(século XX) encalhado por acaso no Rio Grande do Norte.
Acho
que ele foi uma força da nossa natureza... uma espécie de Matarazzo potiguar,
maior que Matarazzo, pois chegou ainda jovem ao senado da República e já se
encontrava escolhido pelos seus conterrâneos para futuro governador do nosso
pequeno, grande Estado.
Disse
o senador Rui Barbosa que o homem que trabalha se acerca-se continuamente do
Autor de todas as coisas. Este o segredo de João Câmara.
Outra
faceta notável da vida fecunda e breve deste caboclo de gênio e para o qual
chamo a atenção dos sociólogos e do poderes da constitutivos da República, vem
a ser (parece nada e é tudo) a prova exuberante das iniciativas do povo das
atividades correlatas do Governo. Compare-se João Câmara (vindo do povo), com o
sertanista João Alberto (saído do Governo). A diferença astronômica dos
recursos de cada um! O matuto remando contra a maré alta da ditadura, o
ministro dirigindo sem contraste o famoso eufemismo da Mobilização Econômica. O
potiguar andando com a natureza a dar saltos, o mauricea obrigando a natureza a
dar saltos a poder de decretos-leis. Entretanto, enquanto o senador apresenta
resultados inteiramente sazonados, o coordenador fez exibição de obra peca, de
fundo exclusivamente espetacular.
Dentro do coração da pátria viverás
Descanse
em paz nordestino magistral. Ainda moço precisaste descansar. Teus conterrâneos
só cantariam suficientemente o teu triunfo, que poderá ser o triunfo do Brasil,
se mandassem gravar na tua lousa os versos maravilhosos de Bilac, especialmente
esculpido para a glória perene do velho paulista.Caçador de Esmeraldas:
"E
subjugando o olvido, através das idades, violador dos sertões, plantador de
cidades, dentro do coração da pátria viverás".
Fonte: Diário de Pernambuco, 30/12/1948,
p.2.
[1]
Tanto a época da epopeia dos irmãos Câmara como na época da publicação do texto
de Mário Montenegro, o Distrito Federal era o município do Rio de Janeiro.
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