sexta-feira, 24 de novembro de 2017

A ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO RIO GRANDE DO NORTE EM 1913


       Eis a seguir um relato sobre a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte extraído do livro Impressões do Brazil no Século Vinte publicado em Londres, Inglaterra em 1913.A época a ferrovia estava sob concessão da Companhia de Viação e Construções e era este o titulo no livro referente a essa ferrovia.

Companhia de Viação e Construções
   A lei 1.145, de 31 de dezembro de 1903, autorizou o governo a mandar proceder aos estudos duma estrada que, partindo do ponto mais conveniente do litoral do estado do Rio Grande do Norte, fosse ter aos sertões desse estado, penetrasse nos da Paraíba, Pernambuco e Ceará, e aí, ligando-se à Estrada de Ferro de Baturité, no ponto mais conveniente, completasse em parte o plano geral de viação férrea do Norte do Brasil.
     Feitos esses estudos, verificou o governo que a linha férrea de penetração que mais convinha aos interesses gerais era a que fosse construída em prolongamento da antiga Estrada de Ferro de Natal e Ceará-Mirim, já então estudada, não só por ser o porto de Natal o mais apropriado para centro de convergência da futura rede de estradas de ferro do Rio Grande do Norte, como também por ser esse traçado o que melhores condições técnicas apresentava, como se verificou dos estudos de reconhecimento efetuados em diversos vales dos principais rios da região.
      Pelo decreto nº 5.703 de 4 de outubro de 1905, foram então aprovados o projeto geral da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte e os estudos definitivos do primeiro trecho, cuja construção foi imediatamente iniciada pelo governo - que, pouco tempo depois, resolveu empreitar os serviços de construção, contratando também o arrendamento do tráfego com a empresa construtora.
      Em concorrência pública, foi escolhida, em 1908, a proposta de Luiz Soares de Gouvêa, que, associado ao engenheiro dr. João Julio de Proença, transferiu os contratos à firma Proença & Gouvêa, que então se constituiu e da qual pouco tempo depois, em 1909, se tornou cessionário o sócio dr. João Proença. Em 1911, organizou o dr. João Proença a companhia de Viação e Construções, de que é incorporador e principal acionista, e a ela transferiu os contratos de construção e arrendamento dessa importante via férrea, assumindo a direção da companhia, no cargo de diretor-presidente.
       O ponto inicial da linha é, pois, a cidade de Natal – capital do estado do Rio Grande do Norte – que possui o primeiro porto do Norte do Brasil, não só pelas condições excepcionais do seu ancoradouro, perfeitamente abrigado numa extensão de 18 quilômetros, mais ou menos, e francamente acessível em qualquer maré a todos os navios que viajam em costa brasileira, como também pela sua posição geográfica um dos mais próximos da Europa, o que o tornará em futuro não mui remoto um grande centro de movimento comercial, tendo em vista os melhoramentos que já estão em execução e que, muito breve e com pequeno dispêndio, ficarão concluídos.
       A estrada, partindo da cidade de Natal, na margem direita do Rio Potengi, acompanha esse rio em cerca de 8 quilômetros, onde o atravessa com uma ponte metálica de 500 metros, constituída por 10 vãos de 50 metros; passando então para a margem esquerda e logo dela se afastando, galga em Aldeia Velha extenso tabuleiro, por onde corre até o Vilar, alcançando aí o fertilíssimo vale do Ceará-Mirim, onde a cana-de-açúcar uma vez plantada se perpetua.
        O Rio Ceará-Mirim alaga todo o vale em seus transbordamentos, durante a estação das chuvas, depositando detritos vegetais que tornam exuberante a fecundidade do terreno. Este vale, com cerca de 36 quilômetros de extensão e 3 quilômetros de largura, devido somente à carência de transportes, até hoje possui cultura apenas num terço de sua superfície total. Não tendo mais que 50 engenhos, a sua produção é relativamente grande. Atualmente, os agricultores já adotaram a policultura, convindo notar que o cultivo do arroz, ultimamente feito, tem deixado um rendimento notável.
      No município do Ceará-Mirim, cria-se gado em grande quantidade, sendo farta a alimentação que ele aí encontra. A cidade está edificada em terreno acidentado, mas o seu comércio é bastante importante. Acompanhando sempre a margem direita do Rio Ceará-Mirim, a estrada chega a Taipu, onde, além da criação de gado, são cultivados o algodão e cereais em grande escala.
     Quatro quilômetros adiante de Taipu, a linha atravessa o Ceará-Mirim, galgando, através de várias rampas, terrenos planos e arenosos que nos invernos são duma fertilidade prodigiosa para a lavoura dos cereais, da mandioca e do algodão.
       Daí até o quilômetro 88, onde se encontra a florescente povoação de Baixa-Verde, o terreno é pouco acidentado, encontrando-se pequenos morros isolados de rochas silicosas e calcárias. O granito existe em diversos pontos em estado de decomposição. Nas proximidades da linha, existem uma grande mina de enxofre, uma pedreira de mármore e muitas outras de mica e cristal de rocha.
          No quilômetro 98, a cerca de 10 quilômetros à esquerda da linha, existe a vila de Jardim de Angicos, em cujo município a linha atravessa vastas e importantes fazendas de criação de gado vacum, cavalar e lanígero. Essa cidade possui já muitos estabelecimentos comerciais e máquinas de descaroçar algodão, sendo muito importante o seu comércio.
        Daí em diante a linha atravessa grandes campos de capim penasco (ótima forragem para o gado e cujo poder alimentício é comparável ao do milho em igualdade de peso), até atingir, no quilômetro 134, o divisor de águas do Rio Ceará-Mirim e dos afluentes do Rio Açu, onde existem grandes blocos de rocha vermelha.
       À esquerda da linha, nesse ponto, existe o morro de Cabugi, com a altitude de 600 metros, e a cidade de Lajes, de grande importância comercial, devido ao cruzamento de duas estradas de rodagem, de tráfego intenso. Até aí, está atualmente o tráfego da estrada de ferro, numa extensão pouco inferior a 150 quilômetros.A construção continua ativamente em mais algumas dezenas de quilômetros, e os estudos prosseguem até a cidade de Milagres, no Ceará, onde chegará com cerca de 600 quilômetros, entroncando-se na Estrada de Ferro de Baturité.
       Está também em estudos o ramal de Lajes a Macau, outro porto do Rio Grande do Norte, importantíssimo pelas riquíssimas salinas, cuja produção é suficiente para abastecer a todos os mercados do mundo, sendo esse elemento indispensável à vida aí o mais puro possível, pois contém 98% de cloreto de sódio. Esse ramal deverá ter proximamente 100 quilômetros de extensão.
         A linha tronco no quilômetro 300 atingirá a importante cidade de Caicó, denominada a capital desse fertilíssimo sertão, onde a uberdade do solo é simplesmente prodigiosa, e seria tomada por pura fantasia por aqueles a quem, desconhecedores dessas regiões, se pretendesse demonstrá-la.
         A população das zonas que serão em breve servidas pela Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte é computada, por dados oficiais, em 600.000 habitantes e a produção do algodão sobe a algumas dezenas de milhares de fardos, sendo o produto da melhor qualidade e comparado pelos entendidos ao mais bem reputado do Egito.
         A indústria das peles tem tomado tal incremento nessas regiões, que já se pode considerar como definitiva e como elemento de expansão considerável, uma vez terminada a estrada, que virá permitir aos criadores a pronta remessa desse produto aos pontos de embarque. A exportação das peles, pelos portos de Natal e Mossoró, tem atingido nestes últimos anos algarismos consideráveis, computando-se o seu valor comercial em alguns milhares de contos de réis – e isso apesar da falta de transporte econômico e rápido, que só se obterá após a construção da estrada. É já uma indústria brasileira conhecida nos principais centros consumidores da Europa e Estados Unidos, sendo o produto bem reputado e superior ao de outras procedências.
         A extração de cera de carnaúba e da borracha de mangabeira e maniçoba são também outras indústrias que se tornarão por certo bem importantes. Para se ter uma ideia da importância comercial da Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, basta considerar-se como elementos principais de seu tráfego: o algodão, que, como foi dito, tem aí uma produção importantíssima no sentido da exportação, e o sal, no sentido da importação, produtos esses cujo consumo é extraordinário nas regiões centrais do Brasil. Terá, portanto, essa estrada o seu tráfego perfeitamente equilibrado, realizando assim o ideal das vias de transportes.
        A bitola dessa estrada é de um metro, entre faces internas dos trilhos, e as condições técnicas adotadas já em seu prolongamento excelentes, não se permitindo curvas de raio superior a 300 metros e rampa mais forte de 0,012 m por metro. Os trilhos são de 25 quilos por metro corrente e a largura da plataforma de 3,60 nos aterros e 4 metros nos cortes.
       As locomotivas adotadas são de 36 toneladas, ou 9 toneladas por eixo, sendo que as pontes são todas calculadas prevendo-se para o futuro material mais pesado até 12 toneladas por eixo.
    Nos trechos anteriormente construídos, foram executadas as obras necessárias, a fim de serem unificadas as condições técnicas atuais. A extensão atual em tráfego é ainda de cerca de 150 quilômetros, mas, dentro de 3 a 4 anos, terá essa estrada de ferro cerca de 700 quilômetros ou mais. O seu traçado é magnífico, e os elementos seguros dum tráfego importantíssimo lhe vaticinam o tornar-se, futuramente, uma das estradas de mais valor comercial do país.

      Os trabalhos de construção e a superintendência geral do tráfego estão confiados, desde o seu início, ao dr. José Antônio da Costa Junior, engenheiro de grande merecimento, como profissional habilíssimo e administrador experimentado, com longa prática de outras empresas do país.


Fonte: Impressões do Brazil no Século Vinte, Jas. Truscott & Filho Ltd. Londres, p. 268.1913.



Legenda das imagens: Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, construída pela Cia. de Viação e Construções: 1) A ponte de Ceará Mirim; 2) Projeto para a estação terminal em Natal; 3) Locomotiva "L. Cunha"; 4) O primeiro trem. Foto publicada na página 268 do já citado livro.







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